Aquele clique que me fez sentir que tinha mesmo de acontecer deu-se no dia em que eu e o meu namorado decidimos que iríamos ser uma família. Nasceu um projeto para as nossas vidas que incluía ter filhos. Creio que foi também por as coisas terem acontecido desta forma que nunca senti aquela «coisa» (não sei bem como chamar-lhe) da maternidade como o meu destino natural enquanto mulher. Abracei, sim, um projeto de parentalidade para ser executado em equipa: os dois, numa primeira fase; nós e os filhos que chegassem, nas fases seguintes. Também por isso a maior parte das frases neste texto tem como sujeito a primeira pessoa do plural em vez do singular.
Aquilo que nunca discutimos nem planeamos, e em que pelo menos eu nunca pensei, foi o que é que os filhos viriam a ser para nós.
Neste projeto que fomos construindo em equipa, com todos os altos e baixos e sobressaltos e afins, passamos alguns anos a imaginar cenários e a tomar decisões. Como agiríamos perante determinada situação, o que gostaríamos de proporcionar à descendência, onde gostaríamos de os levar, o que quereríamos ensinar-lhes. Observávamos outras famílias, conversávamos imensas vezes sobre os comportamentos que admirávamos e sobre aqueles que abominávamos. Parecia que sempre tínhamos sabido como fazer, o que transmitir, como cuidar, como mimar, como educar. Sabíamos exatamente o que queríamos ser para os nossos filhos. Aquilo que nunca discutimos nem planeamos, e em que pelo menos eu nunca pensei, foi o que é que os filhos viriam a ser para nós.
A verdade é que eu nunca os idealizei, nem mesmo quando me imaginava com eles, em conversas, a brincar ou a fazer os trabalhos da escola. Nunca gastei um segundo a pensar se iria ter crianças doces ou enérgicas, brutas ou sensíveis, se iriam ser o próximo Cristiano Ronaldo ou a próxima Amália, se iriam ser do Benfica como a mãe ou do Sporting como o pai, se iriam aprender a ler aos 3 anos, a falar mandarim aos 6 ou a sequenciar um genoma aos 10. Nunca projetei neles os meus sonhos não cumpridos nem os meus projetos inacabados. Nem antes nem depois de eles nascerem.
Vi em cada um deles, desde o primeiro dia, uma pessoa a quem eu e o pai tínhamos a obrigação de proteger, em primeiro lugar. Mas a quem também teríamos de mostrar que só vale a pena estarmos neste mundo se estivermos de bem com ele e se tratarmos todas as outras pessoas como gostamos de ser tratados, e se dermos às nossas obrigações o mesmo valor que damos aos nossos direitos. E que não precisam de ser perfeitos porque ninguém o é (nem mesmo o pai e a mãe em quem eles confiam cegamente). Que não sabemos tudo. Que temos imensas dúvidas. Que nos enganamos muitas vezes. Que pedimos desculpa e procuramos fazer melhor da próxima vez. Que também fazemos maluquices, e de propósito. E que dizemos «não» muitas vezes e eles também podem dizer «não» quando sentirem que o devem fazer. Que podem discordar do que dizemos. Que podem discutir uma ordem (ainda que às vezes a conversa termine com um «vais fazer porque eu disse porque eu é que sou a mãe»… já tinha dito que não somos perfeitos?). E que nem sempre as coisas correm bem. E que às vezes correm mesmo muito mal. E que cá estaremos sempre para lhes lamber as feridas e os preparar para a prova seguinte.
Nunca pretendemos fazer deles os nossos «mini me». São parecidos connosco, é certo, mas não são nós em tamanho pequeno. E eu quero muito que os meus filhos – que são, evidentemente, os melhores do mundo – nunca se sintam na obrigação de serem tudo o que os pais queriam ter sido, nem de serem tudo nas nossas vidas.
Os meus filhos não são nem serão qualquer tipo de versão melhorada de mim. Não foi para isso que os tive. Mas na verdade acredito e sinto que melhoro um bocadinho todos os dias desde o dia em que esta família me fez mãe.
Patrícia Freixo tem 42 anos, é profissional de Responsabilidade Social Corporativa, e mãe do Tiago (9 anos, futuro professor) e do Vicente (6 anos, futura estrela de rock)
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