A política do filho único (“o pequeno imperador”) foi instalada por Deng Xiao Ping, em 1979, o tempo da grande descolagem da economia chinesa. Foi justificada com a intenção de “garantir que os frutos do crescimento económico” não fossem “devorados pelo crescimento populacional”. É um facto que a bomba demográfica estava instalada: em 27 anos, de 1949 a 1976, a população da República Popular da China passou de 540 milhões para 940 milhões.
A China saía então, no final da década de 70, dos anos de fome e grande pobreza coletiva dos tempos revolucionários de Mao, o timoneiro que incentivou políticas de fértil natalidade porque via nas “imensas massas populares” a principal força do país frente ao capitalismo ocidental. O sucessor, Deng, mudou tudo e deu prioridade ao “glorioso crescimento da economia”. A economia chinesa, de facto, disparou, galopante, mas à custa de direitos fundamentais das pessoas.
Um dos absurdos na reforma Deng é a política de planeamento familiar, com imposição do filho único, forçada por sanções financeiras, laborais e sociais para quem ousasse exceder-se a procriar.
Esta opção política tem imensas e dramáticas consequências humanas. Levou, por exemplo, à realidade atual e das últimas três décadas de um número incontável de crianças “invisíveis”. São crianças que por serem supranumerárias nunca puderam ser registadas, não podem ter documentos, nunca puderam ir à escola. Vivem uma vida kafkiana na margem da sociedade. São crianças nascidas de casais que já tinham declarado um filho. Os filhos “excedentes”, ocultados pelos pais, oficialmente, não existem. Não são cidadãos da República Popular da China, não têm acesso a um passaporte, portanto também lhes fica difícil a escapadela clandestina para o estrangeiro. Mas a política do filho único gerou outros dramas.
O regime favoreceu, nas gerações dos últimos 35 anos, o filho varão. Por ser suposto, argumentaram, que os homens, na competitiva sociedade chinesa, poderiam contribuir mais para o crescimento económico. Isto levou a abortos seletivos: se a criança que está para nascer é uma menina, elimina-se. Tenta-se até aparecer um rapaz. Assim se explica que nos registos de nascimentos na China desde 1980 haja um desequilíbrio de género, com mais de 60% de rapazes e menos de 40% de raparigas. É de pensar que um número crescente de homens vai ficar sem esposa por insuficiência de parceiras. Tudo isto parece uma alucinada ficção de experimentação social, mas é a realidade da vida no país mais populoso do mundo e segunda economia global.
Estima-se que a política do filho único evitou uns 400 milhões de nascimentos. Mas agora escasseiam talentos novos e dispara dramaticamente o número de grisalhos.
Os líderes chineses de agora já concluíram que este sistema não funciona nem mesmo para o interesse económico: com a fertilidade estancada, a China envelhece demasiado depressa e começa a confrontar-se com o risco de falta de trabalhadores ativos em número que chegue para sustentar o sistema de reformas com cada vez mais pensionistas. Daí passarem de um para dois a limitação de filhos por casal. Nada que ponha os fabricantes de preservativos a coçar a cabeça.
O essencial é que continuam a intolerável autoritária invasão da intimidade e os controlos punitivos para quem não acata o planeamento familiar decidido pelo Estado. É uma cruel e inaceitável interferência do Estado chinês na vida das pessoas. É impensável que seja o Estado ou o partido (neste caso é o PC da China que se assume como Estado) a fixar o tamanho de cada família.
Há uma lição que interessa à Europa neste recuo chinês sobre o filho único: precisamos de mais gente, ou seja, faz-nos falta a chegada de migrantes, para construirmos a prosperidade futura. E Portugal, tal como entre outros a Alemanha, é um país em alerta vermelho pela baixa natalidade.
Também a ter em conta
A Espanha tende a tornar-se um imenso Portugal? Tem a ver com cenários pós-eleitorais. Os espanhóis vão a votos em 20 de dezembro e todas as sondagens, como esta ou esta, anunciam um terramoto no quadro parlamentar, que passa de duas para quatro forças políticas principais. O PP de Rajoy está na frente mas pode confrontar-se com a maioria para governar de uma aliança de oposições. No caso espanhol, Ciudadanos, ao centro (ora mais à esquerda, ora mais à direita), aparece como partido charneira para fazer maioria.
Passam amanhã 20 anos sobre o assassinato do Nobel fazedor de Paz Yitzhak Rabin, quando discursava num comício em Telaviv. Don Ephron conta-nos no livro “Killing a King: The Assassination of Yitzhak Rabin and the Remaking of Israel” aquela noite e o que se seguiu. Há um excerto aqui. Neste fim de semana, 40 mil pessoas estiveram naquela praça para lembrar a mensagem de Rabin. Fica o alerta de Daliah, a filha: “O sangue verte outra vez. O ódio cresce. O meu país muda de cara. Não aprendemos a lição.”
Volta a vontade política para cuidar o clima? Vem aí, em dezembro, em Paris, a COP 21, que recoloca as alterações no clima no centro das discussões. Também está aqui.
José Fonseca e Costa vai hoje a enterrar. O cinema dele deu-nos gosto de vida.
Uma primeira página escolhida no SAPO JORNAIS.
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