Podemos pegar na lupa de detective e tentar saber se a história tem algum fundamento. Se for verdadeira, haverá certamente registos históricos dela ou, pelo menos, registos do uso da expressão «Transporte de Ervas Aromáticas» nas caixas dos navios portugueses. A história tem uma ou outra variação (como a ideia de que a palavra teria vindo da letra T lida à inglesa), mas a versão mais comum é mesmo essa, a do Transporte de Ervas Aromáticas.

Será verdade?

Uma forma de verificar é procurar a expressão «Transporte de Ervas Aromáticas» para tentar perceber se era, de facto, usada nas caixas dos navios portugueses. Se assim fosse, certamente que apareceria nalgum livro de História, nalgum relato ou nalgum documento. Ora, se enterrarmos a cabeça nos livros antigos (ou, mais rapidamente, no Corpus do Português de Mark Davies, um dos vários recursos que ajudam a investigar a nossa língua) e procurarmos a expressão, não sai nada. Pesquisando de várias maneiras e feitios, na Internet e fora dela, encontramos a expressão «Transporte de Ervas Aromáticas» apenas na própria história que estamos a investigar e só nas últimas décadas. Tudo indica que foi inventada para se encaixar na palavra «tea» — e não o contrário.

Podemos dar um passo e procurar a expressão «ervas aromáticas». Nos registos escritos do português, é mais recente que a palavra «tea» na língua inglesa. Os registos escritos mais antigos de «ervas aromáticas» que encontro em Portugal são do século XIX, em duas obras de Eça de Queirós (Correspondência e Relíquia). Não há registo de tal designação ter sido usada nas caixas ou em qualquer outro documento relacionado com o transporte do chá (ou de qualquer outra coisa).

Investiguei bases de dados de artigos científicos para ver se algum historiador encontrou algum registo deste «transporte de ervas aromáticas» por parte dos portugueses e nada aparece. Procurei nas obras sobre a rainha D. Catarina de Bragança, que aparece referida em várias versões da história. Nada. A rainha foi, de facto, importante na divulgação da moda do chá entre os ingleses, que já conheciam a bebida, mas usavam-na como uma espécie de medicamento caseiro — um pouco como acontece hoje em Portugal, em que alguém que se sinta doente leva sempre com um chá, queira ou não queira.

Portanto: a expressão é recente e a história do acrónimo não aparece em nenhuma fonte fiável — mas, diga-se, há um problema ainda mais grave a teoria do T.E.A.: a origem da palavra «tea» é bem conhecida e não é «Transporte de Ervas Aromáticas». A verdadeira origem está em todas as obras de etimologia da língua inglesa — e não só, porque a mesma palavra aparece noutras línguas com formas ligeiramente diferentes.

Tanto «tea» como «chá» são palavras que vêm da China, mas de variedades linguísticas diferentes. Em mandarim e cantonês, a palavra para chá é parecida com «chá» — foi ao cantonês, aliás, que fomos buscar a nossa palavra. No entanto, há uma outra família linguística chinesa, chamada min, onde a palavra para chá é parecida com «tê». Ora, essa é precisamente a forma usada no Porto de Xiamen, de onde saía o chá que chegava à Inglaterra, muito dele transportado pelos holandeses. Este percurso está bem documentado — tal como está bem documentado o percurso das duas designações da bebida pelo mundo: algumas línguas usam formas semelhantes a «chá», outras usam formas semelhantes a «tê». No caso do inglês, a palavra vem da forma usada na área do Porto de Xiamen, mas passou primeiro pelo holandês, que usa «thee».

Curiosamente, as primeiras referências à bebida em Inglaterra foram feitas com uma palavra parecida com a nossa, «chai» (que hoje é usada para designar um tipo de chá). Mais tarde, quando a planta chegava em grandes quantidades do Porto de Xiamen, a palavra que os ingleses usavam já era «tea».

Tudo somado: a história do Transporte de Ervas Aromáticas é lenda. Não é mais credível que a velha piada que afirma ser «STOP» um acrónimo de «Se Tem Olhos, Pare!» (ou outras variações).

Sendo assim, quando é que apareceu a lenda do T.E.A.? A primeira referência que encontro é num blogue italiano dedicado a Lisboa, num artigo escrito em Janeiro de 2012. Há uma referência numa página de 2011, mas quando verificamos com atenção, percebemos que é um comentário escrito em 2016. Em 2017, chega a um artigo da BBC, que se refere à história como uma lenda.

Se olharmos para livros, encontro referências em guias turísticos de 2019 e no Brevíssimo Dicionário dos Snobs, de Rita Ferro, publicado em 2022 (que refere a lenda como uma história divertida, não parecendo dar-lhe muito crédito).

É possível que a história já circulasse muito antes, na oralidade ou em trocas de mensagens. Quando falei deste tema num vídeo, encontrei uma pessoa que se lembrava de ter ouvido a história numa formação em 1998. No entanto, na escrita, foram estes os registos escritos mais antigos que encontrei. Se alguém conhecer algum registo mais antigo, ficarei muito feliz em saber.

A minha hipótese é esta: a história foi criada por algum guia turístico criativo (digo isto porque a primeira referência aparece num blogue italiano) e começou a espalhar-se. Como é engraçada, é fácil acreditar nela.

Agora, a escolha é nossa: confiamos numa etimologia bem estabelecida e documentada ao longo dos últimos séculos — ou preferimos acreditar numa história engraçadita que apareceu nas últimas décadas? Sim, eu sei que as lendas também são interessantes, mas não convém sermos enganados por elas.

* Sobre a importância da rainha D. Catarina de Bragança para o consumo de chá em Inglaterra, proponho a leitura do artigo de Susana Varela Flor, com o título "'The Palace of the Soul Serene': Queen Catherine of Braganza and the Consumption of Tea in Stuart England (1662-1693)”.
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Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. A crónica acima já foi publicada anteriormente.