António Costa é um homem de bastidores, de águas profundas, e, para quem tivesse dúvidas, terão sido dissipadas. Percebeu, cedo, que não seria possível juntar à mesma mesa, e ao mesmo acordo, os três partidos, e por isso jogou em vários tabuleiros, com uma vantagem: quem não cedesse, seria responsável pela manutenção da coligação de Direita no poder. Foi assim mais uma forma de pressionar uma coligação negativa que está em formação.
Se uma coligação de Esquerda começava mal, fragilizada, porque o PS perdeu as eleições para a coligação PAF, a confirmação de que o governo será minoritário, e dependerá de dois partidos com quem tem tantas e tão profundas diferenças, só pode significar que o próximo governo tem tudo para correr mal. Costa dependerá, a cada momento, da boa vontade, da tática e da estratégia de dois partidos que, até ao dia 3 de Outubro, diziam que o PS era igual ao PSD e PP. Não são iguais, mas partilham os mesmos valores. Diferentes dos que defendem os dois partidos de Esquerda.
Os problemas não acabam aqui. À dimensão política, aquela que deveria ser o cimento de uma coligação, juntam-se duas outras, igualmente importantes. Em primeiro lugar, a nova troika política que vai assumir funções depois de chumbar o Governo diz-nos que tudo é possível, e mesmo assim, cumpre as metas orçamentais e os objetivos macroeconómicos. Em segundo lugar, propõem-nos um modelo que não muda nada de estrutural, acentua o perfil de economia assente no consumo, assusta o investimento e condena o país a prazo.
Vamos por partes: qualquer português de bom-senso defende medidas que permitam a melhoria do nível de vida dos portugueses, o aumento dos salários, das pensões, como é evidente. E uma aplicação da austeridade justa, equitativa e que ao mesmo tempo permita olhar para a frente. Sobretudo depois de anos de um cinto apertado à medida das nossas possibilidades. Não é a Esquerda que tem esse património. Os caminhos são diferentes, sim, e este programa dá primeiro para, com isso, tentar mudar a economia depois. Uma profissão de fé que já mostrou ter falhado no passado. Todos erramos, mas seria desejável a aprendizagem com o erro. A realidade não é essa, por muito que quiséssemos.
António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa acordaram devolver a totalidade dos cortes de salários na Função Pública em 2016, extinguir a sobretaxa de IRS em dois anos, repor os abonos de família e as atualizações automáticas das pensões, descongelar as progressões nas carreiras do Estado e cortar a TSU para salários brutos de até 600 euros. E até reduzir o IVA na restauração. Tudo é possível, e coerente com a descida do défice, para 2,8% em 2016, com a queda da despesa pública em percentagem de um PIB com um aumento limitado, com a queda do peso das prestações sociais no total da despesa, e até a receita total também cai em percentagem da riqueza criada no país. António Costa é especialista em quadraturas do círculo, mas esta é impossível. A não ser que falte alguma coisa para dizer. E falta muito.
Estes números são opacos, propositadamente. Vem aí um enorme aumento de impostos, e não é para os ricos, porque esses já perceberam o que aí vem e já estão a fazer as malas, ou as doações em vida, ou a antecipação do pagamento de dividendos. Vem para os mesmos, os trabalhadores por conta de outrem que já hoje pagam uma enorme fatura fiscal. À luz do fisco, um agregado que ganha mais de 80 mil euros brutos por ano é rico. É? Não é. Estas taxas vão aumentar, e preparem-se para o pior. À francesa, um país inspirador para Costa. E o mérito e a competência, a atração dos melhores, fica para outros, os que percebem o que está em causa numa economia global.
Se isto já é arriscado, para não dizer outra coisa, o próprio caminho é um desastre. Até Mário Centeno já se deve ter arrependido do filme em que se meteu. Até a sua medida-chave – o regime conciliatório – caiu, a medida que permitiria contribuir para uma mudança da estrutura económica que deu passos, mas lentos, muito lentos para as necessidades. Não só caiu, como ficou escrito que caiu.
O programa de governo do PS, ao contrário, vai reverter as medidas laborais por exigência do PCP, ou melhor, da CGTP, vai recuperar medidas como as portarias de extensão e vai por fim à caducidade dos contratos coletivos. O salário mínimo vai aumentar 25% em quatro anos, portanto, é bom que as empresas garantam muita atividade até 2019. Mas não só. A reforma do IRC vai ser deitada ao lixo e até no Estado o novo governo promete acabar com a mobilidade de funcionários públicos.
Tudo isto, somado, só poderá ter maus resultados, porque o país precisa de capital, de investimento, só isso terá consequências no emprego, na estrutura da economia, na produtividade. Aí, sim, teríamos condições para adotar este programa do PS, pelo menos uma parte dele. Depois, não antes.
O anterior Governo não fez as reformas que deveria fazer, cumpriu regras, e mostrou que sabe fazê-lo, seguiu uma tabuada, fez as contas e tirou-nos da intervenção externa com a ajuda, sim, do BCE. Ficou muito aquém do que poderia e deveria. Foi uma pena, uma oportunidade perdida. O governo que está hoje em funções, com os mesmos líderes, promete fazer o que o anterior não fez. O programa anunciado de um governo do PS diz-nos de forma clara que vamos mesmo andar para trás. E depois, quando chegar a fatura dos 18 mil milhões de euros de juros que têm de ser amortizados em 2016, digam que a culpa é dos mercados.
*Espero estar errado.
As escolhas
No meio dos bastidores destas negociações políticas, emerge um homem, Arménio Carlos, que impôs a vontade da CGTP ao PCP. Tempos estranhos estes, mas por isso têm de ler a entrevista que o secretário-geral da central sindical dá ao Diário Económico. Qual é a primeira prioridade? Tirar a Direita do poder. Estamos conversados.
Não é só em Portugal que a política domina, como é óbvio. Dentro de um ano, os americanos vão às urnas, para as presidenciais. Ouçam na Monocle em versão rádio o que está em causa e o enquadramento económico e financeiro do país.
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