A notícia estava na última edição do semanário "Expresso". Zeinal Bava confirma que a ES Enterprises, "off shore" do Grupo Espírito Santo que funcionava como "saco azul" do grupo através da qual se faziam pagamentos que estão a ser investigados pelas autoridades, lhe transferiu 18,5 milhões de euros.
Essa transferência ocorreu em 2012 e o gestor justifica-a com detalhe: que era para que um grupo de altos quadros da PT comprassem acções da empresa, que o plano não foi em frente porque entretanto o próprio Bava saiu para assumir funções na brasileira Oi, que depois não foi fácil devolver o dinheiro ao verdadeiro dono porque entretanto o grupo Espírito Santo colapsou, que a devolução foi feita já este ano com juros e tudo.
Podemos sempre perguntar porque é que, no ano que separou a sua ida para o Brasil da derrocada do GES, não saldou essas contas. Afinal, sempre eram 18,5 milhões de euros que estavam numa conta sua e que não lhe pertenciam. Mesmo para Zeinal Bava, isto não serão trocos e como gestor experimentado e especialista em finanças sabe que um crédito não é a mesma coisa que ter dinheiro em caixa.
Mas mais do que esmiuçar pormenores das explicações dadas por Bava - as autoridades o farão se acharem relevante, por exemplo para saber se a privatização de que os quadros estavam à espera para comprar acções da PT não tinha já ocorrido em 2011 quando acabou a "golden share" do Estado - o que se assinala é o regresso da sua memória.
Quatro anos depois, o gestor explica publicamente em detalhe quem, quando, como e porquê 18,5 milhões de euros entraram e sairam da sua conta para um propósito empresarial relacionado com a gestão da PT.
Mas no ano passado, na Comissão Parlamentar de Inquérito à queda do BES/GES, Zeinal Bava não conseguiu recordar nada, mas mesmo nada, de factos que tinham ocorrido apenas 10 meses antes: quem, quando, como e porquê sairam 900 milhões de euros das contas da PT para investir em papel comercial da Rio Forte, empresa integrada no grupo accionista Espírito Santo.
A selectividade da memória tem destas coisas, como sabemos. Zeinal Bava quer estar longe desses dinheiros. No caso dos ruinosos 900 milhões emprestados pela empresa a um accionista falido, estar longe é demonstrar toda a ignorância possível sobre o processo de decisão.
Mas no caso dos 18,5 milhões não pode dizer que não sabia, porque eles estavam há quatro anos no seu bolso. Aqui, há que usar de toda a lucidez e memória para justificar de forma convincente a transferência. E sabemos que quantos mais detalhes, mais verosímil se pode tornar uma história.
Está muita coisa em jogo para muitos dos protagonistas do caso BES/GES/PT. Há investigações em curso, processos a correr em tribunal, responsabilidades para apurar, civis ou criminais. E todos estão devidamente alertados para o facto de tudo o que disserem poder ser utilizado contra ou a favor de cada um no decurso dos trabalhos da justiça.
Mais importante do que os lapsos e regressos individuais da memória, são as lições colectivas que podem e devem tirar-se deste caso exemplar. O colapso do GES e o impacto demolidor que teve na PT ocorreram há muito pouco tempo mas parece que já foram há uma eternidade. Não porque alguma coisa de relevante tenha mudado entretanto na prática regulatória, na governação das empresas ou na transparência dos negócios, mas porque vamos assimilando e desvalorizando. Os escândalos sem nome de há dois anos são hoje apenas pequenos sobressaltos na estrada.
Dá ideia que coisas destas podem voltar a acontecer ao virar da esquina, como se vai vendo com o que se passa no sector bancário.
Gestores e accionistas defendem-se com perdas selectivas de memória. Colectivamente, a nossa defesa é nunca a perder.
Outras leituras
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