Eu cresci com videojogos. Lembro-me perfeitamente de jogar a primeira Nintendo, de ir para casa de amigos jogar Mega Drive, Master System ou Sega Saturn. Lembro-me também da minha primeira Playstation e de passar horas a fio “agarrado” aos Pro Evolution Soccer (sim, nessa altura quase toda a gente era “Team PES”, na luta titânica que o jogo da Konami tem tido ao longo de quase duas décadas com o FIFA da Electronic Arts). E, por isso mesmo, não é para mim difícil de compreender o que é de tão cativante nos videojogos: eu sei, eu “estive lá”. Eu tenho estado “lá”, na verdade. Porque ainda jogo. Esporadicamente, mas jogo.

Esta é, provavelmente, a primeira geração dos videojogos em que pais e filhos podem compreender e jogar uns contra os outros. Não que o meu pai não se esforçasse por tentar jogar comigo – ele tentava. Mas muitos dos pais de hoje cresceram, tal como eu, com os videojogos, a compreender o que são os videojogos (independentemente das preferências), a jogar videojogos.

Por isso, assim que entrei no Lisboa Games Week, evento dedicado aos amantes dos videojogos que decorre até domingo em Lisboa, não foi para mim uma surpresa perceber e sentir a excitação que havia no ar. O que me surpreendeu foi a dimensão do certame. Estamos a falar de dois pavilhões da FIL cheios de stands de marcas que produzem videojogos ou querem estar associadas ao fenómeno.



E a surpresa só acontece porque, honestamente, se calhar a maioria das pessoas que sempre olhou para os videojogos como algo para entreter, ao nível de um pião, um baralho de cartas ou um diablo (não o videojogo, mas o objeto que muitos de nós lançaram ao ar com dois paus atados por uma corda), não compreendeu que a massificação da internet mudou tudo. E que de “algo para entreter”, os videojogos tornaram-se numa indústria gigantesca, das mais poderosas e influenciadoras (uma palavra muito em voga nos dias que correm) do mundo, com perspetivas de crescer até aos 90 mil milhões de dólares de valorização até 2020.

Mais: em maio de 2018, segundo a Reuters, a indústria de videojogos superou a televisão e o cinema ao nível das receitas, sendo atualmente a principal indústria de entretenimento do mundo.

Por isso, não é surpresa que a média de idade dos gamers em 2017 tenha sido de 33 e 37 anos para homens e mulheres, respetivamente. Os pais já não compram jogos “só” para os filhos. Os pais são também eles, hoje em dia, os principais consumidores de videojogos.

O que também não é de estranhar é que o revivalismo tenha chegado a esta indústria. Assistimos a isso na música — as festas Revenge of the 90’s são um ótimo exemplo disso mesmo, como uma década antes as festas com música dos anos 80 também o foram —, no cinema (alguém falou em remakes?) e, claro, nos videojogos.

O Lisboa Games Week tem uma área específica dedicada a consolas mais antigas como Dreamcast ou a (minha) saudosa Nintendo, onde é possível jogar “como no antigamente”. Para além disso, essa mesma área tem alguns dos famosos jogos de arcade que inundaram salões de jogos (e arcadas) um pouco por todo o mundo e que a democratização do acesso aos jogos acabou por “matar”. Daytona USA, Puzzle Bubble ou Virtua Striker são alguns dos títulos disponíveis para quem tiver saudades de jogar em pé (ou sentado e com as mãos no volante, no caso dos míticos “casulos” vermelhos do Daytona).

E as próprias empresas de videojogos navegam, nos dias que correm, essa onda retro: a Nintendo lançou recentemente versões clássicas (e mais pequenas) da Nintendo e Super Nintendo, ao passo que a Sony colocou no mercado a “nova” Playstation Classic. Sim, os gamers também podem ser revivalistas.

eSports: o desporto está a mudar?

Em abril deste ano, a Federação Internacional de eSports anunciou estar em conversações com o Comité Olímpico Internacional para que os eSports sejam modalidade convidada nos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris. E a surpresa só existe para quem também tem andado distraído.

Em 2017, o The International (o maior torneio do mundo de Dota 2, um jogo MOBA – Multiplayer Online Battle Arena) teve um prize money de 24,7 milhões de dólares; no mesmo ano, a Taça das Confederações de futebol (em que a Seleção portuguesa participou, de resto), distribuiu 20 milhões de dólares. Talvez ainda não possam ser totalmente comparáveis, mas a cada dia que passa os eSports assemelham-se aos desportos tradicionais, nomeadamente no que toca aos valores envolvidos, já que no que respeita ao número de gamers (2,2 mil milhões em 2017, segundo a Newzoo) os números são muito próximos (e, na maioria dos casos, superiores) dos praticantes de outros desportos considerados tradicionais.

Por isso, foi uma questão de tempo até que clubes de desportos “tradicionais” como o Paris Saint-Germain, o Manchester City, os Philadelphia 76ers ou o Sporting CP (que também marcou presença no Lisboa Games Week) tenham apostado na criação de secções de eSports nas suas estruturas.

Não, a febre dos videojogos não é uma tendência. Não, os eSports não são uma tendência. São indústrias estabelecidas e que vieram para ficar. Correção: não “vieram” para ficar, já “cá” estão.