Em Gaza ou em Ceuta, perante a insuficiência da retórica subsiste o sofrimento real

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Ao 10.º dia de confrontos e bombardeamentos, a situação que opõe Israel à Palestina parece longe de estar terminada. Nova ofensiva israelita na Faixa de Gaza resultou em, pelo menos, oito mortos hoje, engrossando a lista de fatalidades do lado palestiniano: 227 óbitos, dos quais 63 crianças. Do outro lado, doze pessoas em Israel, incluindo uma criança de 5 anos, foram mortas em ataques com foguetes até agora, lançados pelo movimento islâmico Hamas.

Enquanto rockets e bombas caem de um lado e do outro — desproporcionalmente, ressalve-se —, e a lista de vítimas continua a aumentar, mantêm-se os esforços diplomáticos. A mais recente tentativa partiu de Joe Biden, Presidente dos EUA, que terá em privado pedido ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a “redução da violência” já hoje, para que assim se possibilitasse a assinatura de um acordo de cessar-fogo em breve.

A resposta de Netanyahu, todavia, não podia ser mais esclarecedora. “Aprecio muito o apoio do Presidente norte-americano, mas Israel vai continuar a luta para devolver a calma e a segurança aos cidadãos de Israel. Estamos determinados em continuar com as operações militares até atingirmos o nosso objetivo”, disse o líder israelita.

Repare-se que a atual devastação provocada em Gaza é, no entender de Netanyahu, uma mera tentativa de “dissuasão firme” perante as agressões do Hamas, que controla a região — o primeiro-ministro israelita abriu a possibilidade de “derrotar” o movimento islâmico, ou seja, o que temos visto está longe de representar o poderio militar de Israel.

Perante o atual cenário — e essa possibilidade futura de confronto a larga escala — a comunidade internacional tem tentado reagir, sem sucesso. Depois da declaração da União Europeia não ter seguido com o voto dos 27 devido ao veto da Hungria — o que mereceu a condenação da Alemanha — seguiu-se a apresentação de um projeto de resolução ao Conselho de Segurança da ONU por parte da França ontem à noite. Este tem como objetivo pressionar a ONU a “assumir” o dossier e garantir a aprovação de uma simples declaração sobre o conflito por parte do órgão executivo das Nações Unidas.

A tentativa francesa surge nestes moldes porque, historicamente, os EUA têm vetado as resoluções da ONU contra os atos de Israel de forma sistémica: são já 53 vetos desde 1972, o último dos quais na passada segunda-feira. O pedido de Biden, entenda-se, parece bem menos consequente quando o seu homem-forte para a diplomacia, Antony Blinken, não se compromete a passar das palavras aos atos.

Enquanto os decisores da alta política discutem entre si, são os mais frágeis que sofrem. Bem mais perto de nós, uma situação não tão mortal, mas ainda assim alarmante, é também o resultado dessa lógica: os migrantes presos entre Espanha e Marrocos.

Desde a disponibilidade espanhola em hospitalizar o secretário-geral do movimento de independência saarauí Frente Polisário — algo entendido como uma provocação pelos marroquinos — até ao relaxamento da vigilância policial marroquina nas fronteiras com Ceuta, foram vários os episódios que levaram à pior situação diplomática dos últimos 20 anos entre os dois países.

A decisão de Marrocos em permitir a passagem descontrolada de migrantes para os enclaves espanhóis resultou na entrada de 8.000 pessoas em situação ilegal em Ceuta. Como resposta, Madrid já devolveu 5.600 — pelo meio, a União Europeia disse que não seria “vítima das táticas” de Rabat.

A situação, todavia, já começou a normalizar, visto que a polícia marroquina já encerrou a passagem de fronteira de Tarajal, interrompendo o êxodo migratório e provocando a ira de alguns migrantes, que apedrejaram a polícia em resposta aos controlos restabelecidos. Já Espanha aceitou acolher cerca de 200 menores desacompanhados, espalhando-os pelas suas comunidades autónomas. Fica no entanto para a memória: neste jogo diplomático, as fichas foram seres humanos a passar de lado em lado.

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