A 5 de abril de 2002, oito anos exatos após a morte de Kurt Cobain, Layne Staley preparou uma mistura de cocaína e heroína – vulgo speedball – e injetou-a numa das suas já gastas veias, numa nova procura por aquele estado de espírito que todos os viciados em drogas descrevem como “sublime”. Duas semanas depois, o seu corpo seria encontrado pela polícia, após um alerta dado pelos contabilistas do músico, primeiro (que não detetaram qualquer movimento nas suas contas), e pela sua família, depois (que não tinha tido sinais dele ao longo de todo esse período). Estava já em estado de decomposição. Os dentes, cariados, praticamente desaparecidos. Pesava 39kg, um número assombroso, mesmo tendo em conta que Layne nunca foi propriamente um portento físico. A pele tinha um tom cinzento e emanava um cheiro podre.

Se este parece um relato cru – e que não se confunda “cru” com “sensacionalista” – é porque a música que Layne Staley fez com os Alice In Chains foi, também ela, crua. Especialmente em “Dirt”, um dos álbuns mais niilistas da década de 90, onde o abuso de drogas caminha lado a lado com a depressão e a dor, a violência e o abismo. É o álbum de 'Junkhead', cujos versos (What's my drug of choice? Well, what have you got?) não poderiam ser mais diretos. O álbum de 'God Smack' (Stick your arm for some real fun). E até o álbum de 'Would?', tributo ao amigo Andrew Wood, falecido anos antes, também ele vítima de uma sobredose de drogas.

Para ouvir enquanto lê

O anúncio da morte de Layne Staley não soou, para quem o conhecia de perto, a surpresa, mas sim a confirmação. Há muito que o músico se debatia contra o vício, tendo entrado e saído de várias clínicas de reabilitação ao longo dos anos. Aquando da sua morte, encontrava-se isolado num apartamento em Seattle, onde poucos o visitavam e de onde raramente saía, tendo apenas a sua gata como companhia. A gata e a seringa. Numa declaração à imprensa, os seus ex-colegas nos Alice In Chains resumiram então a coisa: «Só podemos esperar que ele tenha, por fim, encontrado alguma paz». A mesma que não teve em vida, e cuja ausência foi transcrita em três LPs, três EPs e dúzias de concertos.

É impossível não dedicar várias linhas aos demónios de Layne Staley, mesmo que os demais membros dos Alice In Chains também tivessem os seus. Era o seu o rosto do grupo. Mas, colocando de parte essa sombra particular, quase todos o reconhecem: a sua voz foi uma das maiores, senão mesmo a maior, da cena grunge. Há exemplos disso naquelas típicas e infindáveis listas que os fãs de música e os jornalistas musicais elaboram de quando em vez, como a do website The Top Ten, que o coloca em primeiro lugar no que toca a vocalistas dessa era. Elogiam-lhe a dinâmica, o alcance. «Ele soava como nenhum outro», escreveu David De Sola, autor de uma biografia não autorizada sobre os Alice In Chains, na revista The Atlantic. «A sua capacidade para projetar poder e vulnerabilidade na voz, bem como as harmonias únicas que criava, geraram um estilo que seria copiado durante anos», assim que o grupo se tornou popular.

Antes das drogas e da fama existia apenas Layne Rutherford Staley, filho de pais divorciados e criança com um gosto particular pelo rock n' roll. Com apenas oito anos de idade, viu o seu primeiro concerto ao vivo, Elton John, cujo impacto foi imediato. Seguiu-se um gosto adquirido por artistas como os Twisted Sister, Black Sabbath ou Scorpions, mas também Billy Joel e Fleetwood Mac. Na adolescência, mudou legalmente o seu nome do meio – odiava o “Rutherford” – para Thomas, em homenagem a Tommy Lee, baterista dos Mötley Crüe. A bateria foi, também, o seu primeiro instrumento de eleição, antes de decidir trocá-la por um microfone. «Ouvia as minhas bandas rock favoritas nos headphones e tentava imitá-las», disse.

Layne Staley | Facebook Alice in Chains

É nessa altura que se junta aos Sleze, uma banda de liceu formada por amigos do seu meio-irmão. Consegue o lugar, impressionando os demais membros da banda com o seu poderio vocal, apesar da timidez que o acompanharia ao longo de toda a vida. Uma timidez que não derrubava a sua ambição, conforme relata Matt Vaughan, dono da East Street Records, loja de discos de Seattle, em “Everybody Loves Our Town”: «A minha mãe tinha sido manager dos Queensrÿche, e a minha irmã era amiga do Layne Staley. Lembro-me de ele vir a nossa casa, porque queria falar com a minha mãe, queria ser uma estrela rock. Apontou para ela e disse-lhe: 'vou ser a maior estrela rock da cidade'».

Os Sleze não passavam, no entanto, de uma banda de versões; havia que dar um passo em frente, rumo à criação de material original. Para tal, Layne (definitivamente expulso de casa pela mãe, devido aos seus nascentes problemas com as drogas) e o grupo mudam-se para o Music Bank, uma enorme sala de ensaios em Seattle, que ajudou dezenas de artistas então à procura do sucesso. É aí, num pequeno quarto, que o músico passa a residir, e a banda passa a ensaiar. A primeira maqueta é gravada em 1986, e nesse mesmo ano os Sleze participam em “Father Rock”, filme de baixo orçamento transmitido num canal de televisão público local.

