Caros leitores,
Venho lembrar um tema que diz muito a mim, e a tantos jovens que na sua infância ou adolescência viveram uma doença oncológica. São muito os desafios para quem sobrevive a um cancro em idade pediátrica ou na juventude.
É relevante referir que, segundo dados nacionais publicados em 2022, pelo Registo Oncológico Nacional, a sobrevivência global a 5 anos, para a maior parte de diagnósticos de cancro pediátrico foi superior a 80%. Mas também é relevante alertar, que até 2/3 de nós sobreviventes, apresentam um efeito tardio relacionado com a sua doença ou com o tratamento.
Falamos de sequelas que podem afetar o funcionamento do organismo (problemas de coração, hormonais ou neurológicos), o desenvolvimento e o crescimento (maturação óssea, crescimento físico, emocional e intelectual, desenvolvimento sexual). O impacto do cancro pode também colocar em causa as nossas perspetivas e sonhos de vida (como a perda da fertilidade ou a discriminação financeira) e problemas psicossociais (como o medo da recorrência da doença, a mudança de imagem, a reintegração nas suas redes sociais, a possibilidade de continuar a sua educação ou ingressar no mercado de trabalho).
Apesar da existência de centros de referência de excelência no tratamento da doença oncológica pediátrica, terminados os tratamentos nem sempre existem cuidados no acompanhamento a longo prazo para os jovens sobreviventes. Quando se chega à idade adulta, nem sempre existe espaço para um processo de transição planeado, coordenado e multidisciplinar que permita aos sobreviventes em transitar e não serem apenas “transferidos” no acompanhamento de serviços pediátricos para os adultos.
Nem sempre é colocada a hipótese e dada a atenção, para que possamos também “realizar o luto” de tudo aquilo que perdemos na nossa infância ou juventude. Nem sempre estamos preparados para seguir em frente quando nos é dito “estás curado”.
Estes são desafios que afetam cerca 500 000 sobreviventes de cancro pediátrico na Europa. É então, por isso, que a comunidade em oncologia pediátrica tem vindo a realizar um trabalho de advocacia, nomeadamente os denominados patient advocates que através da nossa experiência pessoal, enquanto doentes e ex-doentes ou cuidadores, procuramos levar mais longe não só a nossa voz, mas a voz de muitas outras crianças, jovens e famílias que vivenciam a realidade de uma doença oncológica.
Exemplo disso é o projecto que está a ser realizado por diversos jovens sobreviventes de cancro na Europa. O EU-CAYAS-NET (European Network of Youth Cancer Survivors), que tem como objectivo criar uma rede europeia de jovens sobreviventes de cancro, assim como um centro de conhecimento e uma plataforma interactiva de networking.
Este projecto é co-financiado pela Comissão Europeia e reúne as principais organizações de 18 países activas no domínio do cancro pediátrico e jovem, de forma a realizar o levantamento dos recursos existentes que são úteis para os jovens doentes com cancro, sobreviventes e seus cuidadores, de forma a criar orientações europeias e capacitar os sobreviventes de cancro para a defesa dos seus direitos e necessidades. É composto ainda por vários jovens sobreviventes embaixadores, não só de países da União Europeia, mas também de outros países da Europa e do Mundo.
A saúde mental, o apoio psicossocial, a educação e carreira são alguns dos temas relacionados com a qualidade de vida dos sobreviventes que são trabalhados neste projecto. Em conjunto com profissionais de saúde de centros de referência europeus, procura-se ainda recolher as melhores práticas existentes no acompanhamento de longo prazo e dos efeitos tardios, na transição dos serviços pediátricos para os adultos e dos cuidados referentes aos adolescentes e jovens adultos com cancro. Pretende-se ainda fazer o mapeamento das populações sub-representadas de jovens com cancro na Europa.
Tal como refere um famoso provérbio africano, se queremos ir mais longe, temos de ir acompanhados. Por isso, a Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, como associação membro da Childhood Cancer International (CCI) e da sua delegação europeia, é parceira deste projecto e está envolvida em outros grupos de trabalho internacionais, que procuram defender os direitos e alertar para as necessidades dos doentes e jovens sobreviventes de cancro.
Esta participação activa e em conjunto com outras organizações congéneres, permite que possamos dar voz aos desafios da oncologia pediátrica e dos sobreviventes, partilhando também aquilo que tem sido o fruto do envolvimento dos sobreviventes, na defesa e promoção dos seus direitos.
Para saber mais sobre este projecto: https://beatcancer.eu/
A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.
Comentários