Neste momento festeja-se alegremente nas ruas de Harari a queda um dos mais antigos ditadores de África, Robert Mugabe. Desde a independência, em 1980, que o Zimbabué, ex-Rodésia, era governado por este guerrilheiro que chefiou a guerra pela soberania contra os ingleses. Agora, com 93 anos, é tido no mundo inteiro como um autocrata violento e péssimo administrador, cuja família vivia luxuosamente num país em permanente miséria.
A novela da queda do teimoso velhinho durou cerca de 15 dias, com voltas e contra-voltas palacianas que deixaram os observadores confusos.
Tudo começou quando Mugabe demitiu o seu vice-Presidente e aliado de sempre, Emmerson Mnangagwa, substituindo-o pela sua esposa, Grace Mugabe, de 53 anos, também conhecida como Gucci Grace e outros epítetos menos simpáticos, pela sua mania de fazer compras, proteger os filhos estroinas e influenciar excessivamente o marido.
Mugabe, além de Presidente Executivo, dirigia o partido ZANU (União Nacional Africana), a Associação de Veteranos, a polícia política e vários ministérios, e reprimiu com violência todos os movimentos oposicionistas. Logo em 1980 não hesitou em pedir ajuda à Coreia do Norte, que enviou uma “unidade de elite”, responsável pelo massacre de dezenas de milhares e pela tortura de um número indeterminado em campos de concentração.
O acordo de independência de 1980 estipulava que os brancos, britânicos, continuariam a dirigir a gestão das quintas que conservavam desde o final do século XIX, prescindindo do poder político. Os brancos, 0,6% da população, detinham 70% das terras plantadas. Esta situação desagradava à Associação de Veteranos, antigos guerrilheiros da guerra colonial, e assim em 2000 os colonos foram expropriados e expulsos do país. Os guerrilheiros não mostraram grande propensão para a agricultura e começou desta forma a lenta e inexorável degradação da economia do país.
Houve eleições em 2005 e 2008. Nestas últimas, a Câmara baixa do Parlamento (o sistema é bi-cameral) foi ganha pelo partido da oposição MDC (Movimento para a Mudança Democrática), dirigido por Morgan Tsvanjirai. Mugabe declarou que o seu partido tinha obtido 73% dos votos, mandou prender Tsvanjirai e massacrou milhares de opositores. A partir daí, embora o pais seja oficialmente um regime democrático presidencial, passou a uma ditadura de facto. A pressão internacional obrigou Mugabe a negociar com Tsvanjirai, que chegou a ser temporariamente primeiro-ministro. Mas ao fim de poucos meses teve de fugir para salvar a pele e desde então tem sido o líder de uma oposição simbólica.
Mugabe passou a dirigir a periclitante economia do país, com a ajuda do vice-Presidente Emmerson Mnangagwa, conhecido como “Crocodilo” porque “fica quieto até abocanhar a vítima”. Segundo relatos vários, inclusive da Amnistia Internacional, Mnangagwa ainda é mais violento que Mugabe.
Em 1996 Mugabe, entretanto viúvo, casou com uma das sua secretárias, Grace, 42 anos mais nova, que lhe deu três filhos. Ao princípio, Grace parecia apenas uma fiel esposa, mas a partir de 2014 as suas ambições políticas tornaram-se notórias — juntamente com a mania de viajar para a Europa para fazer compras de luxo. Conseguiu que o marido a nomeasse presidente da Liga das Mulheres do ZANU e que afastasse a vice-Presidente Joice Mujuru, uma antiga guerrilheira com grande prestígio nas forças armadas, dominadas pela Associação de Veteranos.
Em pouco tempo estavam formados dois grupos interessados em suceder ao envelhecido Mugabe; um conhecido como G40, favorável a Grace, incorporando a facção mais jovem do partido, que não tinha participado na guerra da independência, e a facção dos ex-guerrilheiros, liderada por Emmerson Mnangagwa.
Foi esta luta que acabou por determinar os acontecimentos do último mês. Grace levou o marido a demitir Mnangagwa, preparando-se para ser ela nomeada vice-Presidente. Os veteranos, que a desprezam e odeiam, acharam que já era altura de Mugabe, velho e dominado pela mulher, abandonar ordeiramente o poder — isto é, abandonar o cargo de Presidente sem qualquer alteração eleitoral, mantendo-se o quadro constitucional intacto.
Mnangagwa, que entretanto tinha fugido do país, orquestrou uma espécie de golpe militar, com o apoio da Associação de Veteranos. Apesar dos seus excessos e manias, Mugabe continua a gozar de um prestígio quase religioso, pela que a ideia era deixá-lo sair com dignidade, mantendo a ordem nas ruas e a estrutura política.
Mas Grace não estava disposta a abandonar assim tão facilmente o seu projecto de poder. Os militares não conseguiram que Mugabe se demitisse. Aos poucos, todas as estruturas que o apoiavam, tanto o ZANU como a Associação de Veteranos, aderiram à solução da “saída digna”. Grace, sentido a vida em perigo, fugiu para a Namíbia, enquanto Mnangagwa voltava.
O General Sibusiso Moyo disse em directo na televisão que Robert Mugabe e a sua família tinham sido retidos na sua residência mas que se encontravam bem. Moio teve o cuidado de explicar que não se tratava de um “golpe de Estado militar”, mas sim uma “transição de poder sem sangue”.
Como Mugabe insistia em não se demitir, anunciando que iria presidir paulatinamente ao próximo congresso do ZANU, anunciado para dezembro, o Supremo Tribunal decidiu iniciar um processo de impeachment. Na sexta-feira o Parlamento aprovou a medida. Esta segunda-feira, data do ultimato para que Mugabe se demitisse, começou o longo processo, que na melhor das hipóteses se arrastaria por várias semanas. Mas não foi preciso, ontem, finalmente, Robert Mugabe reconheceu a derrota e resignou.
O que acontecerá a seguir? O ZANU continua no poder. Mnangagwa será o Presidente interino, pelo menos até ao congresso de partido, onde muito provavelmente será entronizado. Sai Mugabe, entra o Crocodilo.
Um dia haverá eleições, com Morgan Tsvanjirai na oposição, mas tudo indica que Mnangagwa não mudará os conhecidos métodos eleitorais.
Reformas económicas são urgentes uma vez que o Zimbabué, um país agricolamente rico, importa alimentos e passa fome. Mas não é provável que os antigos combatentes cedam as quintas que expropriaram aos colonos.
Resumindo, alguma coisa mudará com a saída de Mugabe, mas para o povo continua tudo mais ou menos na mesma.
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