Assim como Layne havia alterado o seu nome do meio, os Sleze decidem alterar o seu nome original. Doravante, seriam conhecidos como Alice N' Chains, uma ideia que terá partido de Russ Klaut, dos Slaughter Haus 5, após uma conversa sobre sado-masoquismo. É com esta designação que Jerry Cantrell, que também tinha despertado para a música através de Elton John, os vê pela primeira vez e decide, logo ali, formar uma banda com Layne. Mas esse desejo não foi atendido no imediato; os Alice N' Chains ainda durariam mais um ano, com duas maquetas pelo meio.

Amor, ódio, amor

Apenas um ano mais velho que Layne, e igualmente filho de pais divorciados, Cantrell decidiu aprender a tocar guitarra na adolescência, mas as suas primeiras experiências ao vivo até foram enquanto membro do coro do liceu – um período que o ajudou a livrar-se do seu medo dos palcos, e que guardou na memória com carinho, enviando dois discos de ouro às suas ex-professoras assim que “Facelift” se tornou gigante. Em 1986, juntou-se aos Phoenix, que por sua insistência mudariam o nome para Diamond Lie. Com estes, parte em busca do sonho. Prolífico, compõe várias canções originais. Dá concertos em Tacoma e Seattle, com o objetivo expresso de conseguir um contrato discográfico.

Porém, e apesar de terem vencido uma “batalha das bandas” em Seattle, tensões no seio dos Diamond Lie levá-los-iam a encerrar a sua atividade, em julho de 1987. Pelo meio, as mortes da avó e da mãe, ambas perdidas para o cancro, marcaram profundamente o estado de espírito de Jerry Cantrell. A tragédia dupla tê-lo-á impulsionado, como aponta David De Sola em “Alice In Chains: The Untold Story”, a escrever sobre outras temáticas que não miúdas, festas e cerveja; as suas canções passariam, então, a espelhar algo mais realista, cru.

Expulso de casa, Cantrell conhece pessoalmente Layne Staley numa festa, e este convida-o a morar consigo no Music Bank. Mas ainda não será aqui que nascerão os Alice In Chains propriamente ditos. Antes disso, o guitarrista entrará em contacto com Sean Kinney, que à altura era namorado de Melinda Starr, irmã do baixista Mike Starr, nascido em Honolulu e residente em Seattle desde os 9 anos. Starr, que em 1982 era já um nome conhecido da cena metálica local com os Sato, junta-se aos dois em algumas jam sessions, e o trio sentiu o clique. Faltava agora o mais importante: um vocalista. Só que Layne já tinha os olhos postos numa outra banda. Havia que o “seduzir”, e o plano para o conseguir teve tanto de mirabolante como de hilariante: o trio organizou uma audição com vocalistas “horríveis”, para que Layne se sentisse picado e aceitasse juntar-se-lhes. Esta espécie de psicologia invertida resultou, e o grupo começou por adotar dois nomes de ex-bandas dos seus membros: Diamond Lie e Alice N' Chains.

Alice in Chains | Rocky Schenck via Facebook Alice in Chains

A última maqueta gravada pelo agora quarteto, que ficou conhecida como “Treehouse Tape”, foi a sua porta de entrada para o mundo da indústria musical. Elemento importante nessa demanda foi Randy Hauser, condenado anos antes a uma pena de prisão por tráfico de drogas, e saído da cadeia, em liberdade condicional, em 1986. Em Seattle, imiscui-se na cena local e conhece Melinda Starr, que lhe oferece uma cassete do grupo. Certa noite, Nick Loft – A&R da editora Atlantic – escuta uma cassete dos Alice In Chains em casa de Hauser e questiona-o sobre a banda. «Voltei para o escritório e pus a cassete a tocar. De repente, está toda a gente a perguntar-me: 'Que grupo é este? Que tipo de música é?'», conta, citado em “The Untold Story”. Hauser irá, então, oferecer-se para ser agente dos Alice In Chains, apesar de não ter qualquer experiência. «Disse-lhes que os iria promover como o caraças, gravar uma maqueta, e quando se tornassem grandes o suficiente iria passá-los a uma daquelas agências enormes de Los Angeles que sabem realmente o que fazem».

Com a ajuda de Kelly Curtis e Ken Deans, que já haviam “descoberto” os Mother Love Bone, Hauser passa a acompanhar os renomeados Alice In Chains, que dão o seu primeiro concerto com esta designação em 1988. A sonoridade do grupo estava ainda bastante enraizada no glam metal, e se isso mais tarde contribuiu para que os Alice In Chains fossem vistos como os mais “metaleiros” entre os artistas do grunge, à altura não era tão bem visto pelos seus pares. «Achávamo-los horríveis. Soavam aos Poison. Isso, para nós, era um nojo», revela James Burdyshaw, dos punks Cat Butt, em “Everybody Loves Our Town”. «Gozávamos com eles, mas o Layne era tão querido que nos conquistou». Claro que nem todos pensavam assim – como Susan Silver, que veio a tornar-se agente do grupo. «O Ken deu-me uma cassete com algumas canções deles, e eu achei-as bastante orelhudas, fantásticas. Fui vê-los ao vivo e pensei que eles eram muito divertidos, muito enérgicos. Estive com eles durante algum tempo e eram hilariantes».

