Nota: Artigo atualizado às 19:39. Acrescenta a informação de que a Apple ultrapassou a Microsoft em capitalização de mercado e é agora novamente a empresa mais valiosa do mundo.
É na conferência anual de programadores (a WWDC) que a Apple apresenta as suas grandes atualizações de software e anuncia com toda a pompa e circunstância os novos dispositivos. No entanto, este ano houve uma mudança nesse paradigma. A tecnológica deixou de lado a conversa sobre gadgets e carregou prego a fundo naquilo que há dias se vinha a escrever nos sites da especialidade: que a apresentação desta segunda-feira iria ser para informar o mundo que a IA ia chegar finalmente aos iPhones, iPads e Macs.
Porque é que isto é relevante? Basicamente porque a Apple é uma das últimas Big Tech a adotar a IA generativa (tecnologia estilo ChatGPT) nos seus produtos e a navegar pelos mares com a bandeira IA içada. Tanto que, como lembra a Wired, viu-se na posição de precisar de fazer uma parceria com uma empresa de IA mais estabelecida para não perder o comboio.
Se em abril surgiram rumores de que iria iniciar uma parceria estratégica com a Google, esta semana a Apple confirmou aquilo que também já vinha a ser dado como certo pela imprensa: que iria fazer uma parceria com a OpenAI para dinamizar o seu primeiro “grande pacote” IA. (Algo que aparentemente deixou Elon Musk zangado, já que veio ameaçar proibir os dispositivos Apple das suas empresas devido a esta parceria).
- Nota: as parcerias na frente de IA são para continuar, uma vez que o acordo agora celebrado com a OpenAI não é exclusivo. Ou seja, os rumores das conversas com a Google podem ter o seu quê de fundamento.
AI é de Apple Intelligence
Quase todas as grandes tecnológicas estão a mergulhar de cabeça no boom da IA. A Apple ainda não o tinha feito e remou contra a maré nestes tempos, mas esta segunda-feira levantou o véu sobre o sistema “que coloca os modelos generativos poderosos no core dos iPhone, iPad e Mac”. A nota a retirar? Até pode ter entrado tarde na conversa, mas no planeta Cupertino AI é de Apple Intelligence e não de Artificial Intelligence como no resto mundo.
A apresentação do sistema aconteceu durante o já célebre keynote anual, que em 2024 demorou 1h43m. E numa compilação de vários vídeos pré-gravados naquele estilo típico meio cinemático coreografado a que a Apple já nos habitou, a marca da maçã partilhou a sua visão para o futuro e mostrou aquilo que os utilizadores dos seus produtos podem esperar das funcionalidades turbinadas a IA (sendo que a Apple insinuou que o seu sistema era mais privado do que os outros porque os dados das pessoas permanecem nos seus iPhones).
Mas das novidades da IA ao novo sistema operativo, passando pelos updates do visionOS (sistema dos óculos), muito se disse e muito se mostrou. Neste artigo, vamos explorar algumas das principais novidades. Para quem quiser ficar a par de tudo ao detalhe, recomenda-se a consulta deste link, que remete para a informação oficial.
É inteligente, mas não é para todos
Apesar das novidades com a IA serem muitas e as funcionalidades apresentadas serem de utilização gratuita, a realidade é que não vai ser uma experiência para todos os utilizadores dos produtos Apple. É que apenas um número limitado de dispositivos terá acesso às mesmas.
Noutros termos: vão estar acessíveis só para quem tem os últimos modelos. Mais especificamente, só quem tem iPhone 15 Pro, bem como o iPad e o Mac com chips M1 ou mais recentes. Ou seja, iPhones mais antigos ou até mesmo o iPhone 15 não poderão utilizar estas funcionalidades.
A Apple fez saber também que as funcionalidades estarão disponíveis para serem testadas numa primeira fase apenas em inglês e que a versão beta da Apple Intelligence estará disponível na altura do lançamento do iOS 18, iPadOS 18 e macOS Sequoia.
A nova Siri: mais inteligente e capaz
De forma algo hilariante, o The New York Times assinalou que uma das grandes mudanças foi o “transplante cerebral de IA” implantado na assistente virtual de 13 anos da Apple.
Ou seja, a Siri não só tem um novo look e vai estar mais integrada no iPhone, aparecendo como uma luz pulsante estilo neon luminoso na extremidade do telefone, como a atualização (operação?) também inclui a integração do chatbot ChatGPT da OpenAI.
