Com os campeonatos dos desportos ditos tradicionais, do futebol à Fórmula 1, suspensos devido à evolução pandémica, foram muitas as organizações que recorreram aos videojogos para criar conteúdos e manter a ligação aos adeptos.
Da I Liga portuguesa ou a Liga inglesa de futebol, que colocaram ‘craques’ da vida real aos comandos das suas equipas no FIFA, em torneios com transmissões televisiva, à Fórmula 1, com pilotos a conduzirem versões virtuais deles mesmos, ao ciclismo, em que a bicicleta de casa em Braga podia competir contra uma outra na Nova Zelândia ou Rússia, o período de confinamento acabou por chamar a atenção de um novo público para os videojogos.
O setor competitivo na Europa tem crescido cerca de 24% por ano desde 2016, segundo a consultora Deloitte, com receitas estimadas de 240 milhões de euros em 2018, prevendo-se que chegue a 670 milhões de euros em 2023, num mercado em que a Ásia gera mais rendimentos e mais público.
Em Portugal, vários profissionais da área ouvidos pela Lusa referiram a falta de eventos físicos como problemática, assim como os possíveis efeitos de retração nas marcas que investem e patrocinam equipas ou competições, além do fim de equipas e a suspensão de competições, como a Liga Portuguesa de Counter:Strike (LPCS), suspensa até novembro, com a equipa Nexus2 BaeconGG a suspender já a atividade, entre outros efeitos.
Francisco Cruz, conhecido no mundo do FIFA, em que foi campeão mundial em 2011, por ‘Quinzas’, atualmente a trabalhar como treinador no Sporting, explica que “o impacto foi positivo” graças ao aumento do engajamento com ‘streams’, ou seja, transmissões ao vivo de jogadores dos vários videojogos.
“Por outro lado, sinto que quando achávamos que o aumento dos números significaria um passo em frente no que diz respeito a orçamentos ou entrada de novas marcas, não se sentiu muito isso. Sente-se que as marcas estão com algum receio de investir no que quer que seja, por causa da indefinição económica que existe neste momento”, analisa o treinador natural da Trofa.
Acreditando que a situação pode ser um travão ao crescimento projetado do setor, ‘Quinzas’ lembra ainda os servidores “muito fracos” da Electronic Arts, que desenvolve o FIFA, e que impedem um bom jogo ‘online’, sem falhas, dando mais peso à ausência de torneios presenciais.
Simão Oliveira, de 23 anos, é treinador adjunto na formação de League of Legends na equipa alemã BIG (Berlin International Gaming), uma das principais formações europeias de esports, e conta à Lusa ter sido pessoalmente afetado pela pandemia.
Depois de uma curta experiência nos Estados Unidos, com a Dignitas Academy, já este ano, decidiu “não voltar, pela pandemia e outras razões”, chegando à BIG num ponto que está “a receber bastante abaixo” do que seria o seu ordenado “em circunstâncias normais”.
“A pandemia afetou bastante as organizações. (...) Todos os desportos eletrónicos ficaram a ganhar com a pandemia, porque as pessoas estavam fechadas e acabaram por dar espaço a outros conteúdos, que antes não dariam. Foi bom e foi mau”, considera o técnico natural de Vila Nova de Famalicão.
Apesar dos benefícios que o aumento das visualizações e de seguidores pode trazer para o mercado, “para alguns profissionais que não teriam ainda contratos fechados não foi tão bom”, ainda que neste mercado “não seja tão preocupante como noutras áreas de negócio”, porque se “consegue fazer tudo, pode ser feito ‘online’”.
Já Ricardo ‘fox’ Pacheco, um dos grandes nomes dos esports portugueses, ao serviço da espanhola Giants em Counter Strike: Global Offensive, afirma à Lusa que a pandemia “não mudou quase nada” nas rotinas dos jogadores.
Continuam “a treinar e a jogar em casa”, participando em torneios ‘online’ em vez de presenciais, e “o impacto até ajudou a subir ainda mais a adesão” de novos públicos.
“As visualizações dos jogos todos bateram recordes, porque o pessoal estava fechado em casa. Nós não podemos queixar-nos, com esta tristeza da covid-19. É uma tristeza para toda a gente, mas o nosso estilo de vida não mudou quase nada”, comenta.
Ainda assim, vai sentir-se “um rombo brutal” na indústria ligada aos eventos e torneios presenciais, com vários momentos anunciados que acabaram por cair por terra.
O ‘veterano’ de 33 anos, natural de Guimarães, não vê as marcas a afastarem-se do setor por muito tempo. Pelo contrário, “há marcas que vêm isto a subir e apostam mais”.
A fisioterapeuta Marta Casaca, que trabalha como apresentadora, entrevistadora ou gestora de análise em várias competições nacionais, de vários videojogos, confessa à Lusa que via 2020 como “um ano que prometia muito, de crescimento” e com “bons planos”.
“Devido à pandemia, muitos eventos não acontecem, outras competições têm de ser ‘online’, e pior, há patrocínios e estrutura em torno de contratos com grandes nomes e empresas. (...) As empresas não têm como se posicionar, ou tiveram de se reestruturar”, refere.
Esse investimento nos eventos presenciais, que acabam por trazer um rendimento a vários profissionais em regime ‘freelance’, da animação a gestão, produção e análise das competições e das atividades paralelas, acabou por não dar frutos, pelos cancelamentos, e agora Marta Casaca teme “que isso tenha um impacto maior”.
“Os eventos dão trabalho a muita gente e geram muito dinheiro. Foi um grande abalo este ano, vai ter repercussões negativas em 2020, mas possivelmente também em 2021”, lamenta.
Se alguns “se conseguiram adaptar ao formato ‘online”, mantendo as competições a decorrer e encontrar estratégias para dar visibilidade aos patrocinadores, esse caminho terá de continuar, ver “o que se aprendeu com a transição e criar ideias e conteúdos novos para envolver as marcas e tentar continuar a crescer”.
Os efeitos “já se notam, com equipas que estão a terminar” e um “impacto no ecossistema” que vai “não só para o ‘staff’ mas às próprias equipas e jogadores”.
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