A essas melodias irá juntar-se o peso do metal, sobretudo após um encontro de Jerry Cantrell com Kim Thayil, dos Soundgarden, que lhe explicará o conceito de Drop-D tuning – uma afinação da guitarra e do baixo, onde a corda mais grave é afinada um tom abaixo do usual (mais tarde, Jerry “culpou” 'Unchained', dos Van Halen, outros dos seus ídolos). A mudança valeu-lhes alguns comentários cínicos, de que estariam a aproveitar-se de outros terrenos criativos. O visual que passaram a adotar também não ajudou.

«Quando vi o Jeff Ament nos Mother Love Bone, pensei: uau. Tinham um aspeto diferente. Calções por cima de ceroulas, botas da tropa... Começámos a vestir-nos assim. Transformámo-nos naquilo a que agora chamam grunge», confessou Mike Starr em “Everybody Loves Our Town”. Mais contido, Cantrell apresenta no mesmo livro a sua defesa: «Inspirámo-nos em todas essas bandas, especialmente nos Soundgarden, mas temos a nossa própria voz. Seattle não era como outras comunidades musicais, onde toda a gente faz o que é fixe. Nós fazíamos, e era fixe, mas ninguém roubava o estilo de ninguém. Havia competição, mas com respeito». Para o engenheiro de som Dave Hillis, essa mudança na sonoridade dos Alice In Chains foi «natural». E apontou Dave Jerden, que os produziu, como o principal responsável.

Uma coisa séria

Em 1989, os Alice In Chains são o foco de uma reportagem da KING 5, estação televisiva afiliada da NBC News. Essa reportagem, da autoria de Diana Wilmar, irá abrir-lhes mundos e fundos. Sem voz off, consistindo apenas em imagens e entrevistas com o grupo, a reportagem valeu um prémio de edição a um dos fotógrafos envolvidos, e levou os Alice In Chains a assinar pela CBS/Columbia. «Não sei se teríamos passado da porta dos escritórios da CBS se não fosse por esse vídeo», admitiu Jerry Cantrell mais tarde.

Don Ienner, presidente da editora, era fã confesso dos Alice In Chains, e contrariamente ao que era habitual permite-lhes manter os seus direitos sobre o publishing das suas canções. Estávamos numa altura em que Seattle ainda não havia rebentado, mas já merecia atenções redobradas por parte dos grandes da indústria musical. «Toda a gente queria um pedaço», lembra Ken Deans em “The Untold Story”. «Desde os Mother Love Bone que a contratação das bandas era uma verdadeira guerra». Uma “guerra” que estava, no mainstream, a ser ganha pelos Guns N' Roses, cujo “Appetite For Destruction” se havia tornado num enorme sucesso comercial apenas um ano antes.

Dave Jerden, acabado de produzir “Nothing's Shocking”, dos Jane's Addiction, viu nos Alice In Chains a qualidade que outros, como o jornal musical de Seattle “The Rocket” (que durante muitos anos se negou a noticiar o que quer que fosse acerca da banda por puro desprezo), ignoravam. «Disse ao Jerry que aquilo que ele estava a fazer era o que o Tony Iommi fazia nos Black Sabbath», recorda em “The Untold Story”. A sua ligação ao grupo começa com “We Die Young”, EP lançado em julho de 1990, cujo tema-título depressa se tornará popular nas rádios mais ligadas ao metal, levando a CBS a querer gravar rapidamente um LP: “Facelift”.

O disco teve como base duas maquetas que os Alice In Chains haviam gravado em Seattle, e de onde saíram canções como a própria 'We Die Young' e o sucesso 'Man in the Box'. «Eles tocavam um pouco de cada estilo, do punk ao metal», explica Jerden. «A ideia era cortar tudo aquilo que eles não eram». Para além da bagagem que traziam já, os Alice In Chains encontraram na sonoridade expansiva de “Ritual De Lo Habitual”, segundo álbum de estúdio dos Jane's Addiction, que estava a ser co-produzido por Jerden, uma outra fonte de inspiração.

As gravações de “Facelift” não decorreram sem problemas. Sean, que partiu um braço durante uma festa, quase foi substituído por Greg Gilmore, dos Mother Love Bone. Mas Gilmore não conseguiu fazer faísca com os restantes membros, e Sean não foi de modas: tocou mesmo com o braço partido, arrancando as ligaduras e o gesso três semanas antes do previsto. «De cada vez que ele acertava na tarola, encolhia-se de dor», lembra o produtor. As canções, até então compostas numa toada rítmica mais forte, sofreram uma desaceleração por parte de Jerden. O efeito óbvio: tornaram-se mais pesadas e ameaçadoras, dando aos Alice In Chains uma sonoridade efetivamente própria.

Na caixa (mágica)

Lançado em agosto, “Facelift” não obteve sucesso imediato – esse estaria ainda por vir. Mas permite aos Alice In Chains partir em digressão com os Extreme, de Nuno Bettencourt. Durante a digressão, nas viagens de autocarro, Jerry não parava de praticar ou de compor. 'Rooster', um dos êxitos subsequentes do grupo, nasceu aqui. «Lembro-me de os ver a tocarem-na no sound check e só pensar 'porra, mais uma [boa]'», conta Jimmy Shoaf, técnico de bateria do quarteto de Seattle, em “The Untold Story”. «A culpa era da parte vocal. O Layne deu tudo à minha frente, e à frente de outras seis pessoas, nesse sound check. E eu a pensar, 'c'um caraças'. Em outubro de 1990, estava pronto para ouvir outro álbum».

