Primeiro, os números: o Twitter tem actualmente 238 milhões de utilizadores activos, que produzem cerca de 500 milhões de mensagens diárias. Muito abaixo do Facebook (2,8 mil milhões de utilizadores activos), YouTube (2,2 mil milhões), WhatsApp (dois mil milhões), Instagram (dois mil milhões, WeChat (1,26 mil milhões) e TikTok (mil milhões). Contudo, a influência da plataforma do passarinho espalha-se por uma amplitude maior de faixas etárias e tem uma influência política que, não sendo exactamente mensurável, é a que provoca mais “ondas de choque” na comunidade online. Talvez porque os tweets, sendo curtos e grossos (280 caracteres), prestam-se mais para exprimir sentimentos simples e afirmações acutilantes. Assim se justifica que o utilizador com mais seguidores seja Barack Obama (133 milhões) e que Donald Trump tivesse 87 milhões antes de ser banido (já lá vamos). Elon Musk, que está agora no cerne da “questão Twitter”, é lido por 119 milhões. Narenda Modi, o radical primeiro-ministro da Índia, tem 84,6 milhões de aficionados. Claro que entre os mais-mais estão personalidades tão diversas como Justin Bieber (113.7 milhões), Ronaldo (105,2) ou LeBron James (52,4), mas essa pluralidade não diminui os espantos que a plataforma tem provocado nos meios políticos de muitos países.
Segundo, a(s) história(s). O Twitter foi lançado em Julho de 2006, criado por Jack Dorsey e três amigos. Na altura, aquilo que ficou conhecido como “microblogging” era um formato inédito e teve um sucesso muito rápido. No ano passado tinha escritórios em 25 países. É uma sociedade anónima cotada na bolsa.
O problema da moderação de conteúdos, comum a todas as redes, levou à instalação de um grupo de “revisores”, com a ingrata tarefa de decidir se um conteúdo é ofensivo, falso ou ameaçador. O primeiro político a usar intensivamente a plataforma numa campanha eleitoral foi Obama, em 2008. Mas quem se tornou o twitteiro-mor, tanto na quantidade de publicações como na desinformação e insultos aos adversários, foi Donald Trump, em 2016.
A pandemia de Covid-19 aumentou muito o número de seguidores, assim como os conteúdos duvidosos - especialmente quanto à natureza e tratamentos do vírus - o que levou Dorsey a fazer uma moderação mais activa e a incluir nos tweets maliciosos ou duvidosos um link para as informações oficiais. Cresceu também o número de aderentes eliminados por insistirem num comportamento mentiroso e, muitas vezes, violento. Os republicanos em geral e os grupos supremacistas brancos queixavam-se amiúde de serem “perseguidos” pela “censura” twitteira - uma situação que realmente nunca foi medida em termos reais, mas que culminou quando o Twitter eliminou a conta do Presidente. Trump criou uma plataforma concorrente, a Truth Social, mas realmente não conseguiu a mesma tracção que tinha no Twitter.
No princípio deste ano, Elon Musk, fundador da PayPal (de onde já saiu), dono da Tesla, da SpaceX, da rede de satélites Starlink (que tem permitido à Ucrânia acesso livre à Internet) e o homem mais rico do mundo, decidiu de repente que queria ser dono do Twitter. As razões que apresentou foram várias, basicamente em torno de considerar que a plataforma era parcial em relação aos valores conservadores - leia-se os republicanos e Donald Trump. Tinha afirmado antes que, como verdadeiro independente, votaria no Donald.
A compra foi complicada e arrastou-se por meses; primeiro queria comprar, depois já não queria, a seguir os accionistas processaram-no por não querer, mudou de ideias, discutiu-se o valor das acções... Enfim, uma novela, seguida ao minuto pelo mercado bolsista e pela comunicação social. Ao mesmo tempo Musk ia fazendo afirmações contraditórias, bastante desconexas, que levam a pensar como um indivíduo tão sanguíneo, impetuoso e contraditório pode ter chegado a ser o mais rico do mundo.
Enfim, a 28 de Outubro, resolvidas as embrulhadas, Elon Musk tornou-se proprietário do Twitter, pela módica quantia de 44 mil milhões de dólares. No mesmo dia escreveu um tweet a garantir que nenhuma conta suspeita seria reaberta até à formação de um “conselho de moderação”, e simultanemente despediu todos os executivos de topo e metade dos 7.500 empregados, inclusive Yoel Roth, precisamente o responsável pela moderação.
Os resultados deste dia fatídico não se fizeram esperar. Metade dos empregados que ficaram despediu-se por conta própria. Os grandes anunciantes, que incluíam a Volkswagen, Audi, Bentley, e Porsche, General Mills, Pfizer, Modalez (fabricante dos Oreos) e Chipotle (2000 restaurantes de fast-food) retiraram a publicidade. Balenciaga, que tinha um milhão de seguidores, fechou a conta.
Na semana seguinte Musk anunciou que tinha feito uma sondagem entre os assinantes e que ia aceitar os resultados, dando uma amnistia geral às contas banidas: "O povo falou. A amnistia começa na próxima semana. Vox Populi, Vox Dei".
A voz de deus determinou a reabertura da conta de Donald Trump (que ainda não a usou, talvez a tentar promover a sua Truth Social) e de Marjorie Taylor Green, a mais disparatadamente radical deputada republicana.
Alguém lembrou que estas sondagens em linha são pouco científicas e podem ser facilmente influenciadas por máquinas automáticas. Mas isso não parece preocupar Musk com esta caótica compra, tão fora do seu universo empresarial, e imediatamente gerida de forma catastrófica?
Boa pergunta. Musk faz parte daquele grupo de mega milionários que se distinguem por serem libertários e anarquistas (“O Banqueiro Anarquista”, de Fernando Pessoa, que não li, deve tratar deste fenómeno...) Alguns, como Pieter Thiel (da Paypal), são libertários e reaccionários ao mesmo tempo. Outros, como Jeff Bezos, são libertários e ultra-capitalistas, simultaneamente. Outros ainda, como o falecido Steve Jobs, são hippies e anti-sociais. Parece ser uma característica norte-americana, tal como a mania das armas “para defender a liberdade”.
Os milionários europeus pelo menos são coerentes: conservadores, neoliberais, discretos.
Mas voltando ao Twitter: o que lhe vai acontecer? Desaparecer, é pouco provável. Musk tem dinheiro de sobra e pode aguentar perdas fenomenais só para provar o seu ponto de vista - que não se percebeu ainda qual é.
Afinal de contas o seu colega Bezos anda há anos a perder milhões com o “The Washington Post” só para chatear os republicanos, e outros milhões para abafar os sindicados da Amazon.
Nós, comuns mortais, que não inventamos nada de genial e temos contas em atraso, nunca iremos compreender o mundo olímpico dos 1%. Mas podemos assistir de graça a um espectáculo surreal.
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