Os nomes desconhecidos que contam a história da pandemia
Marion Krueger, 85 anos, Kirkland, Washington. Bisavó de riso fácil.
Não a conhecemos, mas a descrição do obituário traz-nos amor.
Kious Kelly, 48 anos, Nova Iorque. Enfermeira na luta contra a covid-19.
Não a conhecemos, mas calculamos o que passou no hospital, na linha da frente.
Clair Dunlap, 89 anos, Washington. Piloto que ainda ensinava as pessoas a voar aos 88 anos.
Não o conhecemos, mas gostávamos de o ter visto voar.
Romi Cohn, 91 anos, Nova Iorque. Escondeu 56 famílias de judeus da Gestapo.
Não o conhecemos, mas imaginamos a coragem em salvar vidas.
Maria Garcia-Rodelo, 52 anos, Nevada. Levava os seus filhos para a escola todas as manhãs.
Não a conhecemos, mas identificamos o gesto de tantas mães.
Ina Shaw Mirviss, 93 anos, Stamford. Tinha discussões científicas durante o jantar.
Não a conhecemos, mas pensamos no quão interessante seria ouvi-la.
Estes são alguns dos nomes e pequenos obituários que surgem este domingo na primeira página do The New York Times. No total estão por lá mil nomes, dos quase 100 mil que pertencem às vítimas mortais provocadas pelo novo coronavírus nos Estados Unidos.
"Em vez dos artigos, fotografias ou gráficos que normalmente aparecem na primeira página, este domingo há apenas uma lista: uma lista longa e solene de pessoas cujas vidas foram perdidas devido à pandemia do coronavírus", pode ler-se no artigo que explica o projeto.
A ideia, conta Simone Landon, subeditora do departamento gráfico do jornal, foi "representar o número [de mortes] de uma maneira que transmitisse a vastidão e a variedade de vidas perdidas". E é isso que vemos: são pessoas desconhecidas da maioria, cada qual com algo que a distinguia. Não são apenas feitos heróicos. São, essencialmente, os pormenores que as caracterizavam — o que tornava certamente a vida diferente.
Não são 100 mil pontos numa página. Não são 100 mil fotografias de rostos que também não iríamos reconhecer. São mil nomes que contam parte da história da pandemia nos Estados Unidos. É uma página de jornal que assusta. Tantas letras. Só letras. Tantos nomes. Tantas vidas que não vivem mais.
Os Estados Unidos são de longe o país com mais vítimas mortais em todo o mundo e mais infeções confirmadas, ultrapassando já os 1.618.948 casos. O estado de Nova Iorque continua a ser o principal foco da pandemia naquele país. Ontem, o número de mortes relacionadas com a covid-19 foi o mais baixo desde 24 de março.
A 10 de maio, no Brasil, também O Globo lembrou as vítimas mortais devido à pandemia, ao atingir as 100 mil mortes — ao fim de 55 dias de identificado o primeiro caso. Digitalmente, foi criado um memorial — Inumeráveis — "dedicado à história de cada uma das vítimas". Ao dia de hoje, registam-se já mais de 22 mil mortes.
Também não conhecemos os nomes. Das suas histórias pessoais só lemos uma linha, mas sabemos que marcam a história da pandemia que assola o mundo em 2020.
Acacio Cardoso Duarte, 68 anos.
Ele tinha o engraçado costume de dormir na mesa durante o almoço da família.
Ademar Mariano da Cunha, 80 anos.
Trabalhador, honesto e pontual em tudo o que fazia.
Daliane Maiara Lima Sousa, 32 anos.
Ninguém passa pela vida sem uma razão. A dela foi amar.
Esther Godoy Penna, 97 anos.
Leitora voraz de biografias, dizia: "somos todos iguais, mesmas dores e alegrias".
Hélio Sampaio, 84 anos.
Roberto Carlos na música, Pelé no futebol e ele na arrumação.
Depois dos Estados Unidos, o Brasil conseguiu já ultrapassar a Rússia ao nível de casos registados. Na sexta-feira, a Organização Mundial de Saúde apontou que a América do Sul se tornou "outro epicentro" do novo coranavírus e citou o Brasil como o mais afetado.
E, do norte para o sul, as relações começam já a mudar. Hoje, a Casa Branca informou que vai ser anunciada uma interdição de viagens provenientes do Brasil.
"Creio que vamos ter uma nova decisão hoje sobre viagens que envolvam o Brasil, como fizemos com o Reino Unido, a Europa e a China, e esperamos que seja temporário", afirmou o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Robert O'Brien, em declarações à CBS.
"Mas, devido à situação no Brasil, vamos tomar todas as medidas necessárias para proteger o povo norte-americano", disse O’Brien. E recordemos que os Estados Unidos suspenderam também os voos provenientes da China e da maior parte dos países da União Europeia e do Reino Unido, à medida que a pandemia ia alastrando.
Em Portugal, por diversas vezes, já se disse uma frase nas conferências de imprensa diárias sobre a covid-19 que nos remete para as ideias que O Globo e o The New York Times apresentaram nos seus memoriais: "Não são apenas números, são pessoas que fazem falta a alguém". Este domingo, Portugal regista 1.316 mortes relacionadas com a covid-19, mais 14 do que sábado, e 30.623 infetados, mais 152. O número de casos recuperados subiu de 7.705 para 17.549.
Estamos muito longe dos números dos EUA e do Brasil, mas cada vida é uma vida. Que cada gesto neste desconfinamento nos lembre disso — dos cuidados nas praias ao regresso dos turistas no futuro. Do uso das máscaras à forma de lidar com a ansiedade. Tudo conta para escrever as linhas do nosso país nesta história.
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