Durante a segunda etapa da digressão de promoção a “Facelift”, os Alice In Chains juntam-se a Iggy Pop. Ao passarem por Nova Iorque, conhecem Paul Rachman, que tinha trabalhado com bandas punk e hardcore ao longo da década de 80, e que se ofereceu para gravar um vídeo com eles. 'Man in the Box' foi o tema escolhido, já que estava prestes a ser editado como single. O que veio a seguir apanhou muito boa gente de surpresa: 'Man in the Box' torna-se um sucesso nas rádios e abre «dezenas de portas» aos Alice In Chains, em particular, e ao grunge, no geral, como afirma Nick Terzo em “Everybody Loves Our Town”: «Eles foram a primeira banda desse movimento a ter sucesso. O disco tinha saído em agosto de 1990, mas a rádio começou a passar a 'Man in the Box' em 1991. E, pouco depois, a 'Would?' abriu ainda mais portas dentro da rádio alternativa – e os Nirvana entraram a rasgar».

Para Terzo, o trabalho final de Rachman com 'Man in the Box' espelhou «uma certa intensidade», não alheia do tema em si. «Na rádio, havia quem tivesse problemas com a canção: aquele verso, Jesus Christ, deny your maker, levou muitas estações a deixar de a passar. Foi uma anomalia. Ninguém sabia como lidar com este género de música, ou o que era sequer». Lançado em janeiro de 1991, o single de 'Man in the Box' deu aos Alice In Chains a notoriedade com que sonhavam há muito, e valeu-lhes, no ano seguinte, uma nomeação para um Prémio Grammy. Não apenas isso, como ajudou também nas vendas de “Facelift”, que em setembro de 1991 se tornou no primeiro disco da cena grunge a atingir o estatuto de disco de ouro, dois meses antes de “Nevermind”, dos Nirvana.

A MTV, que à altura popularizava ou acabava com uma banda, também teve o seu quinhão de responsabilidade, colocando o vídeo de 'Man in the Box' em alta rotação. «Era a MTV quem fazia com que se vendessem discos», afirmaPaul Rachman em “The Untold Story”. «Foi o auge do canal. Toda a gente o via». O sucesso teve tanto de repentino quanto de estranho: certa noite, os Alice In Chains entram num bar e encontram uma banda amadora a tocar uma versão de 'Man in the Box'...

Se os Alice In Chains tinham sido, pouco tempo antes, acusados de falta de originalidade, agora eram eles a bitola pela qual muitos outros grupos se passaram a reger. O produtor Jack Endino, um dos principais nomes da cena grunge (tem, no seu currículo, álbuns como “Bleach”, dos Nirvana), disse isso mesmo ao jornalista Everett True: «Por volta de 1992, 1993, toda a gente pensava que tinha de soar como os Nirvana, os Melvins, os Soundgarden ou os Alice In Chains. Os metaleiros suburbanos seguiam-nos a eles, porque os Alice In Chains fizeram a transição do metal para o grunge, ao passo que as outras bandas vinham do punk».

Alice in Chains, 1988 | Wikipédia

A ligação dos Alice In Chains ao mundo do heavy metal levou o grunge aos fãs deste tipo de música. E aos palcos onde este era tocado. Em 1991, o grupo fez parte da digressão “Clash of the Titans”, que juntou três dos quatro grandes do thrash: Slayer, Megadeth e Anthrax. A reação dos metaleiros começou por ser pouco efusiva; vistos como um elemento menor, os Alice In Chains sofreram na pele antes de começarem a ser respeitados. «Quando tocámos no Red Rocks [em Morrison, no Colorado], os fãs dos Slayer atiraram-nos com tanta tralha que mal víamos o público», recordou Jerry Cantrell mais tarde. Mas a persistência, e a resistência, deram frutos. «Estávamos à espera do autocarro, para nos irmos embora, e havia alguns deles nos bastidores. Começaram-se a aproximar de nós, e pensámos que nos iam encher de porrada. Mas só nos disseram: 'vocês não se acobardaram, até são fixes'».

O cavalo de Deus

Depois de “Facelift” e de 'Man in the Box', a noção de “fixeza” começou a estar intimamente ligada aos Alice In Chains. Só que a fama é uma faca de dois gumes: tanto dá, como tira. No caso, retirou a Layne Staley qualquer ideia de privacidade. Até no multibanco o vocalista era perseguido pelos fãs, que quando não o abordavam para um aperto de mão ou um autógrafo chegavam ao ponto de lhe arrancar um pedaço de cabelo. A Dave Jerden, Layne confessou que a fama o deixava «louco». «As pessoas tratam-me como um objeto. Já não sou uma pessoa. Sou uma mercadoria, para ser vendida».

Em retrospetiva, é sempre difícil determinar o que leva alguém a consumir uma droga tão destrutiva quanto o é a heroína. Layne, já sabemos, era tudo menos moderado. Mas, ainda assim, tinha conseguido manter a agulha longe dos seus braços, pelo menos até ao momento em que atingiu o estrelato. Ainda hoje não se sabe quem o terá introduzido a essa droga, mas poder-se-á especular que a pressão que sentia para ser “o vocalista dos Alice In Chains” e não apenas “o Layne” o terá empurrado para tais caminhos.

