Quando celebrar o Natal é um ato de resistência

Inês F. Alves
Inês F. Alves

Dez meses depois daquele fatídico 24 de fevereiro em que a guerra voltou à Europa, as armas não se silenciaram e, em véspera de Natal, 16 civis perderam a vida e 72 ficaram feridos após mais uma ofensiva russa na Ucrânia.

A destruição provocada por esta "guerra sem sentido" — palavras do Papa Francisco — prossegue, indiferente a tudo. Talvez por isso na Ucrânia este não seja apenas mais um Natal, mas antes um ato de resistência.

O presidente do país, Volodymyr Zelensky, urgiu hoje os seus compatriotas a celebrar as festas "como sempre", "cantando canções de Natal mais alto do que o som de um gerador", felicitando familiares, "mesmo que a comunicação e os serviços de internet não estejam a funcionar", porque "nenhum drone é capaz de apagar o amanhecer do Natal".

Alguns, levando-o à letra, vestiram trajes tradicionais e foram cantar músicas de Natal para o metro de Kiev (na foto). Outros decidiram mesmo antecipar a celebração do nascimento de Jesus, de 7 de janeiro para 25 de dezembro, num gesto simbólico de "divórcio" para com a tradição russa.

(A Igreja Ortodoxa Russa, que reclama a soberania sobre a ortodoxia na Ucrânia, e algumas outras igrejas ortodoxas orientais continuam a utilizar o antigo calendário juliano, em que o Natal acontece 13 dias mais tarde, a 7 de janeiro.)

Assim, hoje, como em toda a região de Kiev, Bobrytsia começou o dia com o som das sirenes a alertar para possíveis bombardeamentos, mas isso não impediu muitos de se reunirem na igreja para assistir, pela primeira vez, a uma missa de Natal em 25 de dezembro.

No campo de batalha ucraniano joga-se mais do que a geografia de um país, há uma guerra cultural em curso que, antecipa-se, prolongar-se-á muito além do momento em que se pousarem as armas.

Esse dia, porém, não se avizinha perto. A Rússia diz-se "pronta a negociar", mas os atos não parecem sustentar as palavras. A Ucrânia não acredita em Putin e acusa-o de querer fugir às suas responsabilidades.

“Recordarei àqueles que se propõem ter em conta as iniciativas de ‘paz’ de Putin que neste momento a Rússia está a ‘negociar’, matando os habitantes de Kherson, exterminando Bajmut, destruindo as redes de Kiev e Odessa, torturando civis em Melitopol… A Rússia quer matar com impunidade”, escreveu Mikhail Podoliak, o principal conselheiro da Presidência ucraniana no Twitter.

Para muitos ucranianos este Natal foi mais cedo, mais escuro, mais frio e, muito possivelmente, longe de casa, mas o que dez meses de guerra mostraram é que não é fácil quebrantar o espírito de um povo.

"Veremos a luz [do amanhecer de Natal] ainda que debaixo da terra num abrigo antibomba". As palavras são de Zelensky e ficarão para a história de 2022 que, a passo célebre, se aproxima do fim.

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