As provas, e a sua “falta de sustentação”, apontadas pelo advogado de defesa
O advogado de Diogo Lacerda Machado, detido no âmbito da investigação aos negócios do lítio e hidrogénio, disse que faltam provas que sustentem o processo e espera que no final se "possa manter o Ministério Público de pé".
As declarações de Magalhães e Silva à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça, em Lisboa, onde consultou dezenas de volumes do processo, levantam dúvidas sobre se o peso das provas é suficiente para a queda de um governo.
Houve precipitação do Ministério Público?
“Até este momento, a falta de provas que não estão reunidas e os factos tais como estão descritos é efetivamente uma situação grave relativamente à criminalização de processos políticos”, disse o advogado aos jornalistas, que, questionado, acrescentou que perseguição “não é a expressão adequada” para descrever a tese do MP, considerando-a “apenas uma errada qualificação por parte do MP daquilo que é um processo político-administrativo”.
Manuel Magalhães e Silva disse que o que encontrou nos autos foi “a criminalização de um processo político-administrativo”, sem “provas inequívocas de qualquer situação de corrupção”. “Quando chegarmos ao fim espero que isto possa manter o Ministério Público (MP) de pé”, disse ainda o advogado.
Há medida que as horas passam, surgem novas informações (e mais provas).
Segundo os procuradores que investigaram as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, há mais de 20 escutas telefónicas que envolvem António Costa, escreveu esta manhã o jornal Observador. As escutas que envolvem o primeiro-ministro não são resultado de uma ação direta, mas antes porque este falou com alguém que estava sob escuta, escreve o jornal.
Há ainda a suspeita de que António Costa saberia que estava a ser escutado, isto porque numa conversa com o ex-ministro Matos Fernandes se terá exaltado perante a insistência deste em falar sobre assuntos relacionados com os projetos de lítio e hidrogénio dizendo: “Já te disse, falaremos disso mais tarde!”. O primeiro-ministro terá ainda combinado dois encontros presenciais para falar sobre este tema, escreve o mesmo jornal, citado pela Lusa.
Segundo o Observador, o primeiro-ministro respondeu “não saber a que conversas se referem”, recusando ainda que soubesse que algum dos membros do seu governo estava sob escuta.
Magalhães e Silva sublinha que através das provas que consultou se pode “verificar que efetivamente não há nada de irregular” no processo e referiu, em relação às escutas que envolvem o primeiro-ministro, António Costa, que “em 99% dizem respeito às relações privadas entre as pessoas”, pelo que não têm relevância para o processo, e que a única que poderá ter relevância é a que deu origem à investigação autónoma que corre no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e sobre a qual não quis fazer comentários.
O advogado acrescentou também que na consulta do processo essa foi a única escuta relevante que encontrou, pelo que acredita que seja a única, referindo que, se existissem outras, “deixavam rasto”, declarou.
Sobre o seu cliente, Lacerda Machado, o advogado disse que foi nos factos em causa neste processo um “elo entre investidores e o Governo”, tendo desempenhado uma “função útil” num projeto que seria o segundo maior no país depois da Autoeuropa, com um investimento de 3,5 mil milhões de euros e que poderia chegar aos 27 mil milhões de euros.
“Portanto, o que se estava a tratar era de um projeto de altíssimo interesse para Portugal, com a representatividade que isso comporta e em que foi feita a ligação entre os investidores privados e as várias autoridades do Governo, institutos públicos e outras entidades que possam intervir”, disse Magalhães e Silva.
Projeto de 3,5 mil milhões de euros em troca de almoços e jantares?
No despacho do Ministério Público a que a Lusa teve hoje acesso, constam vários almoços e jantares entre Afonso Salema, Rui Oliveira Neves e João Galamba.
“João Galamba recebeu almoços e jantares pagos em troca de um negócio de 3 mil milhões de euros. Faz algum sentido?”, questionou, esta tarde, o comentador e escritor Henrique Raposo na SIC Notícias.
Afonso Salema e Rui Oliveira Neves são sócios da Start Campus, a empresa que iria implementar um Data Center em Sines. Um dos almoços referenciados, em 28 de setembro de 2022, no restaurante "Trinca Espinhas", em Sines, teve um custo de 564,45 euros, pago na totalidade por Afonso Salema.
