Os japoneses criaram um novo tipo de super-herói: o gestor. Não é um gestor qualquer, mas um gestor que denuncia a corrupção dos patrões, práticas injustas ou que ultrapassa obstáculos que pareciam invencíveis. Estes novos heróis começaram por ser um sucesso nacional em livros de edição popular e chegaram agora à TV. Muitos dos autores das histórias são ex-jornalistas que passaram da informação à ficção. Uma das séries de maior sucesso tem por protagonista Hanzawa Naoki, um gestor de fundos num banco de Tóquio, que denuncia as práticas de corrupção dos seus patrões. O autor do enredo, Jun Ikeido, trabalhou ele próprio num banco e conta que nas sessões de autógrafos dos seus livros lhe chegam sempre pessoas com a mesma proposta: “ligue-me que tenho histórias para lhe contar”.

Makoto Sataka foi dos primeiros a escrever sobre este género emergente, há largos anos, na década de 80. O seu interesse por este tipo de romance/novela aconteceu quando era jornalista principiante e se deu conta da dificuldade, sobretudo na área da economia, em se conseguirem boas histórias – ou melhor, em se publicarem boas histórias. "Descobri que escrever sobre empresas no Japão era um tabu. Não se pode escrever a verdade nos jornais”.

O que se passa no Japão não é assim tão diferente do que se passa na Europa, nos Estados Unidos. Portugal não é excepção. Existem as regras que voluntariamente – e bem – nos impomos. Umas como garante do Estado de Direito, no que respeita à acção da justiça; outras como obrigação deontológica de quem é jornalista, no que respeita à confirmação de informações e direito ao contraditório.

E depois existem as regras não escritas. Uma espécie de bolha que envolve um conjunto de temas e que os torna tão opacos que dificilmente conseguirão ser compreendidos naquilo que se designa a verdade dos factos. E existe também a submissão voluntária de muitos às verdades patrocinadas, entendendo essa fidelidade a pessoas, partidos, empresas ou causas como garante da sua própria sobrevivência ou progressão social.

Bancos vão à falência, politicos são investigados por actos suspeitos de corrupção, empresas despedem sem apelo nem agravo – aos jornais chegam, na maior parte dos casos, notícias que são muitas vezes apenas uma nota de ocorrência. Os bancos são sempre matéria sensível, a corrupção é o crime mais difícil de provar em todo o planeta e os despedimentos são vistos como uma praga a que não se pode fugir, nem combater.

Com tudo isto a acontecer à nossa volta, o que poderia ter mais sucesso do que um super-herói empresarial? Já vimos, em vários momentos, como nos apaixonam alguns Robin dos Bosques. O recente caso do desaparecimento (lá está, não vou escrever roubo ….) das réplicas do Museu Nacional de Arte Antiga levadas de Lisboa para a margem sul foi um bom exemplo disso. Agora imaginem esses heróis a combaterem corrupção, injustiça e deslealdade nos ambientes bem conhecidos do mundo do trabalho.

Não importa que seja na ficção – também já ficou provado que é mais provável que a opinião pública aceite com mais facilidade a homossexualidade através das novelas do que dos debates politicos sobre a igualdade de direitos.

Marika Nagai, da Temple University, diz que para se perceber o sucesso dos super-heróis de fato e gravata tem de se perceber os japoneses e as suas ansiedades. "Trata-se de saber como podemos continuar humanos num sistema cada vez menos humano. (…) como podemos continuar humanos, apesar de tudo?”. Eu diria que vale cada vez mais para todos.

Tenham um bom fim-de-semana

OUTRAS LEITURAS QUASE DE NATAL

A televisão está a mudar. Oh não, a televisão já mudou! Para todos os que sempre protelam discussões sobre a mudança – foi assim com os jornais e internet, está a ser assim com a televisão – este artigo do New York Times é uma excelente prenda de Natal. Não é apenas na forma como se vê, é na forma como se produz e como se distribui.

Em Portugal nem damos por isso, mas no Brasil ficar sem WhatsApp é um caso sério. E aconteceu durante 48 horas devido a uma imposição judicial. Há relatos, como o de um empresário, que diz que “acordar sem WhatsApp no Brasil é como ser atingido por uma epidemia”. Já está de volta, já pode haver Natal em paz e … ligado.

Feliz Natal, José Mourinho. Não é todos os dias e de certeza que não é para todos. O Chelsea paga pela segunda vez uma indemnização milionária para despedir o mesmo treinador, José Mourinho. Com os valores envolvidos, e egos desportivos à margem, isto também é Natal.