Segundo a Apple, a Siri está mais inteligente e mais capaz na hora de determinar a intenção do utilizador e de decifrar informações mais complicadas. Por exemplo, agora já responde a várias questões ao mesmo tempo, uma vez que é suficientemente astuta para perceber que estão relacionadas umas com as outras - algo conhecido no mundo da IA como “consciência contextual”.
Novas funcionalidades no Mail, Mensagens e Fotografias
A IA da Apple vai ajudar a escrever e-mails, resumir textos e pode vir a dar uma ajudinha também a escrever mensagens de texto e a editar ou a procurar fotografias.
- Exemplo: uma pessoa pode fazer uma descrição de uma imagem e a IA procura a foto consoante a descrição feita — encurtando o tempo de procura e a máquina fazendo o trabalho do dedo humano que estaria a fazer um possível longo scroll.
Há ainda uma nova ferramenta mágica que coloca a imagem mais bonita ou “remove” pessoas ou objetos indesejados (ferramenta útil, mas, na verdade, é semelhante ao que já é possível fazer nos aparelhos da Samsung, pelo que não é uma novidade).
Genmoji
A IA também vai permitir a criação de imagens e emojis personalizados em tempo real num “image playground” batizado de Genmoji. Isto é, com umas meras instruções, o utilizador pode gerar emojis que correspondam ao que está a escrever. Aqui, pode-se misturar emojis clássicos ou criar algo novo que seja mais específico. A ideia passa por criar o emoji ou imagem do estado de espírito do momento para tornar a conversa mais interativa.
Exemplos práticos da Apple Intelligence
- Durante a apresentação, a Apple mostrou uma funcionalidade que respondeu à questão “quando é que o voo da minha mãe aterra?”. Para o fazer e dar uma resposta, a IA recorreu aos dados inseridos nas aplicações instaladas no telefone;
- No novo Modo de Concentração (funcionalidade que ajuda a reduzir as distrações e estabelecer limites), designado “reduzir interrupções”, a IA faz a seleção das notificações mais importantes e silencia a maioria das outras;
- Na aplicação Notas, as fórmulas e equações introduzidas durante a escrita são resolvidas instantaneamente com a funcionalidade "Notas de Matemática";
- Com as novas ferramentas de escrita integradas, os utilizadores podem reescrever, rever e resumir texto em basicamente tudo o que é app que dê para escrever (i.e, Mail, Notas, Pages e outras aplicações de terceiros).
Ainda no iOS 18: Mais personalização e privacidade
A próxima grande atualização do iOS fica disponível lá mais para o final do ano. Mas uma alteração além IA que, se calhar, os utilizadores vão apreciar, vai ser a possibilidade de personalizar o ecrã mais a gosto, como mudar a cor e a organização dos ícones (quem usa Android vai rir neste ponto, mas no ecossistema Apple é o possível).
Para quem gosta da sua privacidade e não quer partilhar nada do que é a sua vida pessoal no ecrã do seu telemóvel, esta atualização vai permitir “esconder” aplicações numa pasta bloqueada que só pode ser acedida através da verificação do Face ID.
Outras novidades: Sequoia, In Sights e outras tais
O novo sistema operativo da Apple para Mac chama-se Sequoia. A funcionalidade que mais se destaca dá pelo nome de iPhone Mirroring e permite sincronizar o iPhone com o Mac e controlar quase tudo no aparelho a partir do ecrã do Mac. É possível fazer chamadas, trabalhar com aplicações e interagir com o ecrã inicial do telefone (que permanece bloqueado enquanto se faz tudo isto).
Quem também vai levar uma atualização é o Safari. Vai passar a existir uma nova funcionalidade chamada Destaquesno browser nativo da Apple, que pode resumir a informação mais pertinente contida num site ou nos resultados de pesquisa (a Google também já testou algo semelhante e não correu muito bem).
Guardar as passwords
Embora já se possa utilizar a conta iCloud para armazenar e sincronizar palavras-passe nos dispositivos Apple, muitos utilizadores não utilizavam a ferramenta porque simplesmente não sabem para que serve ou sequer que existe. Agora, a tecnológica introduziu uma aplicação chamada “Passwords” para resolver este problema.
