A 30 de novembro de 2022, o mundo deixou de ser o mesmo. A OpenAI lançava para o mercado uma versão beta do ChatGPT sem a expectativa (achamos nós) de que nas semanas seguintes viesse a tornar-se um fenómeno mundial, colocando todos nós a discutir inteligência artificial. É essa a beleza de uma tecnologia que rapidamente mostrou ter aplicações tanto para o utilizador comum como para milhões de empresas que subitamente viram na IA generativa o potencial ponto de inflexão nas suas carreiras ou nos seus negócios.

Passou quase um ano e muita coisa mudou para a OpenAI e para o seu CEO, Sam Altman. Hoje, só o ChatGPT é usado por 100 milhões de pessoas semanalmente e milhares de empresas utilizam as diferentes APIs da OpenAI para integrar as suas ferramentas nas respetivas plataformas. O potencial demonstrado levou a Microsoft a colocar 13 mil milhões de dólares (cerca de 11,9 milhões de euros) na empresa e a torná-la num dos principais eixos estratégicos na guerra com a Google e a Amazon. A OpenAI Dev Conference, que decorreu há duas semanas, mereceu uma atenção digna das apresentações de Steve Jobs com a Apple e mostrou uma empresa que já está longe das ambições de non-profit com que foi fundada.

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E é provavelmente aí que reside o seu maior problema e a razão para o despedimento de Sam Altman como CEO, anunciado pela OpenAI, na passada sexta-feira.

Uma dinâmica pouco sustentável

Altman é hoje uma das figuras mais incontornáveis do mundo tecnológico. Com 38 anos, ganhou proeminência primeiro como CEO da Y Combinator, uma das principais aceleradoras e investidoras early-stage de startups, foi angel investor em empresas como a Airbnb e a Stripe e, mais recentemente, com a OpenAI, tornou-se numa espécie de Oppenheimer da inteligência artificial, a principal cara que associamos à tecnologia, para o bem e para o mal.

Quando foi fundada em 2015 por Altman e uma pool de outros investidores como Elon Musk e Reid Hoffman, a OpenAI foi estruturada como uma organização não lucrativa. Em 2019, mudou os seus estatutos para uma empresa de mercado, mas sem uma “board tradicional”, isto é, um grupo de investidores e advisors cujo objetivo é maximizar o lucro dos acionistas. Em vez disso, tinha uma direção independente, cujo objetivo era garantir que as tecnologias que estavam a ser desenvolvidas recorrendo a inteligência artificial eram benéficas para a sociedade como um todo.

Ao longo dos últimos meses, várias têm sido as conversas sobre os efeitos nocivos que a IA generativa pode ser na segurança das organizações, na proteção da nossa privacidade e até na forma como olhamos para direitos de autor, seja num texto, numa imagem, num vídeo ou numa melodia. O potencial interativo e de criação é um ótimo selling point para uma organização à procura de fazer marketing dos seus produtos e aumentar as suas vendas. Contudo, para um grupo independente criado para zelar pelo bem comum (ou naquilo que interpreta como bem comum) pode significar más notícias.

Até há poucos dias, a Board da OpenAI era composta por seis pessoas com poder de voto, mas sem qualquer capital na organização, um cenário tipicamente encontrado numa non-profit, mas não numa “agora” startup que se tornou uma das empresas mais badaladas do mundo inteiro. Isto significa que seis pessoas sem “qualquer dinheiro em jogo” têm na teoria mais força do que investidores como a Microsoft. Não necessariamente algo de errado quando falamos de uma tecnologia tão poderosa como a IA, mas parece ser uma dinâmica pouco sustentável a médio-longo prazo.

Quem são estas seis pessoas? Sam Altman (o próprio); Greg Brockman (Presidente da Board); Ilya Sustskever (Co-Founder OpenAI); Helen Toner (Diretora de um hub tecnológico na universidade americana de Georgetown); Adam D’Angelo (CEO da Quora) e Tasha McCauley, um empreendedor tech. Três pessoas mais ligadas ao dia-a-dia da empresa e outras três num cargo de supervisão.

Um despedimento e um regresso?

Os detalhes completos sobre a reunião de sexta-feira que levou ao afastamento de Sam Altman ainda estão para ser 100% esclarecidos, apesar da multitude de opiniões que se veem ser escritas pelo LinkedIn e pelo Twitter. No entanto, segundo o que comunicam meios como o The New York Times e o The Verge, esta terá sido a ordem de acontecimentos.

