Temer a inteligência artificial
Temos muitas incertezas sobre esta tecnologia. Tememos o seu impacto, conjugada com automação, no mundo do laboral. Assusta-nos a perspetiva de que mentes digitais evoluam e se tornem conscientes. Na verdade, estamos ainda longe do surgir de uma verdadeira Inteligência Artificial consciente, e há muitas dúvidas sobre se tal será alguma vez possível. Esta tecnologia, hoje, assenta no processamento muito rápido de enormes quantidades de dados utilizando algoritmos complexos. Algo tornado possível graças à explosão do big data, baseada na informatização de serviços e partilha de dados online, avanços no desenvolvimento de hardware cada vez mais potente, e diferentes formas de aplicar a lógica computacional a algoritmos complexos de análise e decisão.
Estes sistemas já desempenham um papel preponderante na economia e sociedade contemporâneas. E trazem-nos um grande conjunto de desafios. Hoje, sentimos as problemáticas levantadas por algoritmos mal concebidos ou com enviesamentos ideológicos embutidos. As fake news e o incitamento aos extremismos e violência nas redes sociais, propiciadas pela forma como os seus algoritmos funcionam, são problemas com cada vez maior gravidade. Se estivermos a falar de falhas em algoritmos de apoio a decisões financeiras ou judiciais, a gravidade acentua-se. Nos casos de policiamento preditivo, os algoritmos baseiam-se no histórico reportado de criminalidade para maximizar a presença policial, ignorando enviesamentos culturais e étnicos. O mesmo se pode passar na concessão de créditos, seguros, decisões judiciais e outras áreas onde o comportamento humano é medido por sistemas digitais de acordo com parâmetros que não são transparentes. E, nos domínios criativos, a Inteligência Artificial também está a levantar questões incómodas.
Vamos Criar Monstros?
A aplicação GANBreeder parece ser um brinquedo digital, mas é uma ferramenta interessante para nos colocar a pensar sobre o potencial artístico da inteligência artificial. É acessível via internet, e não necessita de elevados conhecimentos para ser utilizada. Coloca-nos em diálogo com algoritmos. E, para além de nos permitir interação direta com um tipo de tecnologia que normalmente está nos bastidores que orquestram a nossa vida digital, anda nos leva a pensar sobre o papel da arte e do artista na era digital.
É uma aplicação simples, e até rudimentar nalguns aspetos. Podemos utilizar uma imagem pré-existente, ou começar do zero. Temos de indicar ao algoritmo quais as nossas preferências iniciais. E, em seguida, esperar pelos resultados.
Este é um processo que não termina. Podemos afinar as sugestões do algoritmo, introduzindo novas categorias que vão dar origem a novas sugestões. Cada categoria pode ser definida em níveis de percentagem, introduzindo novos elementos, utilizando parâmetros como insetos, vegetação, objetos ou animais, entre outros.
Os resultados são visualmente desconcertantes. A GANBreeder devolve imagens perturbadoras, de sensibilidade alienígena, de acordo com o nosso input. Foi para isso que foi concebida: permitir aos utilizadores interagir com um sistema de geração de imagens que utiliza uma rede neuronal para criar imagens surreais e realistas. Estas não são fotomontagens. São tentativas da rede neuronal de responder às instruções do utilizador, elaborando novas imagens a partir da base de dados com que foi treinada. Usando algoritmos, dados e lógica aplicada a redes neuronais, conseguimos usar a Inteligência Artificial como pincel, criando iconografias surreais e intencionalmente grotescas. Monstros, mas nascidos da nossa interação com o algoritmo. É o sonho da razão a gerar anomalias.
A GANBreeder torna acessíveis as Generative Adversarial Networks. Esta técnica de deep learning tem mostrado resultados espetaculares nos domínios da criação artística com Inteligência Artificial. Utiliza dois algoritmos com funções adversárias. Um gera novas imagens, o outro funciona como crítico, analisando-as face ao que aprendeu sobre qualidade, adaptação ao estilo visual e tema. Este processo generativo dá resultados visuais surpreendentes.
Sim, mas será arte?
Robots pintores BeBot, Leonel Moura
Poderemos considerar estas imagens como arte? Estes algoritmos apenas geram novas imagens a partir de referências visuais já existentes. Talvez não sejam realmente criativos, mas desafiam formas tradicionais de pensar sobre arte e criatividade. Não são conscientes como nós, com intuições, sentimentos, aprendizagens e individualidade. No entanto, na área específica em que são programados e estimulados a aprender, são capazes de tomar decisões estéticas generativas, que normalmente associamos à introspeção consciente do artista.
Utilizar meios algorítmicos na arte não é recente. Desde os anos 60 que diversos artistas exploram a computação como meio de expressão. O movimento The Algorists, reúne artistas que exploram esta vertente de criação. Recentemente, técnicas de inteligência artificial utilizando algoritmos de deep learning, começaram a ser usadas como meios de criação. Em Portugal, o artista plástico Leonel Moura tem investigado estas questões. Utiliza robots com vários graus de autonomia em processos de criação de pinturas autónomas que esbatem as fronteiras do instinto artístico. Se um robot faz um desenho, de quem é a autoria? Da máquina, ou do artista que a programou?
Interagindo com a GANBreeder, percebemos que não há respostas lineares para estas questões. No entanto, se a geração de imagens é automatizada, baseada nos inputs do utilizador, a decisão final sobre que imagem é intrigante e visualmente apelativa cabe sempre ao humano.
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