Intitulada “O desenho impreciso de cada rosto humano, refletido. Retratos de Júlio Pomar”, a mostra tem curadoria de Sara Antónia Matos e Pedro Faro, e vai incidir sobre o modo como Júlio Pomar pensou o género artístico do retrato ao longo de mais de 70 anos, atravessando diversas fases de criação, desde o Neo-realismo, na década de 1940, até 2018, ano da morte.
A iniciativa dará conta, em parte, das várias relações que o artista foi estabelecendo com diferentes pessoas, do seu círculo de contacto mais pessoal, e com figuras notáveis de diferentes domínios da sociedade portuguesa, destaca a organização num texto sobre a mostra, que ficará patente até 28 fevereiro de 2021.
Bocage, Carlos do Carmo, Cristina Branco, Mariza, Claude Lévi-Strauss, Camões, Baudelaire, Mallarmé, José Cardoso Pires, Graça Lobo, Tereza Martha, Maria Lamas, Almada Negreiros, José Manuel Galvão Teles, António Victorino de Almeida, Dante Alighieri, Mário de Sá-Carneiro, Vasco Graça Moura, Ruth Escobar, Humberto Delgado, Orlando Costa, Ilse Llosa, Eugénio de Andrade, Mário Dionísio, Alice Jorge, Manuel Vinhas, entre outras personalidades, estão retratados nesta mostra.
Estas pessoas pontuam o seu trajeto de amigos, paixões ou figuras que Júlio Pomar admirava.
Também serão apresentados vários autorretratos, de diferentes momentos da vida do artista, que nesta exibição tem obras em pintura, desenho, escultura, assemblagem, algumas nunca antes mostradas, provenientes do acervo do Atelier-Museu Júlio Pomar, de várias coleções privadas e do espólio do criador, na posse da sua família.
O título da exposição - segundo os curadores - é “roubado” a um poema de Miguel Torga, “O Narciso”, figura mitológica que, no reflexo da água, procura ver a sua imagem fugidia.
Como refere o título, com esta exposição, os curadores procuraram perceber os modos de ação do artista, trazendo para o centro da atenção a importância que o desenho, o esboço ou o estudo assumem no seu trabalho, particularmente neste âmbito do retrato, mesmo quando o desenho acontece não apenas isoladamente, enquanto registo autónomo, mas na própria pintura.
Os retratos de Júlio Pomar "surgem no âmbito de diferentes interesses e circunstâncias: relações pessoais e afetivas, literatura, música, política, afinidades culturais e ideológicas e, por vezes, resultado de dinâmicas decorativas ou de encomenda".
São exemplo dos últimos, os retratos de Fernando Pessoa, Bocage, Camões e Almada para o metropolitano de Lisboa, ou de Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire, Stéphane Mallarmé e outros, para obras literárias, e ainda de António Champalimaud, para um monumento instalado na Fundação Champalimaud, refere a organização.
"Se alguns dos retratos iniciais assumem uma construção que remete para Picasso ou modos de representar mais naturalistas/realistas, variando entre o registo quase diário – desenhos da prisão – e trabalhos mais demorados no âmbito da pintura, os retratos do final da década de 1960 e 1970 surgem enformados pelas experiências que o artista vinha desenvolvendo desde finais da década de 1960 e ao longo da de 1970, em torno da desconstrução da figura e da fragmentação do corpo, na senda de referências como Ingres e Matisse", apontam.
Pode dizer-se que “os primeiros retratos, de que é exemplo o de Maria Lamas, importante fotógrafa documental, embora por vezes desconhecida, e feminista, estão ancorados numa lógica de semelhança mais óbvia ou convencional, salientando-se o virtuosismo do trabalho de pintura”.
A partir da década de 1970, os retratos pintados, sobre tela, são gerados a partir de exercícios de memória, ou a partir do auxílio de fotografias que acentuam as características peculiares de um rosto.
"Daí também o gosto pela síntese e o interesse em cultivar uma metodologia de invocação. Através dela, o pintor recorre à memória, invoca o seu poder de seleção, e recupera dela as partes e os aspetos distintivos de um rosto, os quais, isolados, servem para elaborar uma heráldica do corpo, composta por sinais, longe já do retrato fotográfico ou naturalista mas que torna possível o reconhecimento de uma face em particular", explicam.
A categoria retrato – especialmente, o polémico retrato de Mário Soares para a Presidência da República, mas também o do filósofo francês Claude Lévi-Strauss – "é uma constante no percurso de Júlio Pomar", que, "desde cedo, ocupou-se de retratos de outros, de si próprio, de grupo ou individuais".
Esta exposição é ainda ocasião para a publicação de um livro em ‘braille’ e escrita ‘normovisual’, com quatro pequenas entrevistas, depoimentos, de personalidades retratadas por Júlio Pomar.
Além disso, a exposição será ainda ponto de partida para um trabalho realizado com a escola de Ensino Artístico António Arroio, que este ano visa explorar, no contexto do projeto "DESCOLA", do Atelier-Museu Júlio Pomar/Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa (EGEAC), um conjunto de temas, afins ao retrato e ao rosto, como o de identidades múltiplas e fluidas, assinala a organização.
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