Pobreza, o grande desafio português dos próximos tempos
Eis três indicadores que devem preocupar grandemente os decisores políticos:
- Em 2019, cerca de 10% das pessoas que trabalhavam em Portugal em 2019 eram pobres — ou seja, uma em cada 10, 439.242 de um total de 4,5 milhões de pessoas. Estes números, porém, podem pecar por muito escassos, dado que são anteriores à pandemia da covid-19 e à atual crise financeira — e contabilizam apenas pessoas empregadas. A tendência, alerta Susana Peralta, economista e uma das autoras do relatório onde se contabilizam estes dados, é para a pobreza aumentar, face à inflação.
- Uma métrica mais recente e igualmente alarmante foi registada pelo Eurostat: cerca de uma em cada quatro crianças portuguesas com menos de 18 anos (22,9%) vivia, em 2021, em situação de pobreza ou exclusão social.
- Falando em inflação: a taxa de inflação em Portugal atingiu em outubro os 10,2%, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE). É o valor mais elevado desde desde maio de 1992.
Tudo somado, e tendo em conta que as circunstâncias que provocaram esta crise — a Guerra da Ucrânia, em particular — não mudarão tão cedo, o país pode ter de se preparar para um choque pesado nos próximos tempos.
Um sinal de preocupação do lado de quem manda chegou hoje da parte da Presidência da República. Marcelo Rebelo de Sousa reuniu o Conselho de Estado e as conclusões do mesmo foram tão óbvias quanto pertinentes: mitigar a inflação e combater a pobreza.
"Foi realçada a importância de concretizar políticas que permitam mitigar a inflação e seus efeitos e incentivar o crescimento, tendo como preocupação o combate à pobreza, a diminuição das desigualdades sociais e bem-estar dos cidadãos. E conjugando exigências prementes de curto prazo com perspetivas de médio e longo prazo", lê-se no comunicado emitido depois da reunião no Palácio da Cidadela, em Cascais.
Marcelo tem insistido neste tema: há uma semana, em Susa, no concelho de Vila Nova de Gaia, o Presidente da República salientou que, com ou sem guerra, é urgente que os números da pobreza se reduzam até 2030.
"A estratégia de combate à pobreza, já uma necessidade antes da guerra. Estamos perto de dois milhões de pessoas, não saímos daí. Mas independentemente da guerra, temos de reduzir a pobreza em Portugal até 2030", salientou.
Recai agora a responsabilidade nas mãos do executivo de António Costa. Com o Orçamento do Estado para 2023 aprovado ontem na generalidade, o Governo tem as condições necessárias para aplicar políticas de apoio social e mitigação da pobreza. Contudo, mantém-se a imposição das “contas certas” e da redução da dívida pública.
O cenário vivido nos últimos dois dias na Assembleia da República foi um que há bastante não se via em São Bento: unanimidade do hemiciclo nas críticas ao Governo, com a óbvia exceção da maioria do PS.
Da esquerda à direita, somam-se as críticas de que o projeto socialista vai invariavelmente levar a maior pobreza, por não contrapôr a perda de poder de compra provocada pela subida da inflação. Com Marcelo atento, caberá a Costa provar que os seus opositores estão errados.