Naquele que foi o último dia do Digiday Publishing Summit Europe, conferência que decorreu no Estoril de 21 a 23 de fevereiro e que reuniu mais de 200 representantes de empresas de media, da CNN à BBC, passando pela Apple ou pelo grupo Time Inc., um ponto parece ter reunido consenso: Donald Trump fez bem a muitas das publicações presentes.
Não pelo número de notícias que origina diariamente, mas sim pelo conteúdo pouco credível que é partilhado e difundido. Sem ter essa intenção, o Presidente norte-americano levou a que os utilizadores de muitas das publicações presentes na conferência conseguissem aumentar os números de subscritores devido à falta de credibilidade de muito material em circulação. O último exemplo teve lugar semana passada quando o próprio Trump fez referência a um inexistente ataque terrorista ocorrido na Suécia. A falta de confirmação de factos, informação precisa e especializada obrigou os leitores mais exigentes a voltarem-se para o jornalismo de qualidade e rigoroso.
“Penso que é uma mensagem que conseguimos passar melhor desde que Donald Trump foi eleito. As pessoas aperceberam-se que é importante ter qualidade nas notícias. Isso é algo que nos vai ajudar a explicar às pessoas que para existir uma boa cobertura, é preciso dinheiro para o fazer. Bom jornalismo custa dinheiro”, explicou Pierre Buffet ao SAPO24, chefe do departamento de dados do francês Le Monde.
No entanto, as mudanças não se deram só no número de subscritores. Os utilizadores destes editores parecem responder melhor aos apelos para desativar os bloqueadores de publicidade. Especialmente se as abordagens foram mais aguerridas. A intransigência, em casos de qualidade, parece estar a colher frutos.
“Muitos editores não estão monitorizar ou não estão a fazer bem os cálculos. Tem a estratégia da avestruz ["They have a head-in-the-sand strategy]”, disse Flood numa entrevista ao Digiday. Ao SAPO24, explicou: “Nós gastamos muito dinheiro para ter um editorial especializado e que garanta qualidade. Portanto, quem quiser ter acesso a esse conteúdo tem de o pagar. É a nossa estratégia”.
Não é uma abordagem que deixe os visitantes satisfeitos. E quem o diz é o próprio Nick Flood ao SAPO24. “As pessoas queixam-se por não conseguirem ter acesso ao nosso conteúdo. Porém, não é um grande problema porque essa situação é algo que está contemplada na nossa estratégia e no modelo de negócio”.
"Nós não sabemos, nem podemos estar a prever o futuro"
Tendo em conta que metade (cerca de 60%) do tráfego das publicações do grupo assenta na navegação mobile, era de prever que Flood pudesse ter receio dos tempos vindouros. Se é praticamente certo que até agora o bloqueio em dispositivos móveis é quase nulo, no futuro, o cenário promete ser bem diferente. Mas terá o grupo Dennis planos para contrariar algo que está na eminência dos tempos?
“Receio? Não, não tenho. Penso até que [esta percentagem] vai aumentar. Nos próximos cinco anos os números devem rondar praticamente os 100%”, considera Flood. Tem esta posição porque “sabe que o conteúdo distribuído pelas publicações do grupo são de qualidade” e que lidam com nichos “que querem ter acesso à sua informação.”
Pierre Buffet tem, no entanto, uma visão diferente. “Dizer isso é estar a jogar com o que não se conhece. A ser possível, vai começar porque browser? Google Chrome, Safari? Nós não sabemos, nem podemos estar a prever o futuro.” E adianta que se os bloqueadores de publicidade chegarem às percentagens do que se verifica em desktop “estaremos em sarilhos”.
Algo que contribuiu para a confiança de Flood será o futuro do consumo de notícias com as Accelerated Mobile Pages (AMP) do Google. “É uma ferramenta que poderá resolver parte do problema. O Google é o único fornecedor capaz de fazer frente ao Ad blocker”.
Buffet apresenta crença semelhante ao não demonstrar receio por uma alteração de comportamento dos utilizadores em relação ao Le Monde. Ou seja, estes dados vêm confirmar as últimas estimativas que apontam para que os mais desinteressados da publicidade já tenham atingido um patamar estável (cerca de 20% dos utilizadores globais).
“Estou confiante que os utilizadores vão continuar a voltar. O Le Monde é uma marca grande que fornece bom conteúdo e qualidade nos seus artigos. Sendo ano de eleições, com os desenvolvimentos do ‘brexit’, e com a curiosidade que Trump tem despertado, as pessoas vão acabar por regressar. Portanto, respondendo à questão se tenho ou não receio que as pessoas não nos visitem devido ao adblock… Não, não tenho”, explicou.
O francês adiantou que é importante fazer testes de modo a optimizar e recolher a informação antes de bloquear qualquer tipo de conteúdo porque não existe uma “solução universal”. Cada editor tem que fazer as suas experiências. No caso do Le Monde, como são, espera Buffet, "os melhores em França, é mais fácil controlar esta situação se se estiver no topo ou se trabalhamos para um nicho. Porém, mesmo nesses casos, é preciso fazer testes”, disse.
“Nós damos foco à notícia de qualidade. E explicámos aos utilizadores que para explorar cada tópico com qualidade é preciso ter uma vasta equipa de jornalistas a trabalhar, que custa muito dinheiro. Portanto, para ter acesso a esse conteúdo, é preciso subscrever o jornal ou ter que ver a publicidade”, concluiu.
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