Editados pela Antígona, “Modos de ver” e “Entretanto”, este último inédito em Portugal, são dois livros de ensaios, um sobre a arte e o outro sobre o mundo contemporâneo.
Escritor, poeta, romancista, ensaísta, dramaturgo, guionista e crítico de arte, John Berger começou por ser pintor, mas acabou por se virar para a escrita, não porque duvidasse do seu talento como artista plástico, mas por sentir que a situação política em que vivia na altura (em plena Guerra Fria) o impelia a escrever.
Morreu em janeiro de 2017, em Paris, França, aos 90 anos, deixando uma vasta obra publicada, de várias dezenas de romances, ensaios, artigos na imprensa, poesias, guiões de cinema — escritos com o realizador suíço Alain Tanner —, peças de teatro e algumas pinturas, atualmente expostas nas galerias Wildenstein, Redfern e Leicester, em Londres.
O autor ensinou desenho na Universidade de St Mary’s, em Londres, e tornou-se crítico de arte, tendo publicado vários ensaios sobre o tema.
É o caso de “Modos de ver” (“Ways of seeing”, 1972), um dos poucos livros publicados em Portugal e que se encontra esgotado, que a Antígona passou a incluir no seu catálogo, em outubro.
Trata-se de um ensaio introdutório em crítica de arte, escrito como acompanhamento de uma série homónima da BBC, considerada a obra mais famosa de John Berger — a par com o romance “G”, vencedor do Man Booker Prize em 1972 –, e um dos livros mais influentes na história da arte do século XX, que agora regressou às livrarias portuguesas, mas com nova tradução, de Jorge Leandro Rosa.
Este ensaio, que revolucionou a forma de olhar a arte, sendo o mais influente e celebrado de John Berger, é uma reflexão, em texto e imagens, sobre o modo como as ideias de beleza, verdade, género ou classe social moldam radicalmente a perspetiva que cada um tem da realidade.
O livro desvenda ainda as mensagens subliminares que o poder, a propriedade, a dominação masculina ou a objetificação da mulher deixaram na cultura, dos quadros a óleo à publicidade do século XX.
“Ao fazer notar que, quando observamos uma pintura ou fotografia, também nos observamos a observá-las, filtrando-as pelas nossas emoções e experiências, ‘Modos de Ver’ faz de cada olhar uma crítica — um ato empático, político e poderoso”, descreve a editora.
Em “raciocínios clarividentes”, Berger percorre a história da arte e democratiza a sua crítica — demolindo os muros entre alta e baixa cultura –, encontrando entre as pessoas semelhanças onde parece só haver diferenças, acrescenta.
Mas a obra de Berger não se esgota na pintura e na crítica de arte, sendo vastos os textos que escreveu sobre os mais variados temas, como é o caso de “Entretanto” (“Meanwhile”, 2008), um breve ensaio, poético, sobre o mundo contemporâneo e uma denúncia da forma como o poder transforma o planeta numa prisão. Este ensaio é também publicado pela Antígona.
Segundo a editora, este era “um dos ensaios favoritos do autor”, cuja versão portuguesa é traduzida por Júlio Henriques.
“Ando em busca de palavras que descrevam o período da história que estamos a atravessar”, escreveu o autor, e a resposta foi encontrada com este brevíssimo ensaio de “extraordinária beleza e lucidez”, acrescenta o tradutor.
O livro é um comentário “cristalino” ao período de tempo que a humanidade atravessa. “Entretanto” compara a distopia neoliberal contemporânea a uma prisão: “um espaço finito e circunscrito, de vigilância consentida e permanente dos nossos passos, de modelação opressiva dos nossos pensamentos”.
“Nesta prisão invisível de alienação e consumo, parece que a única liberdade que nos concedem é a de nos afogarmos em cada vez mais fluxos de dinheiro e informação, de onde é impossível emergir. Entretanto, como resistir?”, é o dilema lançado pelo autor.
Com uma escrita simultaneamente poética e provocadora, John Berger “toma o pulso a uma humanidade encarcerada entre o subúrbio e o local de trabalho, entre o gueto e o centro comercial”, descreve a Antígona.
Desta análise, chega à conclusão – nas palavras do próprio autor – de que “a liberdade está lentamente a ser descoberta, não no exterior da prisão, mas nas suas profundezas”.
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