Quando deu a sua famigerada conferência de imprensa do dia 7 de Novembro, em que insultou os jornalistas presentes e mostrou uma agressividade ainda maior do que é habitual, Donald Trump já se tinha livrado do seu Ministro da Justiça, Jeff Sessions – mas só o admitiu mais tarde no mesmo dia.
A saída de Sessions era uma morte anunciada; desde que se tinha escusado de tutelar a investigação do Procurador Especial Robert Mueller (com o argumento de que, tendo feito parte da campanha presidencial, era parte interessada), o que lhe teria permitido controlá-la, que Trump o achincalhava publicamente.
Sessions tinha sido o primeiro Senador a apoiar Trump, quando ainda ninguém acreditava que ele era um candidato credível; e como Ministro da Justiça (Attorney General) foi sem dúvida o membro da Administração que mais efectivamente pôs em prática as mais extremas medidas presidenciais, como a política anti-droga, a limitação da imigração e a escolha de juízes e procuradores mais radicais no judiciário.
Político de carreira, vindo do Alabama, era Senador desde 1997 e sempre tinha representado a ala mais conservadora do partido. A fidelidade de Sessions era inquestionável e, sendo mais experiente e arguto do que os outros membros da Administração, seguia imparável na sua cruzada. Mas havia a questão da escusa, e à medida que a investigação de Mueller avançava, agora tutelado pelo Secretário de Estado da Justiça, Rod Rosenstein, subia a ira do Presidente contra o seu Ministro e Trump falava frequentemente em substitui-lo, além de o ridicularizar incontáveis vezes.
Despediu-o à sua maneira, como já tinha despedido tantos outros: sem falar com ele pessoalmente, ou sequer informá-lo. Sessions soube por terceiros que tinha de abandonar o seu posto imediatamente. No mesmo dia 7 circulou a sua carta de demissão, declarando claramente que saia “a pedido” de Trump. Como a carta não tem data, fica entendido que o Presidente já a tinha em seu poder há algum tempo, para usá-la quando quisesse.
O despedimento de Sessions neste momento não foi um ímpeto impensado. Ao saber que perdeu a maioria republicana da Câmara dos Representantes, que tem poderes para proteger Mueller, corroborar as suas investigações e fazer outras devassas na Administração (inclusive pedir a famosa Declaração de Rendimentos que Trump sempre se negou a mostrar), Trump percebeu que é imprescindível agir antes que o Procurador Especial possa apresentar factos particularmente danosos para si e para os seus – não só sobre o alegado conluio (collusion) entre a campanha presidencial republicana e os russos, como também dos inúmeros negócios questionáveis entre ele, o genro e outros próximos, com entidades russas e de outros países. Assim, e de uma maneira bastante clara quanto às suas intenções, Trump nomeou para substituir o Ministro o Chefe de Gabinete deste, Matthew Whitaker, o que é uma escolha tão inusitada que até há quem a considere ilegal – nunca um ministro é substituído pelo seu chefe de gabinete, mesmo que interinamente. O cargo deveria ter ido para Rod Rosenstein, precisamente a pessoa que tem tutelado a investigação de Mueller com uma imparcialidade que não convém a Trump.
E Whitaker não é um funcionário atonal; republicano de carreira e defensor muito vocal de Trump, em várias entrevistas que deu ao longo dos últimos dois anos, chamou à investigação de Mueller uma “caça às bruxas” (a expressão preferida de Trump), afirmou que o Procurador Especial tem excedido os poderes que lhe foram conferidos e até deu a receita para lhe cortar as pernas: não despedi-lo, o que poderia ter consequências graves (levaria o Congresso a agir, considerando que o Presidente estava a obstruir a justiça) mas reduzindo-lhe o orçamento a quase zero, estrangulando a investigação. Havia mesmo quem considerasse, tanto no Ministério da Justiça como em Washington em geral, que Whitaker era um informador de Trump dentro do Ministério.
Com a nomeação de Whitaker, Mueller tem de reportar a ele (deixando de reportar a Rosenstein) e o novo Ministro interino passa não só a ter acesso a todas as informações sobre a investigação (que Mueller tem mantido secretas) como pode vetar intimações, inquirições e outros instrumentos de investigação ao alcance do Procurador Especial.
Os democratas assumem a maioria da Câmara dos Representantes em Janeiro, o que implica que também passam a dirigir as diversas comissões especiais de investigação que podem vasculhar praticamente tudo o que diz respeito a Trump e à Administração. Portanto, a janela de oportunidade do Presidente é muito curta. Se não é mesmo tarde demais para ele travar Mueller, tem sido motivo de especulação. Também há quem considere que quem perdeu a janela de oportunidade foi Mueller, ao atrasar demasiado as suas investigações. Certamente que teria sido melhor se tivesse já publicado o seu relatório final; se não o fez, foi porque ainda não o considera terminado, ou porque resolveu esperar pela nova situação da maioria democrata na Câmara. Mueller tem permanecido de boca calada – nunca prestou nenhuma declaração durante todo o processo – portanto só se pode especular se tem ou não provas conclusivas. Mas as suas investigações já produziram vários processos, que ele salvaguardou passando-os para os tribunais – os casos notórios de Michael Cohen e Paul Manafort, entre outros – além do indiciamento das cidadãs russas Maria Butina e Elena Khusyaynova. Mueller tem usado o sistema, há muito comprovado, de partir dos mais expostos e subir a “ladeira” até chegar aos mais protegidos.
Os democratas, e mesmo alguns republicanos, pediram imediatamente que Whitaker também se escuse de tutelar Mueller, a partir das suas afirmações públicas contra o trabalho do Procurador Especial; mas é pouco provável que o Ministro interino o faça, até porque foi para isso que Trump o escolheu. Se tentarem legalmente impedi-lo, o processo demorará pelo menos até Janeiro, quando tomarão conta das comissões e deixará de ser preciso.
O mais provável, antevejo, é que Whitaker faça o que disse que podia fazer: deixar Mueller sem verba para investigar. Ao mesmo tempo, tendo acesso a todo o processo, poderá impedir algumas inquirições ou, pelo menos, passará aos advogados de Trump informações preciosas sobre o andamento da investigação. Quanto a isso, os democratas já não podem fazer nada.
Mas também é provável que Mueller se tenha precavido. Pode ter indiciações prontas para seguir para os tribunais, documentação preparada para apresentar ao Congresso ou, em último caso, uma declaração pública. Terá de informar Whitaker sobre tudo o que tem, mas Whitaker não o pode impedir de vir a público.
As cenas dos próximos capítulos prometem!
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