Com Ferro em Lisboa, vai Brandão a Sevilha
No rescaldo do Portugal-França, garantida a passagem da Seleção Nacional aos oitavos de final do Euro2020, a satisfação e o alívio por ver mais um desafio ultrapassado adquiriram um sabor um pouco mais amargo com as declarações do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues.
Talvez tomado pela euforia de uma passagem que nem sempre esteve na mão da Seleção, um dos representantes máximos da nação disse esperar que os portugueses se deslocassem “de forma massiva para o sul de Espanha”. Mais concretamente, para Sevilha, cidade onde decorre o jogo de Portugal com a Bélgica este domingo.
O apelo caiu mal e as palavras de Ferro Rodrigues adquiriram cambiantes de irresponsabilidade, não só porque a própria cidade espanhola atravessa uma fase da pandemia bastante complicada, mas porque Portugal em si mesmo está perante um agravamento da Covid-19 que ameaça o verão, com tudo o que isso implica, social e economicamente.
Apenas um dia depois destas declarações, o Governo anunciou um travão no desconfinamento — em alguns concelhos até houve recuos — e manteve as restrições de circulação para entrar e sair da Área Metropolitana de Lisboa. É certo que o país não é a capital nem as suas áreas circundantes, e, em teoria, qualquer cidadão nacional pode viajar para Espanha, mas dado os desenvolvimentos do último mês e meio, ter um representante nacional a apelar a qualquer forma de ajuntamento fez levantar sobrolhos.
Tudo isto poderia não ter passado de um “faux pas” do presidente da Assembleia da República a esquecer rapidamente, não tivesse o próprio reforçado as suas palavras. No encerramento da sessão plenária de quinta-feira, Ferro Rodrigues, após desejar bom fim de semana aos deputados, deixou como acrescento “os que puderem em Sevilha, claro”.
Não se colocando em causa a sua presença em Espanha no curso das suas funções como representante, algo nas palavras de Ferro Rodrigues parecia ganhar contornos de desafio. Se António Costa e o Governo se recusaram a comentar, o Presidente da República, porém, decidiu pôr sal na fervura. "Eu acho que aquilo foi a expressão de uma ideia que nós percebemos que é os que puderem ir que vão para termos um apelo significativo à seleção, mas está implícito que respeitem as regras e que só vão aqueles que possam ir, foi assim que eu li", disse.
A “questão sevilhana” adensou-se com o anúncio por parte da Presidência que a presença de Marcelo em Sevilha nem sequer estava garantida, apesar de ter sido aprovada pelo Parlamento. Apesar de já ter o Certificado Digital Covid — permitindo-lhe, enquanto cidadão, sair de Lisboa apesar das restrições, e entrar noutros países —, o chefe de Estado preferiu analisar primeiro a situação pandémica em Sevilha para decidir sobre a sua deslocação no domingo.
Hoje, por fim, obtivemos a conclusão de toda esta sequência: nem Marcelo nem Ferro Rodrigues vão a Sevilha. A situação epidémica na Andaluzia obrigou o Presidente da República a tomar essa decisão e o presidente da Assembleia da República, seu convidado, também ficará por Lisboa.
Ferro Rodrigues, ainda assim, reforçou uma vez mais a sua posição. Justificando-a com não ter gostado de ver em Budapeste “80% dos presentes contra a nossa seleção”, o seu gabinete adiantou que “Sevilha é muito mais próxima”, que “Portugal não é Lisboa” e que “a sul do Tejo existem e vivem milhões de portugueses”.
Apesar de contrariado, o presidente da Assembleia da República teve de se contentar com uma outra solução. Em conjugação com o primeiro-ministro e o Presidente da República, foi definido que seria Tiago Brandão Rodrigues, o ministro da Educação (área de governação que, não esqueçamos, abrange o Desporto), a representar o país.
De acordo com o esquema definido pelos três representantes máximos do país, e se Portugal se qualificar até à final da prova, nos quartos de final estará presente o presidente da AR, Ferro Rodrigues, nas meias-finais será a vez do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e, na final, prevista para Londres, estarão os três, PR, PAR e o primeiro-ministro, António Costa.
Quer se fique por cá ou se vá a Sevilha, resta aguardar que Portugal amanhã vença a Bélgica, quer seja massivamente ou não.
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