Johnny Bacolas, que foi colega de Layne nos Sleze, descobriu que o músico consumia heroína após uma digressão dos Alice In Chains com os Van Halen, em 1991. «Ele disse-me que tinha um problema, e que não o conseguia travar. Disse-me que a primeira vez que experimentou heroína foi também a primeira em que agradeceu verdadeiramente a Deus; que olhou para o céu e disse 'obrigado por esta sensação'», narra, em “Everybody Loves Our Town”. Susan acrescenta: «Não é como se os outros [membros dos Alice In Chains] não andassem metidos nas drogas, mas o Layne estava enterrado a sério. As nossas vidas centravam-se em como o ajudar».

A banda procurava manter-se focada, e “Sap”, EP de 1992, assumiu-se como o sucessor de “Facelift”. Alguns destes temas surgiram por obra de um “mecenas”, o realizador Cameron Crowe, que havia pedido à banda uma canção para a banda-sonora de “Vida de Solteiro” ('Would?', o tal tributo a Andrew Wood). Acabaria a pagar por dez: uns foram incluídos em “Sap”, outros em “Dirt”, o LP seguinte. “Sap” marca um ponto interessante na carreira dos Alice In Chains, sendo constituído por material essencialmente acústico, e com Cantrell como vocalista em 'Brother'. 'Rooster', um dos maiores clássicos do quarteto, era para ter sido incluído aqui, mas os Alice In Chains optaram por guardá-lo para “Dirt”. Com os Nirvana no primeiro lugar das tabelas de vendas, “Sap” não foi alvo de qualquer atividade promocional por parte da banda. Apesar disso, depressa chegou a disco de ouro, alicerçado apenas na popularidade dos Alice In Chains e do grunge.

Durante as gravações, os problemas de Layne com as drogas exacerbaram-se, levando à intervenção dos seus agentes. O vocalista chega a inscrever-se numa clínica de desintoxicação, a mesma que Andrew Wood havia frequentado, em Monroe (no estado de Washington). Porém, é depressa reconhecido pelos demais pacientes, o que o perturbou de tal forma que rapidamente saiu de lá. «Ele começou a chorar. Daí em diante, não era um tipo com um problema com as drogas à procura de tratamento. Era os Alice In Chains», desabafa Kathleen Austin, mãe de Demri Parrott, o grande amor da vida de Layne, em “The Untold Story”.

Com “Sap” terminado, era altura de apontar baterias ao segundo LP do grupo. As sessões de “Dirt” ficaram indelevelmente marcadas pelos motins ocorridos em Los Angeles, entre abril e maio de 1992, após quatro agentes da polícia local terem sido absolvidos por um júri, em tribunal, do uso de força excessiva contra o afro-americano Rodney King. «Foi assustador», confirmou Jerry Cantrell. «Isso afetou definitivamente o álbum». As sessões de gravação chegaram a ser interrompidas durante vários dias, mas serviram para três coisas. Primeiro, para perceber que 'Rooster', composta por Cantrell em homenagem ao pai, que havia combatido na Guerra do Vietname, era de facto uma canção «especial». Segundo, para ajudar Layne a desenvolver a sonoridade, ao nível da voz, pela qual se tornou conhecido, colocando várias gravações da mesma em camadas, em estúdio. E em terceiro, e mais preocupante, para concluir que Layne, viciado, simplesmente não era o mesmo homem dotado de um talento extraordinário, através do qual vinha sendo reconhecido.

O vocalista chegou mesmo a ser confrontado por Dave Jerden em relação às suas prestações, cada vez piores. A tensão atingiu um ponto chave quando Layne sai disparado, furioso, dos estúdios, após comentários menos abonatórios do produtor. «Eu disse-lhe que não queria que ele cantasse depois de consumir heroína. Lembro-me de lhe ligar, a dizer que não estava a tentar ser má pessoa, que só queria gravar a voz dele. Depois disso, deixámos de ter problemas», conta. Mas, quando não era Layne o problema, era-o o seu traficante. «Andava sempre com ele. Quando eu estava a misturar o disco, o dealer dele fez um comentário sobre o que queria alterar na mistura. Passei-me: o dealer, a ter uma opinião sobre a minha mistura?».

Lançado em setembro de 1992, “Dirt” recebeu boas críticas por parte da imprensa especializada, e foi visto por muitos como a obra-prima dos Alice In Chains, atingindo nos anos subsequentes o estatuto de quádrupla platina. As drogas, sobretudo a heroína, o sentimento de culpa, o abismo, tudo isso estava espelhado nas letras das suas canções, sobretudo na segunda metade do álbum, de 'Junkhead' a 'Angry Chair'. «Essas canções foram colocadas nessa sequência porque contam uma história», explicou Jerry Cantrell. «Começa com a atitude juvenil, ingénua, de 'Junkhead' – as drogas são incríveis, o sexo é incrível, viva o rock n' roll – até progredir, até se perceber o que tudo isso é de facto».

