O negacionismo chegou à 4.ª vaga e há um novo texto viral a circular pelo Facebook que apelida o Certificado Digital de «coleira», entre outras insinuações sobre os direitos que o Estado português está a tirar aos seus cidadãos. Quem o escreve não terá vergonha, quem o partilha não tem memória.
O certificado digital para restaurantes, hotéis, etc. é muito chato, mas teve como resultado imediato o crescimento brutal de testes à COVID-19 e isso só pode ser uma boa notícia. O lema “testar, testar, testar” de que se fala há semanas só agora se tornou realidade. Em Lisboa, por exemplo, é difícil neste momento agendar testes em Farmácias; há umas semanas era de uma hora para a outra.
No entanto, nunca é demais lembrar que também há vários postos de testagem gratuita em Lisboa sem necessidade de agendamento.
O texto sugere também, disfarçadamente, alguma ineficácia da vacina. Paradoxal. Se a vacina não funcionasse, então mais importante seria ainda manter restrições de que já se queixam. Mas isto nem sequer é matéria de opinião, é estatística pura: a vacina é eficaz contra infecções e, quando não as evita, impede o desenvolvimento de doença grave. Desculpem a formulação coloquial, mas às vezes parece mesmo ser preciso voltar a dizer o básico.
Poderão dizer que o número de casos neste momento já não importa tanto, podemos discutir isso, mas sinto que estas novas medidas têm como objetivo principal ganhar tempo e evitar mais sobressaltos (numa altura em que o número de internamentos volta a preocupar), ao mesmo tempo que a vacinação continua a avançar em sprint.
Se há incongruências na apresentação dos certificados digitais, possíveis confusões na implementação no local e situações de muita dúvida? Claro que sim, mas isso é muito menos importante que uma pandemia.
Tenho lido cenários hipotéticos em que uma enorme fila se acumula à porta de um restaurante, o empregado de mesa é obrigado a assumir funções de profissional de saúde, chegam várias pessoas sem teste que têm de o fazer no local e, para piorar tudo, aparece um caso positivo que coloca todos em sobressalto. Em primeiro lugar: ter conhecimento de casos positivos nos locais onde estivemos é uma informação útil. Depois, os cenários hipotéticos são feitos à medida da conclusão a que queremos chegar. Podíamos igualmente imaginar restaurantes onde os jovens (maior fatia da população que ainda não está vacinada), com acesso a mais informação, chegavam com o comprovativo do teste negativo, facilitavam o trabalho de quem tem uma porta aberta e tudo fluía perfeitamente, com distanciamento, máscara quando possível e tranquilidade.
Entre a catástrofe e a perfeição vai um espaço muito grande, onde acredito que devam prevalecer dois pontos: solidariedade entre as pessoas, onde cada uma ajuda as mais próximas, principalmente aquelas com menos informação ou mais desorientadas; e uma atuação das autoridades que neste momento não deve ser punitiva (nem para clientes nem para estabelecimentos), assumindo esta medida sobretudo como um sinal político e social de contenção, em contraste, por exemplo, com laivos demasiado folgados de alguns atores políticos nas últimas semanas.
Já fizemos muito sacrifícios. Fazer testes (gratuitos) com regularidade não chega a ser um sacríficio.
O texto a que me referia no início do artigo e muitos outros falaciosos e anti-científicos (não os confundo com críticas mais que legítimas ao governo e autoridades de saúde) são escritos por pessoas insensíveis ao melhor dos argumentos e que já não vão mudar de opinião. Mas entre quem os lê (e concorda com eles) há gente com dúvidas e frustrações legítimas e compreensíveis. Para essas pessoas, é importante aparecerem também outras narrativas, para mostrar que – não estando tudo a ser bem feito – isto também não é um barco à deriva sem qualquer tipo de racionalidade no caminho a seguir. Partilha-as com os teus amigos.
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