Serenah e Hindi partiram da Cisjordânia em 2013 e durante três anos passaram pelas atribulações, sofrimento e incertezas que são comuns a tantas outras pessoas forçadas a partir das suas casas, a deixar para trás as famílias, todos e tudo quando têm, por causa de guerra ou de perseguição, rumo à Europa.
Em maio de 2016 chegaram a Portugal: uma nova etapa, com novos desafios. Muito trabalho, esforço, determinação e a convicção inabalável no amor que os une e que lhes trouxe um desenlace feliz: têm hoje uma casa segura e digna para morar, abriram uma mercearia de produtos do Médio Oriente e, finalmente, Hindi pediu Serenah em casamento. Ela disse sim.
Fossem todas as histórias de refugiados rumo à Europa assim felizes. O percurso feito nos últimos anos por milhares de outras pessoas não desemboca, porém, em tão auspiciosa oportunidade para recomeçar a construir a vida.
Poucos meses após Serenah e Hindi chegarem a Portugal, pelos finais de 2016, os países da União Europeia puseram em prática uma série de medidas com o propósito de fechar a rota migratória através da Líbia e da zona central do mar Mediterrâneo, com muito poucos cuidados sobre as consequências daí resultantes. O que resultou dessas medidas são centenas de milhares de pessoas encurraladas na Líbia à mercê de abusos, de extorsão e de tortura por parte das autoridades líbias, de milícias, de grupos armados e de traficantes. E nos centros de detenção líbios de refugiados e migrantes, sobrelotados e insalubres, onde a comida e a água escasseiam, estão agora pelo menos sete mil pessoas sem saída — mais 2.600 do que as 4.400 que ali estavam oficialmente registadas dois meses antes.
São milhares de pessoas, com a União Europeia (UE) a olhar para o lado e, com isso, a ser cúmplice dos abusos e violações de direitos humanos cometidas contra elas na Líbia.
Também o acordo de refugiados firmado entre a UE e a Turquia, em março de 2016, deixou milhares de refugiados e de migrantes em condições de sobrevivência miseráveis e extremamente perigosas. Não deveria jamais ser replicado com nenhum outro país, por dar tão mau exemplo do que é um acolhimento que se quer humano.
Neste último par de anos, a Europa tem ainda progressivamente virado as costas às estratégias de buscas e salvamento no Mediterrâneo que estavam a reduzir a mortalidade no mar, a favor de uma outra em que se tem assistido ao afogamento de milhares de pessoas – a taxa de mortalidade de refugiados e migrantes nas travessias triplicou de 0,89% na segunda metade de 2015 para 2,7% em 2017.
Há algumas semanas apenas assistimos mesmo ao absurdo de um julgamento na Grécia de um grupo de voluntários, incluindo três bombeiros espanhóis, que ajudavam a salvar homens, mulheres e crianças de se afogarem no mar Egeu, ao largo da ilha de Lesbos. Foram absolvidos, mas o facto de terem sido visados com acusações de tráfico humano, incorrendo numa pena até dez anos de prisão, apenas por resgatarem vidas, tão só por estenderem os braços para salvar pessoas, mostra bem a confusão moral em que caiu quem tenta criminalizar atos de solidariedade e intimidar defensores de direitos humanos.
Às portas de chegada fechadas no mar e às portas fechadas em terra nesta insensível “fortaleza”, acresce o tratamento dado a quem, enfrentando tantos perigos, já chegou à Europa.
É impossível ignorar a flagrante falha na partilha de responsabilidades de tantos países europeus com a Grécia e a Itália, incumprindo consistentemente as metas de recolocação de refugiados a que se comprometeram, Portugal incluído. E é também difícil compreender o aumento significativo no número de deportações em casos como o dos refugiados afegãos que estão a ser mandados de volta pela Europa para a violência e a insegurança – pelos mesmos países, note-se, que aos seus cidadãos aconselham a não viajarem para o Afeganistão, dada a ameaça de “ataques em larga escala” sempre iminentes.
O que está a faltar no coração dos líderes europeus? O que faz países como Portugal ficarem aquém do que prometeram? Porque é que em 2017 Portugal recolocou apenas cerca de 1.500 requerentes de asilo, deixando mais de 1.400 vagas por preencher do que aquelas a que se comprometera? E porque é que dos 1.750 pedidos de asilo recebidos em Portugal foram recusados 64%?
Já não nos lembramos como se abrem os braços para abraçar?
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