Ricardo Robles não tinha outra hipótese senão demitir-se. Esta fatalidade não se deve ao facto de este ser um político de esquerda que faz lucro num ativo em conjunto com a irmã (já agora, devem ser irmãos que se dão bem, já que a maior parte dos que conheço nem uma casa da Playmobil se arranjavam para dividir, quanto mais um prédio em Alfama), mas por ser um vereador eleito primordialmente para combater o processo de gentrificação que ele próprio ameaçava agravar. Ou seja, Robles não teve de se demitir porque é ou em breve se tornaria num homem de posses, mas porque tem interesses antagónicos à única bandeira que desfraldou na campanha para as autárquicas.
Posto isto, esta polémica não deteriora tanto o problema da habitação como rejuvenesce o moral de partidos moralmente moribundos. A direita e o PCP rejubilam, como se tivessem encontrado um defeito num aluno nerd até agora imaculado, quando na verdade protegem rufiões bem mais insolentes.
Esquecendo os comunistas (que talvez tenham a oportunidade de aproveitar o castigo que alguns eleitores de esquerda vão aplicar ao Bloco), a verdade é que a direita não podia estar mais contente por denunciar um político de esquerda que não tem nojo ao lucro. A mais-valia é um exclusivo dos neoliberais, como se sabe.
Num mundo ideal, alguém que tenda para a esquerda tem de ser um ermitão que recorre à troca direta de bens porque impõe ao seu patrão que o remunere em espécie. No imaginário da direita, toda a gente que vota à esquerda, faz implicitamente um voto de pobreza até ao próximo ato eleitoral. Por outro lado, a não ser que boicotes grande parte do estilo de vida atual, como entrar num Uber, recorrer ao Airbnb ou visitar uma cidade gentrificada, és automaticamente um apoiante do neoliberalismo desenfreado.
Ser a favor de rendas acessíveis implica oferecer a nossa propriedade ao Estado. Ser contra a gentrificação implica deixar de fazer compras na Baixa. Ser a favor da privacidade implica apagar todas as redes e queimar o telemóvel. Ser a favor de uma maior distribuição de riqueza implica ter zero euros na conta. Esta é a esquerda que a direita permite que exista.
Por mim, não há problema em ser de esquerda e gostar de caviar. A não ser que sejamos o Presidente da Associação de Proteção ao Esturjão - nesse caso fica um bocado awkward se se tornar público que adoramos degustar suas ovas.
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