Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.
Encontramo-nos num momento decisivo para a nossa democracia, para o projeto europeu e para a política internacional. A Covid-19 veio apresentar novos desafios, mas também exacerbar tendências já em curso que necessitam uma cidadania ativa e atenta, bem como novas oportunidades.
Ao nível internacional, tornou-se claro que líderes políticos fazem de momentos de crises como uma pandemia global, uma oportunidade para reforçar e consolidar o poder. O Primeiro-Ministro húngaro aproveitou-se da sua maioria parlamentar para declarar um estado de emergência indefinido que lhe atribui poderes para governar por decreto e deter jornalistas que disseminam informação que considera “falsa”. Em Wisconsin, nos EUA, o Supremo Tribunal decidiu não estender o prazo de submissão do voto antecipado sem uma alternativa segura para votar. Inúmeras notícias sobre burlas e a disseminação de “fake news” acerca de curas alternativas ao vírus e as suas ramificações têm dominado redes sociais e levado a atos de irresponsabilidade, mas também a atitudes de xenofobia e racismo contra minorias.
No plano europeu, são claras as várias falhas da nossa resposta coordenada ao vírus – desde a saúde a problemas estruturais na zona euro – que não está a ser consensual.
Já em Portugal, apesar dos nossos sucessos no combate ao vírus, o seu impacto tornou evidente quais os nossos problemas estruturais – primordialmente no que toca a desigualdades socioeconómicas, como é o exemplo da desigualdade de acesso a equipamentos eletrónicos entre estudantes.
Este contexto é definido pela necessidade de soluções a problemas que antecedem e transcendem a pandemia global pela que estamos a passar. E, se é verdade que crises como esta colocam imensos desafios a democracias ocidentais, é igualmente verdade que nos dão a oportunidade de repensar os nossos sistemas, por forma a serem mais igualitários, democráticos e participativos.
No entanto, os números de abstenção em Portugal são ilustrativos da falta de participação política ativa no país. A literatura diz-nos, também, que o número de pessoas filiadas a uma associação local e não-governamental está em declínio. O ativismo tomou o seu lugar: a participação em manifestações, o assinar de petições, o partilhar de imagens e posts nas redes sociais.
Ainda que esta não seja uma comparação estritamente paralela, o problema passa para quando esses canais de representação, como é o caso de manifestações em larga escala, deixam de existir da mesma forma. Organizar multidões em volta de um assunto, conseguir cobertura mediática, ter contacto direto com representantes políticos – todos estes mecanismos estão a ser reavaliados devido à Covid-19, mas que já estão em transformação desde o advento das redes sociais.
As tecnologias criaram a possibilidade de democratizar o acesso à informação e aproximar pessoas de ideias similares – mas vieram também aumentar o potencial para a disseminação de notícias falsas, para vigilância governamental, ou a propagação de populismos baseados em ideologias xenófobas e racistas. Este contexto torna ainda mais premente a necessidade de uma cidadania ativa e participativa no que toca à deliberação destes assuntos. Seria, portanto, irresponsável que a participação política via redes sociais passasse a ter um papel exclusivo na nossa sociedade.
Parte da solução passa por criar comissões especializadas nestes assuntos, composta por organizações da sociedade civil, e líderes do setor público e privado, tanto ao nível nacional como europeu. Mas, acima disto é necessário a criação de mecanismos participativos para a população no geral. Para tal, é necessário assegurar igual acesso a informação independente e baseada em factos.
Outra parte da solução passa pelo investimento nessa mesma sociedade civil – no investimento em organizações não-governamentais envolvidas em fomentar esta cidadania ativa em nome do interesse público ou até na implementação de maiores incentivos e investimentos em fóruns de deliberação públicos, principalmente a nível local e europeu.
Grande parte destes mecanismos já existe, mas não estão a ser potencializados e a reforma necessária não pode ser feita simplesmente a nível governamental. Viver em democracia não significa que a batalha está ganha, muito pelo contrário. Democracia é sinónimo de liberdade de expressão e de escolha – mas é necessário exprimirmo-nos e escolher por forma a sermos representados.
*Marta de Sousa Ramos escreve segundo o novo acordo ortográfico
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