Gosto de ler; os livros ajudam-me a pensar; todos precisamos de histórias; os livros enriquecem-nos e expandem pensamento e vocabulário; obrigam-nos a repensar certas convicções ou a preencher lacunas. Esta última hipótese talvez seja a que esmaga, com maior facilidade, aquelas criaturas que consideram uma coisa “do antigamente” ter uma biblioteca ou sentir a necessidade absoluta de ler poesia. 

Tirei os meus livros dos caixotes para ver se os arrumava de vez e, confesso, a tarefa revelou-se demasiado árdua. Arrumei a poesia. Tenho várias estantes de poesia. Mas gostas de ler poesia para quê? É sempre tão triste, não é? Bom, a poesia faz-me bastante feliz, também me comove, mas nunca a pensei com tristeza. Os poetas são fazedores de tesouros; os escritores, os ficcionistas, são arqueólogos e futuristas; os ensaístas criam possibilidades; os biógrafos desconstroem vidas e acontecimentos; os autores de banda de desenhada têm o condão de nos transportar; os autores de ficção científica estimulam a imaginação... E poderia continuar com a lista de clichés, mais ou menos variada, até ao infinito, porque dizer umas coisas sobre livros é relativamente fácil. Difícil é arrumar milhares de livros, mas isso é outra conversa. 

Tenho por hábito ler antes de adormecer, faço-o há tanto tempo que não me recordo de a minha mesa-de-cabeceira ser um deserto ou um espaço imaculado. De momento tenho uma pilha que inclui um romance que foi finalista do Booker Prize 2021 – O Grande Círculo, de Maggie Shipstead (edições Porto Editora) –; um livro intitulado Tosse, de Mami Pereira (é uma edição da autora e foi-me descrito como um livro sobre música e a tosse, parece-me uma relação estimável e, por isso, potencialmente interessante); tenho ainda um volume da autoria de Bernardine Evaristo, Mr. Loverman (edições Elsinore), e a biografia de George Lucas, por Brian Jay Jones (edições Desassossego). Em paralelo, por ler, a minha mesa-de-cabeceira aguenta ainda com a Luz Coada Por Ferros, da genial Ana Plácido (edições Sibila) e as Obras Completas de M. Teixeira Gomes (edições Imprensa Nacional). Para não variar muito tenho ainda, de Henry James, A Fera na Selva (edições Quidnov) que, para mim, é como a Bíblia para outras pessoas. 

Quando me perguntam por que carga de água preciso tanto de livros, admito que já estou treinada para responder sem dar muita importância, porque se perguntam é por não saberem o poder dos livros, a paixão que uma história pode trazer-nos uma vida inteira, obrigando-nos a ler e a reler e a ler e a reler. Faço por incentivar a leitura, mas já não sou intensa e aborrecida. Se não querem ler, não será por minha causa que irão mudar de ideias. Ursula K. Le Guinn, uma das minhas escritoras do coração, disse: “Nem todas as civilizações usam a roda, mas todas contam histórias”. Era uma vez… é sinónimo de humanidade? Para mim, certamente. A mesma autora também nos diz que, na dúvida, é “acrescentar dois dragões”. Se não a leram, na trilogia Terramar, por exemplo, nunca perceberão de onde nasceu Harry Potter. Pode ser incompreensível para muitos, mas isto de andar dentro dos livros faz muita diferença. O problema é arrumá-los.