Para além do que já fazia, a app traz algumas funcionalidades que incluem uma nova coluna que permite navegar mais facilmente pela “coleção” de palavras-passe. Por exemplo, podemos escolher ver todas as nossas palavras-passe, apenas as palavras-passe de Wi-Fi (algo novo), chaves de acesso ou códigos que não estejam relacionados com um site ou serviço.
iPad faz o TPC
O iPad vai receber algumas atualizações ao nível da interface para melhorar a experiência do utilizador e torná-la mais intuitiva. Mas segundo se lê nos sites da especialidade, a principal novidade talvez seja o facto de a Apple levar finalmente a “velhinha” calculadora para o iPad. No entanto, esta calculadora vem renovada e não só faz o que é suposto - cálculo -, como vem equipada com uma nova funcionalidade chamada Math Notes que permite utilizar o Apple Pencil (ou o dedo) e resolver problemas de matemática de forma visual.
Vision Pro: Fotos espaciais
Os óculos Vision Pro (ou computador espacial, se formos pela descrição oficial da Apple e dos revendedores) foram lançados em fevereiro, mas o sistema já vai levar com o tratamento de uma primeira (generosa) atualização do sistema operativo.
A maior novidade será a funcionalidade que faz com que as fotografias normais pareçam fotografias espaciais, dando-lhes profundidade e movimento estereoscópicos.
Apple TV+ ganha IMDb
Os 25 milhões de utilizadores do serviço de streaming da Apple não são os quase 270 milhões da Netflix, mas certamente que vão apreciar algumas novidades da nova funcionalidade “In Sights”, que vai revelar os nomes e as caras dos atores que estão no ecrã, bem como as personagens que estão a interpretar. A par, identifica o nome das músicas que estão a dar (no fundo, é o mesmo que a Prime Video faz através de uma funcionalidade chamada X-Ray).
De volta ao trono
Depois de anunciado que a IA vai chegar aos iPhones e demais parentes, os analistas não demoraram a reagir e a expressar as suas opiniões. A mais falada e transversal foi aquela que também animou o mercado bolsista: quem quiser usufruir das novas funcionalidades tem forçosamente de meter mãos nos telefones novos e abandonar os antigos. Por isso, tanto analistas como acionistas parecem acreditar que as vendas dos novos modelos vão voltar a subir (depois de terem caído 10% no ano passado).
Ou seja, é caso para dizer que com IA se tira, mas com IA se paga. Ora, se no início do ano a Microsoft tinha ferrado uma dentada na Apple para se tornar na empresa mais valiosa do mundo à custa da inteligência artificial, agora, meras 48 horas depois de ter anunciado publicamente que vai implementar IA generativa nos seus produtos, a Apple volta a ocupar o trono. À data de hoje, a Apple está com uma capitalização de mercado de 3,29 biliões (dos trillion) de dólares, superando assim a avaliação de 3,24 biliões de dólares da Microsoft.
Não obstante o sucesso na bolsa, há quem tenha recebido a notícia da chegada da IA aos produtos da Apple com alguma falta de entusiasmo e há quem levante a questão da falta de inovação que realmente mudou o quotidiano das pessoas. Mais: se estas funcionalidades com IA valem a troca de aparelho. É fácil de perceber o argumento: ter o ChatGPT a ajudar a compor um texto ou a IA a criar emojis é bem diferente do que, por exemplo, fazer pagamentos apontando simplesmente a câmara do telefone a um QR Code. Uma é uma funcionalidade gira, outra é uma ferramenta realmente útil.
Comprar ou não comprar, eis a questão
Tim Cook diz que esta "abordagem única combina a IA generativa com o contexto pessoal de um utilizador" para proporcionar uma "experiência verdadeiramente útil" e "mal pode esperar" para que os "utilizadores experimentem" o que só a Apple "consegue fazer".
Mas, em jeito de remate, será engraçado perceber se as pessoas estão dispostas a gastar mais de 1000€ (o iPhone 15 Pro na loja da Apple em Portugal custa 1249€) para terem ajuda a escrever e-mails e a criar imagens de IA no telefone ou se passam bem sem essas funcionalidades e continuam com os seus telefones ou, ainda, se vão trocar na mesma de telefone para um modelo mais recente do que o seu, mas que não tem acesso às funcionalidades da IA (como o iPhone 15, por exemplo, que foi lançado no ano passado).
O tempo nos dirá.
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