Jerden não esconde, em “Everybody Loves Our Town”, que receou estar a fazer um disco «que glorificava o uso de drogas». Um receio que Layne também tinha, não querendo que os fãs dos Alice In Chains, como acontecera décadas antes com os Velvet Underground e a emblemática 'Heroin', começassem a consumir heroína por sua causa. Porém, não foi assim que os fãs encararam “Dirt”. «O que eu ouvia da boca das pessoas era que este era um disco que mostrava os horrores do consumo de drogas», afirma o produtor. «Era um disco diferente, e todas as canções nasceram a partir de experiências pessoais e emocionais. É por isso que tanta gente gosta dele». A imprensa, no entanto, não perdoou a Layne essa franqueza. Depois de “Dirt”, todas as entrevistas com o músico passaram a conter referências ao seu consumo de drogas. «Quando o fiz, andava a chutar imenso cavalo, e isso é apenas e só da minha conta», disse à revista Rolling Stone.

Um homem doente

Se Layne foi sobrevivendo ao seu consumo, tanto a nível pessoal como ao nível da banda, o mesmo não se pôde dizer de Mike Starr, que abandonou os Alice In Chains em 1993. Em causa esteve não só o seu vício, ou o facto de ter andado a vender, à revelia, entradas na guest list dos concertos dos Alice In Chains para o alimentar, mas também a sua atitude confrontacional e, ainda, o ter falhado vários ensaios e o querer mais direitos sobre o publishing para si – o que o levou, por pelo menos uma vez, a discutir agressivamente com os restantes membros a inclusão de um tema de sua autoria num álbum do grupo.

O seu último concerto com os Alice In Chains teve lugar no Rio de Janeiro, numa altura em que o grupo já apontava a Mike Inez como seu substituto. Um concerto que acabou com um susto: no hotel, Starr consumiu heroína na companhia de Kurt Cobain (os Alice In Chains estavam em digressão com os Nirvana), e sofre uma sobredose que o deixa legalmente morto durante 11 minutos. «Acordei, e estava todo molhado, num quarto diferente daquele em que estava, com o Layne a esmurrar-me e a chorar», relatou mais tarde.

Mike Inez era, para os Alice In Chains, um substituto natural para Mike Starr. Não só por partilharem o mesmo nome, mas também por fumarem a mesma marca de cigarros e por tocarem a mesma marca de guitarras-baixo. Além de serem parecidos, conforme brincou Jerry Cantrell. Inez fazia, à altura, parte da banda de apoio a Ozzy Osbourne, que deu a sua bênção para que o baixista se juntasse aos Alice In Chains. Com estes, parte em digressão pela Europa, gravando depois os seus primeiros temas com o grupo: 'What the Hell Have I' e 'A Little Bitter', ambos parte da banda-sonora de “O Último Grande Herói”, filme de John McTiernan.

Durante esta digressão, Layne pediu para si um autocarro privado, onde se pudesse manter longe da tentação de consumir drogas. Um ato falhado. O seu vício foi piorando, ao ponto de o seu aspeto físico se alterar. Ao gravar uma versão de 'Ring Them Bells', de Bob Dylan, com as Heart, Layne não deixou nenhum dos presentes indiferente. «Dava para ver que os problemas dele com o vício tinham-lhe roubado parte de si», conta a vocalista Ann Wilson em “The Untold Story”. «Estava cada vez mais pequeno, corcunda. Ele já era pequeno antes, mas comecei a ter medo de lhe partir os ossos quando o abraçava».

“Jar of Flies”, EP lançado em 1994 e o primeiro de sempre a atingir o primeiro lugar das tabelas de vendas (um recorde que só foi igualado uma década depois, quando os Linkin Park e Jay-Z editaram juntos “Collision Course”), ainda tentou devolver alguma normalidade ao seio dos Alice In Chains. Mas era, talvez, tarde demais. Nesse mesmo ano, o grupo irá atingir um ponto de não-retorno, quando Layne, após mais uma tentativa de reabilitação perdida, se apresenta pedrado num ensaio antes de uma lucrativa digressão com os Metallica. Sean, que se debatia com os seus próprios problemas com o álcool, decide não voltar a tocar com Layne. O mesmo faz Jerry. Durante seis meses, e após uma declaração aos fãs que justifica a sua decisão com «problemas de saúde», os Alice In Chains irão estar em hiato, cancelando a digressão e um outro concerto, na edição desse ano do festival de Woodstock. «Perdi muita da minha confiança [no Layne]», admitiu mais tarde Sean Kinney.

Uma vez mais

Com os Alice In Chains no limbo, Layne volta a tentar largar a heroína, mas começa igualmente a demonstrar tendências suicidas, como o atestam os amigos a quem pediu ajuda durante este período. O intervalo permite-lhe não só procurar melhorar a sua saúde, como lhe dá outro ímpeto criativo sob a forma dos Mad Season, grupo que formou com Barrett Martin (Screaming Trees), Mike McCready (Pearl Jam) e John Baker Saunders. E mesmo esse ímpeto tinha um objetivo imenso na sua génese: a ideia de McCready era a de que Layne iria sentir-se encorajado a manter-se sóbrio, tocando com músicos que o estavam já. Pelo meio, os Mad Season lançam um disco, “Above”, e dão dezenas de concertos, levando os fãs a especular sobre os motivos reais do hiato dos Alice In Chains. Se existiam «problemas de saúde», como é que Layne poderia estar a atuar?

