
No final da manhã desta segunda-feira, 28 de abril, um apagão com origem na rede elétrica espanhola deixou milhões de pessoas sem eletricidade em Portugal e Espanha. O episódio, classificado como “absolutamente excecional” pela REN – Redes Energéticas Nacionais, levou a população a questionar como funciona a estrutura técnica e organizacional do setor elétrico português.
O setor elétrico português assenta em quatro níveis: produção, transporte, distribuição e comercialização. A produção é assegurada por empresas privadas, públicas ou mistas, que operam centrais elétricas com diferentes fontes de energia – hídrica, solar, eólica, gás natural, entre outras. Exemplo dessas empresas são a EDP Produção, Iberdrola e Trustenergy. As centrais ligam-se à rede de transporte operada pela REN, responsável pela gestão da rede de muito alta tensão.
A seguir, a energia passa para a rede de distribuição, gerida pela E-Redes, subsidiária da EDP, que cobre a maioria do território. Outras distribuidoras operam em zonas concessionadas, como cooperativas ou autarquias. A energia chega então aos consumidores finais, através dos comercializadores, entre os quais se incluem a EDP Comercial, Endesa, Galp ou Goldenergy, que compram eletricidade no mercado grossista e a vendem em pacotes contratuais.
Como reerguer uma rede elétrica depois de um “blackout”?
De acordo com a REN, o problema começou com uma oscilação de tensão em Espanha, que se propagou para o resto da Península Ibérica e ativou os mecanismos automáticos de proteção das centrais. Estes sistemas funcionam como os disjuntores que temos lá por casa: quando há instabilidade, cortam a ligação para evitar danos maiores. A quebra abrupta de produção e consumo terá levado a um colapso total da rede.
A resposta passou pelo processo de “black start”. Na prática é um sistema de arranque autónomo. Ou seja, algumas centrais com capacidade de arrancar sem depender da rede elétrica pública são colocadas em funcionamento, nomeadamente a central da Tapada do Outeiro e a de Castelo de Bode. Desta forma, criam-se “ilhas elétricas” que são controladas de forma autónoma.
Depois, aos poucos, o operador da rede volta a ligar outras centrais e cargas de consumo prioritárias e as tais ilhas vão sendo sincronizadas até ser reconstituída a rede nacional. A rede foi restabelecida de forma faseada com prioridade para infraestruturas críticas – hospitais, forças de segurança, transporte de água e comunicações.
À meia-noite, cerca de 6,2 milhões de clientes já tinham eletricidade. O processo prolongou-se pela madrugada de terça-feira. As operações foram feitas manualmente, subestação a subestação, com instruções a partir do centro de despacho da REN.
A eletricidade não tem nacionalidade
A dependência de Espanha para importação não esteve na origem do apagão, afirmou a REN. O operador sublinhou que o sistema português é autónomo e que a escolha por importar energia resulta de critérios económicos, não estruturais. O facto de Portugal ter apenas uma fronteira limita, no entanto, as opções de apoio externo. Ao contrário de Espanha, que recebeu eletricidade de França, Portugal não teve alternativa.
Portugal e Espanha partilham o MIBEL – Mercado Ibérico de Eletricidade, onde se realizam as compras e vendas de energia. O MIBEL foi criado em 2007 com o objetivo de integrar os sistemas dos dois países. Os preços são definidos diariamente através de um leilão marginalista, em que os produtores apresentam ofertas com base no custo marginal de produção. O preço final resulta do valor da última oferta necessária para satisfazer a procura total.
Neste mercado, a eletricidade não tem nacionalidade. A energia consumida em Portugal pode ter sido produzida em Espanha, e vice-versa. A interligação física entre os dois países permite que a eletricidade flua para onde for mais necessária ou mais rentável. No momento do apagão, Portugal importava cerca de um terço da eletricidade de Espanha, sobretudo de centrais solares.
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