As pazes de Zelensky e de Erdoğan

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

São muitas as previsões para a paz, poucas as otimistas. A de Volodymyr Zelensky não é exceção. Esta quinta-feira, após o encontro com António Guterres e o presidente da Turquia Recep Erdogan, o presidente ucraniano descartou a paz com a Rússia enquanto Vladimir Putin não retirar as suas tropas da Ucrânia.

Zelensky confessou ainda aos jornalistas presentes que estava "muito surpreso" ao ouvir Erdoğan dizer que a Rússia estava "pronta para algum tipo de paz". “Pessoas que matam, violam, atacam as nossas cidades civis com mísseis de cruzeiro todos os dias não podem querer a paz. Deveriam primeiro abandonar o nosso território, e então veremos”, declarou o governante ucraniano.

O encontro de hoje ganhou maior importância depois da notícia divulgada pela agência oficial russa TASS que referiu que "Erdoğan planeia oferecer-se para retomar o processo de negociação de Istambul e fazer da Turquia uma plataforma para uma reunião entre os presidentes da Rússia e da Ucrânia".

Mais uma vez o presidente turco quer ser protagonista, depois de já ter colhido os méritos pelo acordo de Istambul que permitiu a saída de cereais da Ucrânia, assumindo-se  como o grande equilibrista, incontornável e única personagem-ponte entre as democracias liberais do Ocidente e a Rússia.

Vale a pena recordar uma crónica de Francisco Sena Santos sobre o tema:

Sendo presidente da Turquia, país membro da NATO, Erdoğan participa no Conselho Atlântico, e ao mesmo tempo que dá apoio à Ucrânia (fornece-lhe drones Bayraktar que são instrumento valioso para a guerra), entende-se bem com Putin.

O ”sultão” turco é o único dirigente da NATO que desde o começo em 24 de fevereiro da invasão russa da Ucrânia, manteve sempre aberta uma linha de comunicação cordial com o Kremlin.

Putin quis encontrar-se com Erdoğan na primeira viagem que fez fora do mundo ex-soviético depois de desencadeada a guerra: reuniram-se em 19 de julho em Teerão. Numa cimeira a dois e também a três com o presidente do Irão. Três dias depois, a 22 de julho, Erdoğan acolhia em Istambul António Guterres e os ministros da Defesa da Rússia e das Infraestruturas da Ucrânia para a muito habilmente coreografada assinatura do “Acordo sobre os Cereais”, determinante para que o milho e o trigo do grande celeiro ucraniano chegue ao mundo mais ansioso por cereais, em especial ao Médio Oriente e a África. Guterres chamou a este protocolo de Istambul “farol de esperança”.

Já na sua intervenção, hoje, Erdoğan disse que a Turquia continua os "esforços para uma solução". "Temos estado e continuamos a estar do lado dos nossos amigos ucranianos”, disse, antes de sublinhar o “exemplo histórico” que foi o acordo sobre os cereais, alcançado no final de julho, em Istambul.

Desde que o acordo entrou em vigor, em 1 de agosto, 25 navios transportaram cerca de 625 mil toneladas de cereais que estavam retidos nos portos ucranianos, referiu.

“Não só a Ucrânia, mas o mundo inteiro começou a sentir os reflexos positivos do acordo de Istambul, que tornou possível a exportação segura de cereais para os mercados mundiais através do Mar Negro”, afirmou, citado pela agência turca Anadolu.

Erdogan disse que avaliou com Zelensky e Guterres “possibilidades de transformar numa paz permanente a atmosfera positiva criada pelo consenso de Istambul”.

“Pessoalmente, mantenho a minha convicção de que a guerra acabará por terminar à mesa das negociações”, afirmou Erdogan, referindo que Zelensky e Guterres “estão de acordo sobre este ponto”.

Erdogan considerou ser necessário “identificar o caminho mais curto e mais justo para a mesa de negociações”, e reafirmou a oferta da Turquia para relançar as negociações entre a Ucrânia e a Rússia.

“Estamos prontos a desempenhar novamente o papel de facilitador ou mediador para fornecer todo o tipo de apoio para este objetivo”, disse.

São duas pazes diferentes, aquela com que começa e acaba este artigo, ambas ambicionam o mesmo resultado, mas provavelmente por motivos diferentes.

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