(1) Jovens em (2) Torremolinos
Pois é: Torremolinos deixa uma bela mancha na imagem dos jovenzitos portugueses lá pelas Espanhas — mas as reacções por cá também mostram a tendência irreprimível das várias gerações para esquecer tudo o que se passava há umas décadas e acusar a geração mais nova de ser a pior de sempre.
É uma corrida para ver quem diz mais mal dos mais novos: os de 55 anos dizem que todos os que têm menos de 45 são a desgraça deste mundo, que isto em 1960 é que estava mesmo bom.
(Neste ponto, tenho de declarar que tenho 36 anos, mas só fui a Torremolinos uma vez, de passagem, e não parti uma única sanita.)
Os que têm 45 talvez baixem a fasquia para os 35 — daí para baixo é só gente acéfala e nem vale a pena discutir com eles.
Os que têm 35, embriagados da sabedoria recentemente adquirida, abanam a cabeça contra os que têm menos de 25.
E estou em crer que já andam por aí jovens de 25 anos a maldizer esses putos de 15 que não sabem o que é a vida.
Nem quero imaginar o que pensam os jovens de Torremolinos dos miúdos que estão na primária. Aliás, nem quero pensar no que vai acontecer quando esses miúdos forem de viagem até Salou (que entretanto Torremolinos já proibiu a entrada a portugueses).
E assim continuamos, sempre a sacudir a água do capote da nossa geração. Enfim, o mundo pula e avança e ficamos todos na mesma: perigosos e tontos.
(3) Sanitas e (4) esqueletos
Já cheguei a ouvir um adulto a queixar-se dos jovens de hoje, que não respeitam nada nem ninguém, para logo a seguir contar, com orgulho, antigas tropelias que deixariam os jovens de Torremolinos a corar de vergonha (conto mais à noite, que isto é um texto familiar).
Também já ouvi anciãos bem-comportados e respeitadores do património hoteleiro a debitar violências inimagináveis contra quem não pensa como eles. “Eu cá mandava essa gente toda para a forca, mas não me mexam nas sanitas!”
Disparates há muitos e outro disparate — desculpem dizer-vos — é o daqueles que lêem isto e dizem: “Lá vem este desculpar os jovens!” Não é isso que eu estou a dizer. Sejamos exigentes com os jovens de hoje, pois então. A esses putos mal-educados que andaram a destruir colchões, televisões e loiça sanitária, bem podemos pô-los a limpar casas de banho em Torremolinos. Ou então os pais que paguem os estragos. Mas isto não deve ser desculpa para passar uma esponja por tudo o que já fomos no tal antigamente, que está cheio de esqueletos no armário (eu, que nunca parti loiça em Torremolinos, também tenho os meus).
Os jovens que ganhem juízo, por favor — mas não nos venham tentar convencer que as gerações anteriores eram só anjos de carne e osso.
(5) Adolescentes com (6) bombas
Bem, agora façam um exercício: peguem num daqueles jovens de Torremolinos, esses valentes cavaleiros lusitanos a despedaçar castelhanos — ou pelo menos loiça castelhana, o que já é um começo — e ponham-no na cadeira mais poderosa do mundo. Até pode ir meio bêbado que não faz mal.
Deus nos livre de tal, não é? Ainda podia querer mandar a Mãe de Todas as Bombas contra uns terroristas, dar ordem para que os navios de guerra fossem ver como param as modas na Coreia do Norte e começar a atacar a Síria depois de ver uns vídeos no YouTube — e tudo na mesma semana, que a vida são dois dias.
Outra coisa, já agora: aquele homem louco de cabelo esquisito que está à frente duma certa potência nuclear (agora estou a falar do coreano) era bem capaz de não partir um prato em Torremolinos, não acham? Estou mesmo a falar a sério: tem ar de santinho. São os piores, já lá dizia a minha avó. (Isto, diga-se, serve para provar ao leitor que também sei respeitar a sabedoria das outras gerações. Sem ironia!)
(7) Bêbados de bandeiras
Sim, os jovens são animais perigosos. Mas, na verdade, somos todos. E não serão ainda mais perigosos os animais que se põem atrás de secretárias a mandar jovens para as guerras com que nos vamos entretendo há uns quantos milénios?
A nossa espécie é perigosa. Muito perigosa. Então quando se embriaga de bandeiras (ou de deuses; ou de futuros perfeitos) e à frente do mundo temos mentes adolescentes, a coisa descamba. Mais valia mandar todos os presidentes com problemas capilares para um hotel — a ver se se distraíam a destruir as sanitas lá do sítio. Donald Trump já costuma passar os fins-de-semana em Mar-a-Lago. Os outros que vão lá ter. E que se divirtam todos muito!
(Já agora, uma sugestão: não me quero armar em Sheldon da série Big Bang Theory, mas encontrei um livro interessantíssimo sobre bandeiras... Chama-se Worth Dying For. The Power and Politics of Flags, foi escrito por Tim Marshall e explica-nos muito do mundo, da política e da guerra através da história desses pedaços de pano colorido.)
Marco Neves é autor do blogue Certas Palavras. Publicou em Janeiro o seu segundo livro, com o título A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa (Guerra e Paz). É tradutor na Eurologos e professor na Universidade Nova de Lisboa.
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