Peng Shuai, 35 anos, campeã de ténis em pares com triunfos em Wimbledon (2013) e em Roland Garros (2014) foi considerada “princesa do desporto” na China.

Há três semanas, Peng Shuai acusou no Weibo (uma espécie de Twitter da China) um dos poderosos do regime chinês de a ter assediado sexualmente e de ter pretendido tomá-la como amante. O acusado, Zhang Gaoli, foi vice-primeiro-ministro no primeiro governo do todo-poderoso Xi Jinping e é um dos sete homens no topo do aparelho do PC chinês.

Esses sete poderosos, todos homens, parecem intocáveis e posicionam-se acima das lutas entre os clãs que disputam influência no sistema político chinês.

Imagina-se como seja impensável para essa gente que apareça uma “princesa desportiva” a pôr um deles em causa.

Peng Shuai logo após ter escrito a acusação a Zhang Gaoli ficou submetida à receita habitual da secção repressiva do aparelho de poder na China: levou sumiço, o rasto dela e das acusações na internet foi apagado e o nome dela desapareceu na lista de campeões desportivos na China.

Aconteceu-lhe o que costuma suceder a quem transgride os tabus políticos na China: desapareceu temporariamente de cena, tal como tinha acontecido com Jack Ma, fundador da Alibaba, ou com a estrela de cinema Fan Bing Bing.

O que surpreende com Peng Shuai é o aparelho de poder em Pequim não ter antecipado a vaga internacional de protestos. Ou talvez o movimento de solidariedade alinhado com o movimento #metoo tenha crescido demasiado depressa.

O facto é que se tornou insustentável para o poder político de Pequim manter Peng Shuai desaparecida.

É assim que neste fim de semana foi organizado o reaparecimento dela. Primeiro em fotos e vídeos nos media do Estado da China. Depois, através de uma chamada que se prolongou por 30 minutos, em videoconferência, com o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach. Logo a seguir, o COI afiançou ter ouvido dela que está “sã e salva”. Em casa, em Pequim.

The New York Times acrescenta que Peng Shuai, na videochamada, estava acompanhada por “um amigo”, supostamente para a ajudar a expressar-se em inglês. Mas ela usou inglês fluente nas conferências de imprensa em volta dos jogos do circuito internacional de torneios de ténis ao longo da última década.

São conhecidos casos de encenação pela China da apresentação de confissões por parte intelectuais dissidentes que depois se soube serem forçadas.

O presidente do Comité Olímpico Internacional garante, “com alívio”, que Peng Shuai aceitou o convite para jantar com ele, quando se deslocar a Pequim no começo do próximo ano, para os Jogos Olímpicos de Inverno.

Mas há dirigentes do Human Rights Watch, como o chinês Yakiu Wang, que acusam o COI de “colaboração com os sequestradores ao serviço do aparelho de poder político da China”.

O artista Ai Weiwei, agora a residir em Portugal, vê ativada a “despudorada” máquina de propaganda de Pequim.

Por agora, o que se viu de Peng Shuai apenas prova que ela está viva. Nada mais. Nada nos garante que ela esteja a comunicar sem estar submetida a pressão e censura.

O post de acusação de Peng a Zhang Gaoli foi censurado de modo fulminante: desapareceu 34 minutos depois da publicação em 2 de novembro. A censura chinesa também tratou de tornar inacessível na China qualquer procura sobre o nome Zhang Gaoli. Até a expressão “ténis” chegou a estar bloqueada.

Fica impossível, enquanto Peng Shuai não tiver liberdade para voltar a viajar pelo mundo, termos a garantia de que ela está em liberdade e não é refém do aparelho de poder na China.

Por mais que Pequim tente apagar a má imagem que este caso reforça, por maior que seja o esforço de quem está interessado em evitar turbulências sobre o espetáculo multimilionário dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, o mal está feito. Pelo menos até prova em contrário.

Com os sistemas totalitários é assim.

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