Em Lisboa, temos que no dia 31 de março o sol nasce às 7:22 e põe-se no horizonte no instante em que a hora legal estipula 19:59. Agora a conta fácil: decorrem 5 horas e trinta e oito minutos de sol acima do horizonte antes do meio-dia, e sete horas e cinquenta e nove minutos depois.
Meio-dia é, afinal, um termo que nos que nos mente visto que estes períodos deveriam ser idênticos. O resultado, e como ouvimos tantas vezes e de sobremaneira no verão sobre as horas de insolação máxima, é que temos o sol na passagem meridiana, vulgo meio-dia, às 13:40. E as duas da tarde, de fugir sempre que é estio, ocorrem então perto das quatro.
Podemos pensar num milagroso relógio que esteja sempre acertado com o sol, mas esbarramos logo no arranque: a hora legal decreta-se num país dentro de um fuso horário, não num local específico. Em Elvas, no mesmo dia 31 de março, o sol nasce às 7:14, sendo estes oito minutos retirados à tardinha que na realidade é noitinha de domingo: 19:51. O relógio de Lisboa não serviria em Elvas e vice-versa a esta situação.
«Se a capital é Lisboa, que se adote a hora solar de Lisboa, que a diferença é de pouca monta». Apesar de ser um argumento condescendente, podia perfeitamente ser a resposta de um decisor, e talvez seja imediatamente ditada pelo senso comum. E até serviria se as capitais dos outros países estivessem no meridiano do Terreiro do Paço: 9 graus, oito minutos e doze segundos a oeste de Greenwich. Mas não: Dublin, por exemplo, está a seis graus oeste e Londres obviamente a zero. Ou seja, até podemos fixar o relógio, mas isso não muda a hora solar.
A maior parte dos dias não tem 24 horas
«Isso dos fusos não interessa para nada. Cada país devia ter o seu e o que quisesse. Nos maiores, se também quisessem, tinham os fusos horários que bem entendessem». Este é outro possível argumento, mas também não é bem assim e nem sobre uma pedrinha da calçada seria possível ter um relógio religiosamente coordenado com o sol. E porquê? Porque os dias não têm todos 24 horas. Nos 366 dias de 2024, apenas quatro serão desta conta certa: 15 de abril, 12 de junho, 29 de agosto e 23 de dezembro [não são datas exatas devido aos diferentes fusos horários e meias-noites sucessivas por toda a Terra no decorrer de uma rotação].
Explicando melhor: a Terra não demora exatamente 24 horas a completar uma rotação de 360 graus sobre si própria. Os dias variam em função da equação do tempo, que tem em conta vários fatores, sendo um de muito maior monta que os outros: a órbita terrestre é uma elipse, tendo Kepler estipulado que a áreas iguais correspondem durações iguais. Em janeiro, terreiro dos dias gélidos, a Terra chega ao periélio [o ponto da órbita de um corpo, seja planeta, asteroide ou cometa, que está mais próximo do sol], e em julho, quando assamos no hemisfério norte, temos em nós o afélio [o ponto da órbita em que um planeta, asteroide ou cometa está mais afastado do sol].
Ainda bem que, essencialmente, o Sul é mar e o norte é terra, com excepção dos pólos, curiosamente ao contrário. Quem quiser saber mais tem no Google a equação do tempo e o lindíssimo analema, cuja feitura se recomenda pelo menos uma vez na vida, percebendo-se aí que o dia de rigorosas 24 horas ocorre apenas as tais quatro vezes por ano.
Esta elipse que a órbita da Terra descreve em torno do sol baralha tudo. Entrega-nos, por exemplo, o pôr-do-sol mais tardio duas semanas mais tarde que o solstício de junho e o nascer do Sol mais preguiçoso por volta do Dia de Reis, a 6 de janeiro. Anoitece mais cedo nos fins de novembro que no celebérrimo 21 de dezembro [solstício de inverno], de igual modo.
Há ainda a considerar a obliquidade da eclíptica. E também, mas só um poucochinho, o facto de a Terra ser achatada nos pólos, o que deriva, como será de esperar, da sua própria rotação, pois acumula matéria no abdómen. São várias as razões, mas podemos ainda juntar o campo gravítico dos outros companheiros do sistema solar. «Tudo é astronomia», sabemos, e bem acertadamente é o motto de muitas escolas daqui e dali.
O sol de primavera em Portugal é o sol de verão no norte da Europa
Este daqui e dali suscita-nos nova viagem à Escandinávia, e se olharmos para este Sol lusitano do final de março temos a altura (altura do sol = distância em graus até ao horizonte) do sol idêntica à de pleno verão nas capitais lá de cima. A luz do norte da Europa jamais será igual à nossa e vemos aqui uma aproximação grosseira. É que nem só de temperatura vivemos e por isso tantos pintores flamengos fugiram para sul para terem casas onde realmente entrava luz. Consta que alguns, na ânsia de colher fotões, bem alargaram as janelas à pazada. É esta a nossa sorte do Sul. Louvemo-la, pois, em vez de maldizer entredentes esta horta ajardinada em forma de país.
Como estamos na altura do equinócio, temos marés vivas tal como em setembro, só que não estamos nas praias para as apreciar. O sol abraça a Terra pela cintura e daqui a três meses irá segurá-la pelo trópico do Câncer. Aproveita-se para sugerir Sonho de Uma Noite de Verão e quem não quiser ler a peça tem um filme dos anos 60 com Diana Rigg e dame Helen Mirren. Afinal não há desculpas para não ler Shakespeare.
Termina-se o dia de trabalho e o bulício, nosso e dos outros, em nada sugere as férias grandes. O céu, que devia ser preto às oito da noite, mostra-nos todas as tonalidades de cinzento. Amarelo também nos foi mostrado e percebemos que a poeira é do Saara, mas o vento é da Sibéria. Já a água é da Antárctida.
Se tivéssemos um casal de relógios de parede bem que veríamos a diferença entre a hora solar e a hora oficial, bastando-nos para isso manter um com a hora solar e outro com a hora legal. E não é difícil fazer a conta.
Tudo isto a propósito da mudança de hora, que baralha humores e comeres. As crianças contestam o jantar com a luz do dia e não há como lhes retirar a razão. Não é afinal o jantar uma refeição que se come à noite?
Comentários