
A precisão típica do MotoGP chegou ao setor dos transportes rodoviários pela mão de uma empresa portuguesa. A Meight, fundada em 2018 em Évora, desenvolveu uma plataforma tecnológica que pretende revolucionar as operações neste setor. O objetivo? Trazer eficiência a uma indústria que representa 77% do transporte terrestre na Europa.
Das pistas para as autoestradas
A tecnologia tira partido da experiência do CTO, António Reis, que trabalhou na equipa KTM de MotoGP, onde acompanhou o crescimento da equipa e as vitórias do piloto português Miguel Oliveira. “O que existe no mundo do MotoGP é a alta performance e a precisão. Trouxemos esse know-how para a eficiência estrutural do transporte. O que nas corridas é ser rápido, aqui é ser eficiente”, afirma o CEO e co-fundador da Meight, Luís Mendes.
Durante três anos, a empresa desenvolveu uma tecnologia patenteada que analisa e prevê o estilo de condução dos motoristas. A plataforma integra elementos de gamificação para incentivar comportamentos mais eficientes. “Acho que todos nós, seres humanos, queremos ganhar, e então a gamificação serve muito para isso. Existem incentivos e, como qualquer trabalhador, somos incentivados a ter uma melhor performance”, refere.
"Um camião faz 11 mil quilómetros por mês, estamos a falar de 3 mil litros de diesel consumidos mensalmente"
O impacto ambiental desta tecnologia é outra das vantagens. “Por cada litro de combustível, de diesel, emitimos cerca de 2,5 kg de CO2. Um camião não tem nada que ver com um carro. Um camião faz 11 mil quilómetros por mês, estamos a falar de 3 mil litros de diesel consumidos mensalmente“, explica Luís Mendes. A eficiência da plataforma é tal que, por cada 100 camiões que a utilizam, é como se 18 deixassem de circular, em termos de poupança, assegura o responsável.
Além dos desafios mencionados, o CEO considera que os próximos anos vão ficar marcados por uma diminuição significativa do número de novos motoristas no mercado. O cofundador refere que a tecnologia da Meight pode revelar-se útil na resolução deste problema, já que pretende facilitar a adaptação de motoristas estrangeiros que não conhecem as regiões onde vão operar, um problema crescente com a internacionalização do setor.
Foco nas pequenas transportadoras
A empresa foca-se principalmente nas pequenas transportadoras, que constituem 98% do mercado. “Os outros 2% são megalómanos operadores logísticos que já têm toda a tecnologia, ou têm equipas de IT a trabalhar para eles. Estamos aqui com esta missão de ajudar o pequeno operador a conseguir responder e ser competitivo neste mercado”, esclarece o CEO. Ainda assim, na carteira de clientes da Meight está o Grupo Lusiaves, “que opera cerca de 500 a 600 camiões”, acrescenta.
O modelo de negócio da Meight está assente em três pacotes de acesso à plataforma, dirigidos a pequenas, médias e grandes empresas.
Atualmente, a empresa tem as sua operações espalhadas por Portugal, Alemanha, Áustria, Espanha e Polónia. “Há três hotspots de logística na Europa Central/Ocidental, que é o noroeste da Alemanha, a zona de Paris, e o corredor de Zaragoza. Começámos pela Alemanha, por ser o maior de todos, mas têm surgido projetos, felizmente, fora do nosso target“, indica Luís Mendes.
“Se tivermos uma sugestão errada, um camião vai parar em Marrocos. Isso não pode acontecer"
A inteligência artificial é outra área de desenvolvimento estratégico. “Toda a parte que envolve as sugestões de alteração do comportamento de condução é uma aplicação pura e dura da matemática. Hoje em dia com os LLMs [Large Language Models] e tudo mais, nós somos consumidores e também utilizamos a tecnologia para os nossos clientes”, explica. No entanto, o CEO realça que “se tivermos uma sugestão errada, um camião vai parar em Marrocos. Isso não pode acontecer. Precisamos de muitos dados para otimizar, mas não tanto para treinar os modelos”.
De olhos postos no futuro, “o objetivo é daqui a cinco anos estarmos no top 3 das plataformas inteligentes de transporte. O caminho passa por esta fase inicial de digitalização, visto que ainda está tudo por fazer neste setor. Mas também passa por criarmos produtos para as empresas que já estão digitalizadas e que conseguem usar os dados das suas operações para se otimizarem”, diz Luís Mendes. “Cada camião que vemos por aí tem uma resma de folhas que às vezes desaparecem ou saltam pela janela. São as guias de transporte”, exemplifica.
O cofundador estima que o mercado europeu das plataformas inteligentes de transporte possa atingir os 15 mil milhões de euros. Recentemente, a Meight levantou uma ronda de 3,4 milhões de euros liderada pela Cusp Capital e com participação do Grupo Lusiaves e da Faber, que vai permitir acelerar a expansão na Europa e o desenvolvimento tecnológico da plataforma.
Lições para o caminho
“Há três coisas que levo comigo no dia a dia. A primeira é fazer rápido: nunca vai estar perfeito e, por isso, falhar rápido. Aquele clichê americano do fail fast faz todo o sentido, pois tal como muitos clichés, também este é uma verdade” refere Luís Mendes, em jeito de conclusão.
“A segunda, que aprendemos muito na Meight, é envolver os clientes na tomada de decisão o mais cedo possível, tornando-os parte do processo. Assim, o produto ficará incomparavelmente melhor e, no final, eles também se tornarão embaixadores da marca e do próprio produto”, acrescenta
“Por último, mas não menos importante, o feedback dos nossos clientes (ou de qualquer pessoa) não pode ser apenas uma lista de tarefas. Temos de ser nós a decidir, com base na nossa bússola interna, qual o rumo a seguir, mesmo que isso implique tomar decisões difíceis. São estas as três coisas que levo comigo no meu dia a dia”, remata.
Pode assistir à entrevista completa com Luís Mendes aqui
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