Cantrell, entretanto, já estava a fazer planos para o regresso dos Alice In Chains. O álbum homónimo que a banda editaria em 1995 nasceu da sua tentativa de editar um disco a solo. Com a ajuda do produtor Toby Wright, Cantrell – tal como tinha acontecido anos antes, com Layne – procurou “atrair” os demais membros dos Alice In Chains a juntarem-se a ele. O plano, uma vez mais, resultou, e o grupo grava algumas maquetas. «Sou demasiado sentimental», disse então. «Não quero tocar com outra banda. Não acho que consiga lançar algo que seja melhor do que aquilo que os Alice In Chains conseguem fazer juntos».

Alice in Chains | Facebook Alice in Chains

O grupo isola-se então de tudo e todos, incluindo da sua editora, aproveitando essa liberdade no processo criativo. Mesmo viciado, e mesmo tendo problemas em atingir a mentalidade exigida, Layne faz um bom trabalho nas vozes. As sessões são posteriormente descritas por Susan Silver como «dolorosas», dado o vício do vocalista. Uma entrevista à Rolling Stone não ajudou. Apesar de ter corrido bem, os editores da revista colocam Layne na capa, à revelia do autor do artigo e do próprio músico, que não queria ser o destaque. Pior: colocam a sua dependência de drogas em manchete, dando a entender que, nos Alice In Chains, é ele o único com problemas.

“Alice In Chains” viria a ser tanto o primeiro disco da banda com Mike Inez como o último com Layne Staley. Na sua semana de lançamento, atingiu o primeiro lugar das tabelas de vendas nos Estados Unidos, sendo a “casa” de temas como 'Grind' ou 'Heaven Beside You'. Mas quem queria escutar estas canções ao vivo depressa se desapontou: o vício de Layne não permitiu à banda entrar em digressão a promovê-lo, algo que Cantrell descreveu como «frustrante». A redenção surgiu sob a forma de uma participação no programa “Unplugged”, da MTV, em 1996, que gerou um dos álbuns ao vivo mais aclamados dessa série – perdendo apenas, talvez, para o registo dos Nirvana.

Para Alex Coletti, produtor da MTV, o facto de os Alice In Chains não estarem em digressão foi um ponto positivo. Permitiu-lhes descansar da vida na estrada e sair do modo elétrico, algo que não teria sido possível se o concerto “Unplugged” tivesse sido encaixotado entre concertos de estádio. Nem os problemas vividos durante as gravações, com os atrasos e as discussões então habituais, beliscaram o enorme sucesso alcançado com este espetáculo, que contou com a presença de Scott Olson como segundo guitarrista e com versões acústicas, brilhantes, de temas como 'Rooster', 'Down In a Hole' ou 'Would?'. Pouco depois, os Alice In Chains voltaram aos grandes palcos, abrindo para os Kiss, heróis de infância de Jerry e Sean. Mal sabia o quarteto que seria a sua última vez que partiriam juntos em digressão.

Tudo termina

Ao vê-los em Kansas City, ao lado do técnico de som, Susan Silver teve um pressentimento: aquele seria o último concerto de sempre dos Alice In Chains, como então eram conhecidos. Layne, bem-disposto, ia fazendo palhaçadas em palco, espicaçando o público presente. Sean chegou a levantar-se da bateria para cantar uma versão de 'Beth', dos Kiss. No final, o quarteto abraçou-se e fez uma vénia, mostrando que, apesar de todos os problemas, ainda havia ali amor. Foi sol de pouca dura. Meras horas depois, Layne sofreu uma sobredose de drogas, e os Alice In Chains anunciaram um novo hiato.

A morte de Demri, em 1996, de quem chegou a estar noivo, abalou fortemente Layne, que depois dos Alice In Chains passou a viver uma vida de reclusão. Sem poder ajudar o homem com quem havia partilhado boa parte da sua vida, Jerry Cantrell decidiu, por fim, lançar-se a solo, editando o álbum “Boggy Depot” em 1998, com Sean como baterista e com Mike Inez como convidado em três temas. Só Layne fica de fora desta espécie de reunião. Questionado sobre em que estado se encontravam os Alice In Chains, Cantrell mostra-se esquivo, dizendo que «não dá para fechar essa porta». Nesse mesmo ano, o grupo volta momentaneamente ao estúdio para gravar dois temas originais, parte da box set “Music Bank”.

O estado de Layne, ao entrar em estúdio, impressionou todos os que nele se encontravam. «Não tinha o aspeto de antes. As pernas estavam atrofiadas. Parecia um velho, desdentado. Foi muito triste», conta o assistente Eric Trujillo em “The Untold Story”. O vocalista dava sinais de boa disposição, falando de música e de videojogos, mas foi difícil fazê-lo focar-se no trabalho, que durou apenas um fim de semana. Com “Music Bank” e os dois temas – 'Get Born Again' e 'Died' – editados, Layne e os Alice In Chains voltam a seguir caminhos opostos, ainda que uma entrevista na rádio tenha dado esperanças aos fãs. O vocalista, que respondeu com humor às questões dos fãs e ainda flertou com uma delas, admitiu estar disposto a regressar ao grupo.

Uma gravação de uma versão de 'Another Brick in the Wall', dos Pink Floyd, com o supergrupo Class Of '99, de Tom Morello, terá sido a última de sempre de Layne Staley. Na viragem do milénio, o músico é apenas uma lembrança de uma estrela rock. No seu apartamento em Seattle, dedica-se a artes extra-musicais, recebendo visitas de nomes como Krist Novoselic, que lhe ia entregar alguma comida, e de John Frusciante, recentemente curado de um problema semelhante com a heroína. Nenhum deles o conseguirá recuperar para uma vida dita normal. Nem a família, com quem esteve após o nascimento de um sobrinho. O último a vê-lo com vida terá sido Mike Starr, no 36º aniversário deste, a 4 de abril de 2002; Layne confessa-lhe «estar doente», e revela sofrer de hepatite C. Os dois despedem-se após uma pequena altercação. Na noite seguinte, Layne estava morto.