Contudo, o MP afirma que no decurso desse almoço, João Galamba assegurou a Afonso Salema que iria aprovar os atos necessários ao reforço da capacidade de injeção da rede elétrica de Sines, por forma a abranger o Data Center.
Segundo o despacho de indiciação do MP, o arguido João Galamba "agiu livre e lucidamente em conjugação de esforços e de fins" com os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves (sócios da Start Campus), bem como com Diogo Lacerda Machado (advogado, consultor e amigo do primeiro-ministro António Costa) e Vítor Escária (chefe de gabinete do primeiro-ministro), decidiu ilegalmente “nos procedimentos administrativos e legislativos relativos à Start Campus e imprimindo maior celeridade" à apreciação do negócio em causa.
Considera o MP que recai sobre João Galamba e Nuno Lacasta os "deveres de igualdade, proporcionalidade, justiça, isenção, imparcialidade, rigor, transparência e legalidade na atuação da administração" pública, deveres esses que ambos “violaram com intenção de beneficiar indevidamente, como beneficiaram, a arguida Start Campus e o respetivo Data Center de Sines, ferindo a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e a credibilidade destas".
Com maior detalhe, o despacho do MP menciona que em 19 de outubro de 2020, Diogo Lacerda Machado e outras pessoas reuniram-se pelo menos com Galamba - então secretário de Estado Adjunto e da Energia - a quem apresentaram o projeto.
Na mesma data, adianta o documento, Galamba contactou telefonicamente com Hugo Mendes - então secretário de Estado Adjunto e das Comunicações - transmitindo-lhe que tinha mantido a dita reunião e, referindo-se aos promotores do projeto, declarou: "aquilo é uma empresa irlandesa, duas empresas portuguesas, um fundo Americano e o Diogo Lacerda Machado".
No decurso dessa reunião, Diogo Lacerda Machado e os demais representantes do projeto transmitiram a João Galamba que pretendiam receber do Governo "apoio político" e "apoio no licenciamento".
No dia seguinte, em conversa telefónica com um seu amigo, Galamba refere que "querem apoio político e no licenciamento".
À pergunta do amigo sobre se "o primeiro-ministro já percebe a importância disto", responde: "Há pessoas à volta dele que percebem".
Dias depois, Diogo Lacerda Machado e outras pessoas reuniram-se pelo menos com Pedro Siza Vieira - então ministro de Estado da Economia e da Transição Digital - a quem também apresentaram o projeto.
Após a implementação do projeto, mormente com a aquisição do capital da Start Campus por empresas investidoras, este foi apresentado em 23 de abril de 2021 num evento, na qual estiveram presentes, juntamente com Afonso Salema, Galamba, Siza Vieira e o próprio primeiro-ministro, António Costa.
O MP afirma que Afonso Salema e Rui Oliveira Neves passaram a contactar diretamente e com muita regularidade João Galamba, mesmo depois de este último iniciar funções como ministro, sendo que tais contactos tiveram lugar não apenas em reuniões formais na Secretaria de Estado ou Ministério, mas também em refeições e troca de mensagens.
A investigação aos negócios do lítio e hidrogénio, que deu origem à demissão do primeiro-ministro, tem nove arguidos, cinco dos quais estão detidos: Vítor Escária, Diogo Lacerda Machado, Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, Afonso Salema e Rui Neves, administradores da sociedade Start Campus.
Entre os arguidos estão ainda João Tiago Silveira, advogado e antigo porta-voz do PS, e a empresa START – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus SA.
No âmbito da investigação, António Costa é alvo de um inquérito autónomo do MP no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos do processo terem invocado o seu nome como ter tido intervenção para desbloquear procedimentos administrativos e legislativos relacionados com os projetos.
Os cinco arguidos detidos estão em processo de interrogatório no Campus da Justiça, em Lisboa. Pelo que se sabe, até ao momento, há mais escutas por transcrever. A acusação do MP assenta essencialmente em escutas telefónicas.
Em causa estão os crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência.
*com Lusa