Acredito, também, que não perdemos muito tempo a pensar nisto da felicidade. Se a felicidade é o estado da pessoa feliz então, o que faz uma pessoa feliz? Entre outras definições, a pessoa feliz é aquela que se sente satisfeita, realizada. O que me leva a crer que o melhor mesmo é não pensar muito nisto de felicidade, para não percebermos o elevado grau de pressão em cima de cada um de nós, associado à escravidão moderna que também nos caracteriza. Dos precários que se queixam aos inqualificáveis que, em silêncio, sustentam o insustentável, encontramos dentistas pagos à percentagem, massagistas dependentes de comissão e sem remuneração fixa, engenheiros que recebem o salário mínimo, profissões várias (muitas...) cujos horários não são respeitados porque há hora para entrar e não há hora para sair, com o almoço trincado entre clientes ou mensagens de correio electrónico respondidas entre garfadas, intervalos para o descanso ignorados, e muito amor à camisola. Já para não falar nos estágios ou postos de trabalho extintos ao estalar de um dedo. Felicidade?
Se pensarmos no sentido da felicidade chegamos à conclusão que, lá no fundo, podemos ser mas não somos. Uns porque o desespero está-lhes estampado no rosto por falta de opções, outros porque optaram por perseguir um sonho que não se materializa. A avaliar pela quantidade de livros, músicas ou filmes que apelam a este sentido de 'ser feliz', a pressão para ser feliz existe e nós tentamos, a todo o custo, corresponder-lhe. A ideia de felicidade está de tal forma associada ao que temos, em detrimento do que somos que a pressão começa muito cedo, para atingirmos aquele patamar de pseudo-satisfação que se traduz na palavra feliz. Não vivemos o presente, sempre presos a esse futuro que estamos a preparar. As crianças não brincam, os estudantes entram em burnout e os pais sobrevivem, na ânsia de fazerem mais, ganharem mais ou 'serem' mais, garantindo o que está para vir. E o que é agora? E o que são hoje?
Precisamos trabalhar para garantir o sustento o que não é o mesmo que atingir a felicidade. E como se atinge a felicidade? Para muitos, estudando para ter boas notas e conseguir um bom emprego. Para constar do quadro de honra porque não chega ser bom. É preciso ser o melhor na escola e em cada uma das opções dessa interminável lista de atividades que sobrecarrega a já carregada agenda dos miúdos, deixando os pais à beira de um ataque de nervos, mas com sorriso no rosto porque somos todos excecionais, mesmo que a morrer por dentro.
Não interessa sermos felizes a trabalhar porque isso é uma invenção hippie-new-age que serve para questionar o status quo. Interessa um rendimento fixo e uma posição segura para ir 'subindo' na empresa porque os tempos não estão para aventuras (alguma vez estiveram?...), de preferência subindo também em estatuto social. No quadro de honra não estão os 'zés-ninguém'. Esses, não são felizes. Obviamente que não.
"É assim", oiço afirmarem frequentemente. Também eu já tive a minha dose de "é assim" até perceber que não tem de ser como descrevem. Não temos de ser o melhor da turma, muito embora seja importante darmos o nosso melhor. Não somos definidos pela nossa profissão e, menos ainda, pelo estatuto social que lhe está associado. A nossa felicidade não tem de ser medida em função do que faz os outros felizes mas, antes, daquilo que verdadeiramente nos faz sentir bem, incluindo tempo para brincar, mesmo na idade adulta. Mas isso, o que nos satisfaz, entre os quadros de honra, o meu Mercedes ser sempre maior do que o teu e outras atitudes igualmente vulgares de comparação, já nos esquecemos o que é.
Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio. É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.
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