A fortuna que Layne Staley amealhou com o seu trabalho nos Alice In Chains foi, também, o que foi alimentando o seu vício. Sem ter que se preocupar em fazer dinheiro de outras formas, como muitos viciados, o vocalista permitiu-se fechar-se em copas e ignorar o mundo exterior, encontrando o seu refúgio na heroína que havia de o matar. Mesmo que não o condenasse. «Acredito que há um lugar maravilhoso para onde vamos após esta vida, e não acredito na danação eterna», confessou à Rolling Stone anos antes de morrer. «Não sou religioso, mas compreendo bem a minha espiritualidade».

A banda, escreveu-se já, reagiu de forma solene à morte de Layne, com uma curta declaração. Sean Kinney descreveu-a como «um dos suicídios mais longos do mundo», admitindo que estava à espera do anúncio da sua morte «há sete anos». Jerry Cantrell afirmou que «não havia nada que alguém pudesse fazer». «Ele fez a sua escolha, e manteve-a. E não correu bem». Mike Starr, falecido em 2011, igualmente por sobredose de drogas, irá sentir-se para sempre culpado de não ter feito mais naquela noite.

O negro dá lugar à luz

Para todos os efeitos, a morte de Layne Staley deveria ter sido a morte dos Alice In Chains enquanto banda. Mas o rock n' roll não é assim tão simples. Quando Ian Curtis se suicidou, os demais Joy Division decidiram continuar com outra designação, New Order. A morte de Bon Scott não significou o fim dos AC/DC, que rapidamente o substituíram por Brian Johnson. Porque não poderiam os Alice In Chains continuar a fazer música juntos? A resposta a essa pergunta nasceu de uma outra tragédia: o tsunami de 2004 no Oceano Índico.

Abalado, Sean decide organizar um espetáculo de beneficência em Seattle, cujos lucros reverterão na íntegra para organizações de apoio às vítimas do sismo. O plano era ter os Alice In Chains, sem Layne, a tocar com vários vocalistas convidados, entre eles Maynard James Keenan (Tool), Wes Scantlin (Puddle of Mudd) ou Ann Wilson. Foi um sucesso. O espetáculo angariou 100 mil dólares, e o público, que havia esgotado todos os bilhetes, mostrou-se bastante efusivo com o regresso da banda. «Passaram-se por completo», afirmou o jornalista Jeff Gilbert em “The Untold Story”. «Acho que foi aí que eles perceberam que podiam voltar com os Alice In Chains».

Sean Kinney, Mike Inez, William DuVall e Jerry Cantrell | Mat Hayward / Getty Images via AFP)

O grupo reuniu-se por fim em 2006, chamando um vocalista que Cantrell já conhecia bem: William DuVall, dos Comes With the Fall, que andaram em digressão com o guitarrista em 2001. A posição de William rapidamente deixou de ser a de um simples substituto de Layne, para passar a ser um membro efetivo da banda. Se é verdade que alguns fãs dos Alice In Chains descartaram esta situação à partida, muitos outros se sentiram imediatamente conquistados pela voz do músico. Em 2009, surge o primeiro álbum dos Alice In Chains em mais de uma década: “Black Gives Way to Blue”, título que é um tributo a Layne Staley.

Mesmo que sem o sucesso de outrora, que também se explica pela mudança de paradigma na indústria musical, os Alice In Chains continuam ainda hoje a dar cartas – dos poucos sobreviventes da era grunge. O seu último trabalho, “Rainier Fog”, foi editado em 2018, e chegou ao primeiro lugar da tabela da Billboard relativa a álbuns rock. Sem ele, e sem a música original que têm vindo a criar nesta sua segunda encarnação, talvez os Alice In Chains não existissem sequer. «Esta banda sobreviveu por causa disso», afirmou William DuVall ao NME. «Podíamos ter dado cabo desta reunião em 2006, se o objetivo primário não fosse o de fazermos música juntos. Quando tocas perante 30 mil pessoas em Portugal, não tens tempo para pensar em mais nada que não 'como é que vamos fazer isto?'».

Outro factor importante terá sido o de terem escolhido a vida, como que a lembrar a mítica exclamação de “Trainspotting”. Ao contrário de Layne, Mike Inez, Jerry Cantrell e Sean Kinney conseguiram libertar-se das amarras dos seus próprios vícios, acabando com aquilo que o malogrado vocalista nunca teve: uma sensação de paz e de dever cumprido. «Eles escolheram viver e fazer o que amam: a música», afirmou Susan Silver em “The Untold Story”. Para David De Sola, que os Alice In Chains ainda se mantenham no ativo é um atestado «ao poder duradouro e à qualidade do seu trabalho».Talvez possamos ir mais longe, e escrever que os Alice In Chains são um caso raro de sobrevivência: mergulharam no abismo, mas conseguiram de lá sair. No processo, ensinaram-nos a todos – apesar do negrume presente nas suas obras – que esta coisa de viver até é algo que vale bastante a pena.


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