Já que nenhum jornalista, estranhamente, pega no tema, cabe-me a mim a parcialidade de usar o meu espaço de opinião para dar um pouco a conhecer o novo mundo da comédia em Portugal. Se fosse o surgimento em força de noites de churrasquinho brasileiro, karaoke, música ao vivo, noites de quizomba ou até baile funk, seria notícia em muitos jornais.
Já escrevi anteriormente sobre os espectáculos a solo em teatros que andavam na estrada, muitos deles esgotados, tanto de humoristas da velha como da nova geração. Já escrevi que, salvo algumas excepções, a melhor comédia está pela Internet, tanto em termos de escrita como de projectos para o YouTube. Agora, e como em Portugal é tudo ao contrário, começa finalmente o movimento de comedy clubs ou, mais concretamente para a nossa realidade, bares que têm espaço para comédia de vez em quando.
Lá fora, a stand-up começou em bares e depois passou para o mainstream da televisão. Por cá, começou na televisão, com a primeira edição do Levanta-te e Ri e depois passou para bares. No entanto, com o desaparecimento da comédia da televisão durante anos, a moda dos comedy clubs foi esmorecendo até que, de há uns dois ou três anos, começou a haver um boom de espaços pequenos onde se pode ver comédia ao vivo, regularmente.
Um comediante nos Estados Unidos da América, com dois ou três anos de carreira, teve oportunidade de actuar mais de mil vezes, com comedy clubs todas as noites da semana, a conseguir fazer dois e três espectáculos em apenas uma noite. Por cá, alguém com esse tempo, se tiver atuado um décimo dessas vezes já é muito. Isto leva a uma discrepância de experiência, embora sejamos todos comparados com o Louis CK e George Carlin ou outros com uma estaleca de palco incomparavelmente maior. Dada a distância galáctica em termos minutos de palco, diria que seria de esperar que os nossos comediantes estivessem a anos-luz dos lá de fora, mas não me parece que seja o caso.
Os comedy clubs são o espaço protegido dos comediantes, em que podem falhar e esse espírito é essencial ao surgimento de boa comédia. Sem esses espaços surge o medo de testar coisas nova e com ele comediantes que dizem as mesmas piadas há quinze anos e um envelhecimento da comédia. Num comedy club podemos assistir ao primeiro esboço de uma piada, ainda meio trapalhona, mas já com qualquer coisa que nos faz rir. Ir um comedy club é como ir a um restaurante e ficar na mesa do chef, onde conseguimos desvendar e provar o que está por trás do produto acabado, com a diferença que essas mesas normalmente são mais caras do que ir a um comedy club que, por cá, é barato, mesmo tendo em conta a realidade portuguesa.
O norte de Portugal sempre foi mais prolífico em espaços para fazer comédia, com vários locais onde se podia assistir stand-up regularmente. Neste momento, há um pouco por todo o Porto e arredores e deixo aqui algumas sugestões: no Porto temos o Enjoy It, Hot Five Uptown, Ferro Bar, Pinguim, entre outros. Há ainda o Batikano Park em Penafiel e O Monte em Gondomar e aconselho fortemente o CRU, em Famalicão, que foi dos melhores espaços onde já actuei, cheio de carisma e com um público caloroso.
Em Lisboa, durante anos houve poucos espaços para fazer stand-up, embora tenha havido o único verdadeiro comedy club em Portugal — o Lisbon Comedy Club — mas que fechou rapidamente, não por não haver público, mas por problemas de gestão. Agora, a stand-up comedy começa a ganhar tração, com vários espaços em Lisboa como o ODD Trindade, o LAPO, o Cais a Rir, e, claro, o melhor de todos que é o Maxime Comedy Club, cuja curadoria está a meu cargo e talvez por aí esteja a ser parcial. No resto do país destaco o Tasco do Kaneco em Setúbal e as Caves de Coimbra, em Coimbra, obviamente.
Haverá outros que me estou a esquecer ou que nunca ouvi falar. Alguns funcionam semanalmente, outros de 15 em 15 dias e alguns apenas mensalmente, mas é o começo de algo maior. Por isso, quem gosta de comédia em grandes auditórios, permita-se ir a espaços mais pequenos e descobrir outros comediantes de quem nunca ouviu falar. Pode ser uma noite má, com poucos risos, há muitas, mas sem as piadas fracas nunca surgem as geniais. Se forem não estão apenas a arriscar passar uma boa noite, estão a investir num futuro risonho da comédia em Portugal. Chupa, Chagas Freitas.
Se querem estar sempre a par de todas as noites de comédia nestes espaços e noutros, sigam a conta de Instragram @humorhiena que faz um excelente trabalho a divulgar tudo o que é comédia neste Portugal.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Para ir: Novas datas em Novembro do meu espectáculo de comédia em Vila Real, Évora, Almada, Covilhã e Damaia. Bilhetes e informações neste link.
Para ver: A série O que se faz aqui? do humorista Dário Guerreiro.
Para ouvir: Segunda temporada do podcast Hotel, do Luís Franco-Bastos.
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