Ir ao teatro a Londres é uma experiência que todos os apreciadores do espetáculo devem fazer, pelo menos uma vez, ao visitar a cidade. Existem ao todo 39 teatros no West End, a zona dos teatros da capital britânica, e ‘Operation Mincemeat’ está no Fortune Theatre, um dos mais pequenos de todos.
Este é, sem dúvida, o espetáculo sensação desta temporada, com um número recorde de 64 classificações de cinco estrelas, marca nunca antes alcançada por qualquer espetáculo em cena no West End. Foi ainda recentemente agraciado com seis nomeações e duas vitórias na gala do passado domingo, dia 14, dos Olivier Awards, os prémios máximos do teatro britânico, incluindo a distinção de "Best New Musical" (Melhor Novo Musical", em tradução livre).
Do elenco fazem parte os atores: Natasha Hodgson, David Cumming, Zoe Roberts, todos co-criadores do musical, bem como Jak Malone e Claire-Marie Hall.
A história está imensamente documentada em livros e filmes de Hollywood, baseando-se na narrativa de como o Reino Unido precisava de enganar Hitler para que retirasse as suas tropas da Sicília, em Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Para atingir este objetivo, os serviços secretos acabam por desenhar um arriscado plano, que se baseia em colocar um cadáver na costa espanhola com documentos falsos que mostram os detalhes de uma falsa invasão à Sardenha.
Este plano, que acaba por ser um impulsionador da vitória das tropas britânicas na Segunda Guerra Mundial, é desenhado por uma equipa que é aqui satirizada. Entre estes “heróis” de guerra estão alguns militares falhados educados em Eton, a escola dos aristocratas britânicos, e as figuras mais improváveis de desenharem com sucesso o plano que daria a reviravolta de guerra.
Em palco estão apenas cinco pessoas, mas a troca de personagens é constante, bem como as contínuas alterações de tom entre o humor e os sentimentos mais sérios. Já a música, essa é inesquecível, e é provavelmente impossível deixar de a cantar durante os meses ou anos seguintes.
Esta é uma peça cuja ação decorre a alta velocidade, sempre com uma nova piada a cada momento e com pormenores que escapam nas primeiras visualizações, que só funciona devido ao seu texto forte, coerente e fruto de um processo criativo pouco usual. O texto, a letra e a música foram criados pelas mesmas pessoas, conjuntamente, num trabalho em equipa de destacar, e que viria a dar vida a várias personagens. Desta forma, é possível assistir oito vezes por semana à dedicação e paixão que os atores imprimem a um trabalho que viram nascer e crescer, tendo já vendido mais de 180 mil bilhetes em Londres.
Vi este musical pela primeira vez enquanto estava nas sessões de ante-estreia, em abril do ano passado. Acabaria a estrear em maio e eu voltei a Londres para o ver em julho. Entretanto, após rumores de que estariam a ser realizados castings para a substituição do elenco nos próximos meses, voltei para o ver novamente em fevereiro de 2024. Enquanto lá estiver voltarei certamente a espreitá-lo mais vezes, porque é impossível parar de o ver.
Sem desvendar muito o conteúdo, é um musical muito britânico, cheio do humor próprio do país. É de destacar a personagem de Ewen Montagu, interpretada por Natasha Hodgson, que segue o mote: “Some were born to follow, we were born to lead” (“Uns nasceram para seguir, nós nascemos para liderar”, em tradução livre), numa mistura entre a procura pelo protagonismo e a troça com um machismo prevalente nesta altura.
Este machismo é subestimado pela personagem de Claire-Marie Hall, Jean Leslie, que tenta provar que o lugar das mulheres não é a servir homens, mesmo em cenários de guerra, e aprende a ter protagonismo mesmo fora do papel principal, com a ajuda de Jak Malone na personagem de Hester Leggatt, esta talvez a personagem mais emotiva de todas.
É a Hester que cabe o momento mais emotivo da peça, quando toca a música ‘Dear Bill’. De todas as vezes que assisti, existiam pessoas a chorar no final desta parte. A música fala de uma carta de amor numa balada escrita a alguém que está a lutar na guerra. “Why did we meet in the middle of a war? What a silly thing for anyone to do” (Por que é que nos conhecemos no meio de uma guerra? Que coisa tão estúpida para qualquer um fazer”, em tradução livre), canta-se.
Já David Cumming empresta uma personalidade inesquecível à personagem de Charles Cholmondeley, o cérebro de toda esta operação, que entre toques de humor e a sua timidez vai mostrando a seu verdadeiro valor no enredo e dentro deste grupo.
Por fim, Zoe Roberts interpreta o coronel John Bevan durante a maior parte do tempo, um velho etoniano que comanda a operação militar.
Das personagens fazem ainda parte médicos legistas, espiões em Espanha, marinheiros escoceses, um militar americano, nazis, o famoso escritor Ian Fleming, que sempre permite algumas piadas sobre James Bond, e tudo o que se possa imaginar, mas sobretudo o que não se pode.
Sei que é difícil ir a Londres ver um musical e mesmo este não sendo dos mais caros, continua a ser um investimento bastante razoável em cultura. Para quem tiver um orçamento mais apertado, a produção disponibiliza bilhetes a 25 libras, mediante a inscrição na lotaria do musical. Se for necessário escolher um, este é o que escolho sempre, pelo menos desde abril do ano passado.
Para quem não conseguir ir ver, pode ir namorando a playlist no Spotify ou Youtube e imaginar-se em West End, até um dia também se sentarem no Fortune Theatre. São 17 canções e 1 hora e 5 minutos de puro prazer.
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