De uma maneira que ninguém escolheria, a pandemia de COVID-19 relembrou-nos a importância primordial da segurança sanitária mundial e do papel dos profissionais e prestadores de cuidados de saúde. Ao mesmo tempo, a pandemia também veio tirar o véu sobre as desigualdades profundas já conhecidas para muitos, mas ignoradas por tantos outros - incluindo desigualdades de género - que comprometem o desempenho dos sistemas de saúde e a segurança sanitária mundial. A saúde e o bem-estar de milhões de pessoas vão ser afectados a longo prazo e as repercussões económicas e sociais são graves para as sociedades e indivíduos, aprofundando as desigualdades existentes entre países e dentro deles.
Em Novembro de 2017, a Organização Mundial de Saúde (OMS), no âmbito da Rede Mundial de Profissionais de Saúde, estabeleceu o Centro de Igualdade de Género (GEH, de acordo com a sigla em inglês). O GEH é co-presidido pela OMS e pela Women in Global Health (Mulheres na Saúde Global), e reúne várias partes interessadas em melhorar a orientação e a capacidade de implementar políticas transformadoras de igualdade de género, para ultrapassar os preconceitos e as desigualdades na classe profissional do sector da saúde.
“A pandemia COVID-19 exacerbou ainda mais a discriminação contra as mulheres. A maioria dos trabalhadores essenciais da linha de frente são mulheres - muitas de grupos racial e etnicamente marginalizados e na base da escada económica” - Antonio Guterres, UN SG, 2021
Em 2019, o GEH publicou “Prestada por mulheres, liderada por homens: uma análise de género e igualdade na saúde global e na classe profissional dos prestadores de cuidados de saúde”, um relatório baseado na revisão de mais de 170 estudos sobre género e igualdade na classe profissional da saúde a nível mundial. Os resultados evidenciaram questões de igualdade e género em quatro áreas distintas: a igualdade de género em posições de liderança, a segregação ocupacional, o trabalho decente sem preconceito, discriminação e assédio, incluindo assédio sexual, e a disparidade salarial entre os géneros.
Algumas das conclusões do estudo foram:
- Em geral, as mulheres são a força de trabalho da saúde global mas os homens gerem-na. Os sistemas de saúde só vão ser mais mais fortes quando as mulheres tiverem o mesmo poder de decisão no desenvolvimento de planos, políticas e sistemas nacionais de saúde.
- Os preconceitos de género, discriminação e desigualdades no local de trabalho são sistémicos, e as desigualdades de género estão a crescer. No entanto, muitos países ainda carecem de legislação adequada em temas que impactam a igualdade de género e a dignidade no trabalho, como a discriminação sexual, o assédio sexual, a igualdade salarial e a protecção social.
- As mulheres que trabalham na área da saúde são mal pagas ou, muitas vezes, não são pagas de todo.
Estima-se que as mulheres no sector da saúde contribuam com 5% do produto interno bruto (PIB) mundial (3 biliões de dólares), dos quais quase 50% não são reconhecidos ou são mal pagos. - As mulheres que trabalham na saúde também tendem a ganhar menos que os homens, inclusivamente quando desempenham trabalhos de igual valor.
- A violência no local de trabalho e o assédio sexual nos sectores da saúde e social são generalizados e, muitas vezes, estão escondidos por não serem reportados.
- A violência e o assédio prejudicam as mulheres, limitam a sua capacidade para desempenhar o seu trabalho e causam desgaste, e problemas de saúde.
Uma das coisas que tenho tentado fazer, mais ou menos conscientemente, é estar onde posso acrescentar mais valor - apesar de essa posição não ser algo muito claro, como seria de imaginar. Tenho feito o meu caminho pela igualdade de género e direitos humanos, não só ‘no terreno' e na linha de frente, mas também através da comunicação, da responsabilização do poder e do privilégio, e da mobilização.
Por isso, recentemente, juntei-me à Women in Global Health, onde irei ser a ponte entre as políticas definidas globalmente, colaborando com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ONU Mulheres, e vários governos, e irei promover a mobilização para o movimento local em mais de 25 países (desde Chile, a região da África Oriental e África Ocidental em desenvolvimento, Paquistão, Somália, China, Índia, Malawi, Nigéria, Zâmbia, Irlanda, entre outros).
A diversidade é poderosa e, neste momento, é preciso tudo ao mesmo tempo.
São precisas políticas inclusivas e que reconheçam as diferentes dinâmicas de poder, e é precisa comunicação, educação e mobilização da sociedade civil.
Há quem diga que o movimento feminista tem de “abrandar”. São dados como estes que fazem com que não sejamos nós que temos de abrandar, mas sim o mundo a ter de acelerar.
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