O meu 25 de Novembro é o próximo – daqui a exactamente 12 dias – e, na realidade, aquilo que me interessa é mesmo o dia a seguir.
O que é que a acontece a 26 de Novembro? Será o dia em que, na Assembleia da República, serão debatidos dois temas de governação importantes: a reposição dos salários dos funcionários públicos e a redução da sobretaxa do IRS.
As propostas a debater e a votar são apresentadas pelo partido socialista e os dois temas estão na cidade proibida dos acordos das esquerdas. Ou, se quiserem, na sua lista negra – aquela onde estão as coisas para as quais não se encontrou “acordo quanto às condições da sua concretização”, mesmo que exista “convergência quantos aos objectivos a alcançar”.
Ou seja, isto é tudo muito bonito, mas o problema é mesmo governar. O acto da governação, com a sua necessidade de tomar opções concretas por um lado ou por outro, é que na realidade estraga a harmonia das ideias elevadas e dos estados de alma com afinidade. O inferno são os outros, dizia o Sartre; na realidade, o inferno é mesmo a governação.
Só uma breve síntese das propostas sobre estes dois temas:
- Sobretaxa do IRS
- O PS propõe um corte de 50% em 2016
- O PCP e o BE pretendem que seja eliminada com efeitos imediatos
- Reposição dos salários dos funcionários públicos
- O PS propõe uma redução gradual dos cortes nos salários, começando por 25% no primeiro trimestre de 2016, 50% no segundo trimestre, 75% no terceiro trimestre e repondo totalmente os salários no fim do próximo ano
- O Bloco de Esquerda concorda com a reposição gradual dos salários
- O PCP pretende que a reposição integral dos salários seja imediata
Claro que, qualquer que seja a opção sobre estas medidas, existirá um impacto nas contas públicas e claro que, como as contas públicas são escrutinadas por Bruxelas no âmbito dos acordos a que voluntariamente nos comprometemos, mais cedo ou mais tarde, os quatro aliados à esquerda vão ter de falar daquele tema delicado que se chama Europa ou política europeia. Na realidade, todos sabem que este é o tema. Todos sabem que de uma forma ou de outra é aqui que tudo começa ou que tudo acaba. Está nos livros, nos filmes e na vida das famílias – a forma como superamos, ou não, os temas-tabu, aquilo de que não se fala porque se antecipa conflito e mesmo ruptura, é exactamente aquilo que irá deixar o registo histórico.
O problema dos próximos meses é que estão cheios de temas espinhosos como estes. Não é por acaso que o PS traz para a frente da agenda legislativa e política temas como a despenalização do aborto ou a adopção por casais do mesmo sexo. Estes são o espaço perfeito de lua de mel, não apenas com os partidos de esquerda, mas com várias camadas da sociedade que se revêem num código de costumes e de valores progressista e não refém de dogmas religiosos ou outros. Como diria o Jorge Jesus: “Costa, isso é peaners”. Vai gerar discussão, vamos voltar a ouvir argumentos absurdos, mas essa é a “good fight” do país da Esquerda onde, imagine-se, se conseguem encontrar inclusive alguns amigos de direita do mesmo lado da barricada.
O problema mesmo é a chatice de governar o país todos os dias. As contas, bolas, as contas. O dinheiro que não chega para tudo. “Eles” – o Estado – que na realidade somos “nós”, todos os nós, e os impostos que pagamos. Como gerir este dinheiro? Vamos governar-nos com o que temos ou vamos mas é pedir dinheiro emprestado porque, e é mesmo verdade, as dívidas gerem-se, como dizia um aluno de Ciência Política muito falado em Portugal. Mas as dívidas também se pagam, enquanto se gerem, e, lá está, governar o país também obriga a contar com isso.
E por muito que toquem os violinos, é aqui, é sobretudo aqui, que saberemos, em Portugal e na Europa, que politicos teremos. Se teremos funcionários da política, motivados quais hamsters pela perpetuação da sua roda de poder, ou se teremos homens e mulheres com coragem para desafiar status quo e encontrar novas soluções e rever velhas regras. É uma batalha muito solitária durante muito tempo e provavelmente uma batalha que mais facilmente faz perder votos do que ganhá-los. Porque para ser feita em consciência implica decisões espinhosas, compromissos difíceis e um enorme sentido de responsabilidade.
Um conhecido meu costumava dizer que no plano ideal todos queremos só duas coisas: paz no mundo e uma casa na praia.
No plano ideal, todos queremos emprego para todos, pensões dignas para todos, impostos justos em que os mais ricos pagam – efectivamente – mais e não se escapam nas malhas da lei, boas escolas, bons serviços de saúde, boas estradas, bons transportes públicos. E sim, porque não, a perspectiva de todos podermos gozar pelo menos uma vez ao ano umas boas férias, mesmo que sem casa de praia.
Todos queremos isto e ainda bem. O bem-estar e o progresso devem ser as razões de fundo de qualquer governo, de qualquer sociedade. O problema é que, pelo meio, é preciso fazer escolhas, contas, leis e isso é muito pouco romântico, dá imenso trabalho e exige garantidamente mais do que acordos de princípio.
No dia 26 de novembro, a “família” de esquerda ainda não vai ter a sua prova de fogo, mas vai experimentar o desconforto de ter de tocar em assuntos de que não se fala à mesa para não estragar o jantar.
Sobre opções, dos Governos e das nossas
Os estudantes universitários nos Estados Unidos manifestaram-se contra o aumento das dívidas contraídas para pagar um curso e exigiram a eliminação de propinas nas universidades públicas.
“Isto é uma escola ou uma empresa?”, era uma das perguntas que se ouvia nas ruas.
O Papa Francisco propôs esta semana que o telemóvel não fizesse parte da ementa do nosso jantar. Ou seja, que não estivesse à mesa. Decerto muitos, quase todos, concordamos, decerto muitos, quase todos, experimentamos a cedência à tentação – ansiedade? paranóia? – de termos de saber o que outros estão a dizer ou a fazer naqueles minutos em que nos desligamos do mundo. Também por isso, vale a pena ler isto.
Tenham um bom fim de semana
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