É que é ali, naquele “habitat” natural de ignorância, interesse individual, e ausência de cultura de transparência e seriedade, que nascem e se reproduzem os políticos profissionais que depois aterram em Lisboa, ensaiam no Parlamento o culto do esquema, do favor, do frete, e vão por aí fora, até serem notícia de jornal pelas piores razões.
Juntamente com as eternas “Juventudes” dos partidos, as autarquias têm contribuído para o estado a que chegámos, seja no número de arguidos que empilham os dossiers dos tribunais, seja nas tragédias que, mais cedo ou mais tarde, vão desembocar numa qualquer decisão ancestral de quem cortou verbas necessárias para evitar incêndios, garantir saúde ou melhorar a educação.
São os fornos que produzem a esmagadora maioria dos políticos que temos, e tomam conta do regime, depois de algumas décadas dominadas pelas figuras das causas (Soares, Sá Carneiro ou Cunhal...), pelos crédulos (Sousa Franco, Maria José Nogueira Pinto ou Miguel Portas...), ou pelos ingénuos (Lourdes Pintasilgo, Ramalho Eanes, Costa Gomes...).
A minha geração teve a sorte de conhecer em acção os políticos das causas, os crédulos, os ingénuos – mas também teve o azar de ver emergir e actuar os pretensos “profissionais”, gente que saiu directamente do curso superior para o Parlamento, para o Partido, ou para o poder local. A “sorte” de ter conhecido a atitude de quem viveu a política com nobreza não parece ter dado aos eleitores iluminados o discernimento suficiente para exigir mais dos “novos” políticos, dos partidos, e rejeitar liminarmente a profissão travestida de ideologia, e a política a fazer de conta que é “serviço público”.
Por isso, vendo estes primeiros debates, os cartazes, as frases indigentes, e o que se adivinha mesmo nas autarquias maiores de Portugal, não prevejo que o dia 1 de Outubro marque diferença na forma como se faz política aqui no pedaço, nem nas mudanças e reformas de que precisamos para ver crescer por igual um país tão desigual.
O que incomoda, e assusta, é saber que é dessa política, e dessa atitude, que sairá a forma como, daqui a um ano, estaremos a debater política florestal (ou seja, incêndios...), política de saúde (ou seja, hospitais com capacidade de resposta em todo o país...), política de educação (ou seja, sucesso escolar com maior equilíbrio de norte a sul...). Entre outros temas igualmente relevantes para a nossa vida.
Usando as mesmas palavras: incomoda e assusta perceber que não estamos assim tão distantes de uma democracia mais recente, e de que esperamos quase nada, como a de Angola. O voto deixa-os mudar, como nos deixa a nós. Mas tudo deverá ficar na mesma. Cá e lá.
TRÊS LEITURAS QUE VALEM MESMO A PENA...
Na The New Yorker, este artigo de Elizabeth Kolbert constituiu uma viagem pelo tempo com o objectivo de responder a uma pergunta simples: afinal, quem manda na Internet?
Do que li, talvez o mais interessante e diversificado trabalho sobre Jerry Lewis, o humorista que esta semana decidiu ir embora. Entre texto, vídeo e links, difícil ir mais longe. A Rolling Stone foi.
Mesmo passados mais de oito dias, vale a pena ler a crónica de Mário Vargas Llosa sobre Barcelona. Mais do que os atentados e o terrorismo, o escritor reflecte sobre a sua relação com a cidade, onde chegou a viver alguns anos. E é uma declaração de amor e fidelidade que fica.
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