A confiança tem dois lados (ou talvez não)
Pode dizer-se muita coisa sobre a qualidade geral dos filmes que a Netflix tem lançado, mas a verdade é que a plataforma tem feito um esforço grande para, numa regularidade semanal, dar nova vida a filmes que, de algum modo, marcaram a diferença em décadas anteriores e que, com a enormidade de opções que temos disponíveis, poderiam escapar à geração millennial.
“Primal Fear” é um exemplo disso. O filme, protagonizado por Richard Gere, estreou nas salas de cinema em 1996 e foi um sucesso de bilheteira, tendo sido a película mais vista nos EUA durante três semanas consecutivas desde que estreou. Nele, observamos a história do advogado Martin Vail que, como amante da ribalta e de clientes com alguma notoriedade (às vezes, não pelas melhores razões), decide tomar as rédeas do caso mais mediático de Chicago…. em pro bono, como quem diz, à borla.
Em causa estava o assassinato do Arcebispo da Igreja Católica em Chicago por um jovem de 19 anos, chamado Aaron Stampler (representado por Edward Norton, em estreia no grande ecrã). O julgamento parece óbvio, dado que Stampler foi apanhado a fugir da zona do crime com a roupa ensanguentada e com todas as provas a apontarem-no como culpado. Depois de o conhecer, Vail fica convencido de que o rapaz não é o culpado e assume a árdua tarefa de refutar a sua acusação em tribunal.
Dar muitas mais informações é estragar a beleza do filme, mas há espaço para um clima de romance com a advogada da acusação, pressões do status quo político e um distúrbio de personalidade que pode ajudar a explicar tudo. O resto está do lado do leitor(a).
- Elenco de luxo: além de Gere e Norton, o filme também conta com as atrizes Laura Linney (“Ozark”) e Frances Mcdormand (“Três Cartazes À Beira da Estrada”) e com o ator Andre Braugher (“Brooklyn Nine-Nine”).
- Com participação portuguesa: o soundtrack do filme é a música “Canção do Mar” da fadista Dulce Pontes, que marca o tom em diversos momentos.
- Não foi sorte de principiante: no seu primeiro papel em cinema, a prestação de Norton valeu-lhe a nomeação para o Óscar de Melhor Ator Secundário e a vitória nos Globos de Ouro.
Trabalhos de casa com nota máxima
Têm sido relatadas, um pouco por todo o lado, as dificuldades que as principais produtoras de televisão e estúdios de cinema atravessaram nos últimos meses. Gravações tiveram de ser interrompidas para mitigar o risco de infeção entre atores e equipas de produção, lançamentos de filmes tiveram de ser adiados com o fecho das salas de cinema em todo o mundo e as plataformas de streaming, que já tinham conteúdos “na carteira”, acabaram por ser as grandes vencedoras do período de confinamento.
“Homemade” (“Feito em Casa” na versão portuguesa) é a uma série da Netflix com 17 episódios, em que diversos realizadores — uns mais famosos, outros nem tanto — puseram as suas mãos e talento à obra para mostrar que podiam continuar a produzir conteúdos em quarentena. Para isso, uns apenas necessitaram de um smartphone, outros utilizaram um drone para ver a vida citadina do seu quarto e alguns, mesmo no seu lar, não dispensaram uma produção mais séria com várias câmaras envolvidas. Independentemente do “como”, a maior parte dos episódios não ultrapassou os dez minutos.
- O meu episódio favorito: foi o segundo, realizado pelo italiano Paolo Sorrentino (que já ganhou um Óscar para Melhor Filme Estrangeiro), e é provavelmente o mais criativo e cómico dos que vi. Para a sua história, Sorrentino utilizou dois bonecos — um da Rainha de Inglaterra e outro do Papa Francisco — para imaginar como seria se os dois fizessem a quarentena juntos. Gravado com um smartphone, inclui um potencial romance entre os dois e um cameo do Big Lebowski.
- Se te interessar: as atrizes Maggie Gyllenhaal e Kristen Stewart também fizeram as suas contribuições para a série com histórias da sua autoria.
Um escândalo à moda inglesa
“A Very English Scandal” foi a grande novidade na HBO Portugal esta semana. Não sendo propriamente uma novidade — visto que estreou na BBC e na Amazon Prime em 2018 — é protagonizada por Hugh Grant, que depois de alguns anos de papéis de menor relevo, teve no papel de Jeremy Thorpe, ex-líder do Partido Liberal Inglês, a oportunidade de voltar a brilhar.
Nos anos 60, a homossexualidade não só era um tema tabu como podia ser punida por lei e ter várias repercussões políticas. Por isso, um deputado inglês gay que quisesse viver a vida da forma que o fazia feliz, não poderia fazê-lo publicamente, tendo de ter relações sexuais com a discrição que a sua posição na sociedade exigia. Era essa a vida de Jeremy Thorpe até conhecer Norman Scott, um trabalhador numa quinta numa pequena localidade inglesa. Contudo, o que começou como a primeira “relação” para Thorpe, rapidamente se transformou num obstáculo político.
Scott, além de precisar da ajuda do deputado para conseguir um seguro de saúde, atravessava sérios problemas emocionais, que dificultavam a existência de uma relação onde a discrição tinha de ser a regra. Com isso, os dois inevitavelmente separaram-se, numa altura em que que Thorpe começava a ambicionar algo mais para a sua carreira política. O problema? À medida que foi acumulando conquistas profissionais e pessoais (com um casamento heterossexual e um filho), o tema “Norman Scott” surgiu repetidamente com ações do seu ex-amante a colocar em risco a sua reputação. A solução? Encontrar uma forma de calar Scott, assassinando-o. A existência desta série é a prova de que o plano vai acabar por não ser muito bem-sucedido.
- Uma questão de tom: a série é descrita como uma comédia-drama, por haver uma circulação pelos dois géneros nos três episódios que a compõem. Com as devidas diferenças, fez-me muitas vezes lembrar de “House Of Cards” e Frank Underwood, se tivesse uma camada mais humorística.
- Se eles dizem: a minissérie tem uma aprovação de 97% no Rotten Tomatoes e 84/100 no Metacritic. Vale o que vale, mas é um bom indicador.
- Somos todos fãs de listas: um ranking dos 10 melhores filmes de Hugh Grant, neste artigo do The Guardian.
Créditos Finais
- “É Desta Que Leio Isto” teve direito a mais uma reunião, desta vez para discutir “Mataram a cotovia” de Harper Lee. Ouve aqui.
- Há quatro anos Portugal era Campeão Europeu: revê o documentário “Chegámos Lá, Cambada”, produzido pela MadreMedia, sobre a caminhada da seleção portuguesa até à vitória em Paris, entre 1986 e 2016.
- A rádio para viajares no tempo: chama-se Radiooooo e permite-te navegar pelas tuas músicas favoritas em cada década.
- A Vulture lançou uma nova newsletter: para acompanhares as novidades do mundo do streaming, a “Buffering” chega diretamente ao teu email para te pôr a par de tudo. Subscreve aqui.
Já estamos no Twitter! Segue-nos em @vaisgostardisto, página que vamos utilizar para acompanhar o dia-a-dia do mundo na cultura pop.
Tens recomendações de coisas que eu podia gostar? Ou uma review de um dos conteúdos que falei?
Envia para miguel.magalhaes@madremedia.pt
Comentários