  • Antes da reunião de sexta, já parecia haver duas ideologias diferentes dentro da OpenAI. Uma ala mais ligada a Altman, apostada na relação com investidores e no posicionamento estratégico da empresa no mercado. Uma ala mais purista, da qual Elon Musk e alguns membros da Board fazem parte, que queria que a organização mantivesse os seus produtos open-sourced (abertos a todos) e com um posicionamento mais filantrópico. Sendo o objetivo da OpenAI a criação de AGI (Artificial General Intelligence), a reprodução de inteligência humana, o ponto-chave é saber se devia ser a empresa a controlar quem lhe pode aceder ou não.
  • A relação com a Microsoft. O facto de o modelo GPT4 já não ser de uso público. Os rumores de mais uma ronda de investimento que avaliava a empresa em 86 mil milhões de dólares. A apresentação de uma gama de produtos (na Open AI Dev), cuja existência era desconhecida para alguns executivos. São estas algumas das razões atribuídas para a reunião marcada pela Board da OpenAI.
  • Na reunião de sexta, a Board terá demonstrado não ter mais confiança na capacidade de liderança de Altman e procedeu a uma votação para o remover do cargo que, para ser bem-sucedida, necessitaria de quatro votos a favor (dos seis possíveis). Poucos minutos depois, a OpenAI lançava um press release para a imprensa, informando que Sam Altman tinha sido destituído de CEO pela incapacidade de ter “uma comunicação transparente com a Board”. No mesmo documento, a CTO Mira Murati era nomeada como CEO interina.
  • Após a comunicação da OpenAI, Greg Brockman (Presidente da Board) anunciou que, face à decisão, também se demitia e que não tinha marcado presença na dita reunião. Horas mais tarde, também surgiam relatos de que a Board não tinha falado previamente com investidores, nomeadamente a Microsoft, sobre a decisão que iam tomar e que se limitou a informá-los alguns minutos antes.
  • Já no sábado, surgiam nos principais meios alguns rumores de que Sam Altman se preparava para lançar um novo projeto IA e que muitas pessoas dentro da OpenAI (tem atualmente 700 empregados) estavam preparadas para abandonar a empresa e seguir o seu ex-líder.
  • No decorrer do fim de semana, começaram a surgir relatos de que devido a pressões dos investidores (Microsoft, Sequoia, Tiger Global) e players da indústria, a Board estava a considerar voltar atrás com a sua decisão, mas que agora era Altman que não sabia se queria regressar a não ser que algumas alterações fossem feitas na estrutura organizacional da empresa.
  • Mais tarde, foi revelado que, na realidade, era a própria CEO interina Mira Murati que estava a negociar o regresso de Altman. Ou seja, a pessoa nomeada pela Board para substituir temporariamente Altman estava, após dois dias no cargo, a decidir sobre o regresso do seu ex-chefe.
  • Quando tudo parecia indicar que Altman podia retornar à OpenAI já esta segunda-feira, a novela ganhou novos contornos. A Board nomeou um novo CEO interino, Emmett Shear (ex-CEO da Twitch) e afastou Mira Murati. Sam Altman, naturalmente, abandonou as negociações.
  • Já esta manhã, Satya Natella, CEO da Microsoft, anunciou que a empresa se mantinha comprometida com a OpenAI (incluindo o novo CEO interino) e que tinha contratado Sam Altman e Greg Brockman para liderarem uma nova equipa AI dentro da própria Microsoft, sem revelar grandes detalhes.

O que podemos esperar

Os últimos dias vão deixar marca na OpenAI. Não só na própria estrutura da empresa (quantas pessoas saíram com Altman?), mas também na sua perceção de mercado. A instabilidade dos últimos dias e saída do líder que, nos últimos anos, tinha fechado as principais parcerias e investimentos, vai impactar o negócio e a própria valorização da empresa. Como exatamente é algo que só vamos descobrir nas próximas semanas.

Há também uma curiosidade natural em perceber o futuro da Microsoft. A contratação de Altman parece indicar um plano B da empresa caso o caos dos últimos dias na OpenAI continue a escalar. Natella estará a pensar que na eventualidade de não conseguir recuperar o investimento feito na startup, o melhor cenário será ficar com as pessoas que desenvolveram os modelos IA e recriar tudo internamente. Isto assumindo que muito do staff da OpenAI irá acompanhar Altman neste novo projeto.

Não tendo havido mais comunicações oficiais de nenhuma das partes envolvidas (sem ser alguns tweets de Sam Altman), neste momento existem mais questões do que perguntas.

É uma história que vamos continuar a acompanhar.