Um francês pode estar apenas a ler um folheto de supermercado que a mim parecerá sempre que está a dizer coisas interessantíssimas e muito profundas num programa de Bernard Pivot. E um alemão, ainda que esteja de livro de instruções da máquina de lavar na mão, soará sempre a um filósofo discípulo de Hegel ou Heidegger. Talvez, neste caso, esteja a ser condicionado por Caetano Veloso para quem "está provado que só é possível filosofar em alemão". E estas coisas, cantadas em português com sotaque do Brasil marcam muito mais.
Ou então é simplesmente um traço de provincianismo semelhante ao que marca a nossa relação com a tribo dos economistas.
Em Portugal temos, felizmente, economistas para todos os gostos, feitios e utilidades e é fácil encontrar dois que discordem sobre uma qualquer matéria e que defendam as suas posições com competência. É a vantagem das ciências sociais, como a Economia: todos têm a enorme vantagem de estar potencialmente certos até se passar da teoria à prática. Quando se passa.
Mesmo as propostas mais arrojadas dentro do "status quo" e das opções estratégicas que o país tomou encontram competentíssimos defensores, que nos fazem sempre pensar e até vacilar sobre aquilo que temos como certezas económicas - se é que tal coisa existe.
A velha questão da entrada e da permanência de Portugal no euro é um desses temas. João Ferreira do Amaral é a voz mais audível que sempre foi contra a adesão do país à moeda única, numa fase em que o caminho estava só no início. Mas também Miguel Cadilhe, por exemplo, discordou dessa opção política.
Hoje, Ferreira do Amaral mantém que o país teria vantagens em deixar a moeda única. Publicou, inclusive, o livro "Porque devemos sair do euro" há três anos onde explica tim-tim por tim-tim porque é que, no seu entender, deixar o euro é imperioso para que o país saia da crise - ou para que a crise saia do país. E é acompanhado nessa sua teoria por muitos economistas, sobretudo mais à esquerda.
Mas Ferreira do Amaral, como a generalidade dos economistas portugueses, tem dois problemas em nada relacionados com a sua competência, lucidez e seriedade intelectual: não se expressa normalmente em inglês e nunca ganhou um Nobel.
Não fosse assim e as suas ideias seriam certamente muito mais destacadas e debatidas. Prova disso foi o que aconteceu esta semana com a entrevista dada por Joseph Stiglitz à Antena Um. O economista americano defendeu também que a saída do euro é, no seu entender, o caminho a seguir. Ora, isto dito em inglês e ainda por cima "por um Nobel da economia" ganha logo outro peso na agenda.
Este deslumbramento por declarações de economistas estrangeiros - sejam eles de direita ou de esquerda, alemães ou americanos - não faz sentido, sobretudo quando associado a outras duas características: por regra, esses economistas conhecem o país e a nossa economia muito pior do que os seus colegas portugueses e não têm qualquer capacidade de decisão sobre o país. Neste sentido, é muito mais importante para nós - porque pode mexer verdadeiramente nos nossos bolsos - a opinião de um qualquer analista anónimo de uma agência de rating ou de um banco de investimento que transaciona dívida portuguesa do que todos os Nobel da Economia juntos.
Tivesse Ferreira do Amaral falado em inglês há duas décadas e provavelmente o nosso destino teria sido diferente. Melhor? Nunca saberemos porque essa contra-prova nunca poderá ser feita. Que o desenho do euro está inacabado desde o início é consensual. Que, apesar disso, a nossa vida teria sido mais fácil e mais próspera fora da moeda única como ela existe é que levanta muito mais dúvidas. Os modelos económicos podem indicar que sim, que conseguiríamos mais crescimento, mais emprego e mais prosperidade se tivéssemos usado a liberdade da política económica que o facto de ficarmos fora da moeda única nos teria permitido.
A questão é que os modelos económicos não incorporam a vontade e qualidade das lideranças políticas. E o que temos assistido ao longo da nossa relativamente curta vida democrática é que os graus de liberdade da política económica são, por regra, utilizados para a asneira imediata ou a prazo.
Com liberdade cambial e monetária não é descabido imaginar que hoje poderíamos ser uma pequena economia carregada de inflação, com degradação constante do poder de compra e uma competitividade refém da desvalorização cambial. Foi assim durante toda a década de 80 e mesmo no início dos anos 90, quando o país começou a preparar-se para a entrada no euro, não faltaram vozes contra a chamada "política do escudo forte". Uma delas foi até a de Braga de Macedo, então ministro das Finanças, e levou à demissão de um na altura jovem vice-governador do Banco de Portugal, António Borges.
De então para cá, a nossa incapacidade para nos governarmos está à vista, apesar da boleia que apanhámos das taxas de juro muito baixas por empréstimo da credibilidade alemã e dos abundantes pacotes de fundos comunitários. A oposição a políticas de rigor que cumpram o objetivo de ter um orçamento equilibrado são, a esse nível, um sinal que só nos pode deixar muito desconfiados.
Outras leituras
Está em curso mais um dos casos clássicos das "zangas de comadres", desta vez entre Fernando Lima, que durante décadas foi a "sombra" de Cavaco Silva, e o ex-Presidente da República. Tudo para nos recordar que é demasiado cedo para fazer balanços completos da vida política do homem que mais tempo nos liderou nas últimas três décadas.
A Lego é um interessante caso-estudo. Na era da electrónica para os mais novos, a resistência, a reinvenção e o crescimento de um dos mais clássicos brinquedos mostra que há um caminho paralelo aos apelos tecnológicos.
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