A música sempre fez parte da vida de Isabel Ruth, que começou por ser bailarina e desde muito nova ouvia música clássica, antes de entrar no mundo da representação, recordou em entrevista à agência Lusa a atriz de “Verdes Anos” e “Mudar de Vida”, de Paulo Rocha.
Chegou a ter lições de guitarra — três – quando era “muito nova”, mas acabou por desistir. Apesar disso, andou sempre com uma guitarra atrás. “Nunca me separei da guitarra”, contou, recordando que foi quando viveu em Ibiza, na década de 1970, que começou a perceber que “com muitos poucos acordes podia fazer canções”.
“Como é que faço canções? Da mesma maneira que me surgem melodias de que não estou à espera. Por uma razão qualquer, pego na viola a descobrir uns acordes e a melodia não está na guitarra, está na minha cabeça. Depois, como tenho muitas limitações musicais, porque nunca aprendi música, limito-me aos acordes que sei”, partilhou.
Ao vestir a pele de crítica, classifica as canções que faz como “muito genuínas” e com letras “que surgem com a melodia” e “têm muito significado”.
“Acho que é uma música mesmo do coração, das entranhas. É uma coisa mais para uma pessoa ouvir [com atenção] a letra que está lá”, disse.
O tema das canções que estão no disco “é sempre o amor”. “Mas não o amor romântico. O amor. O amor que reside em cada um de nós. Quando falo de amor, estou a falar do amor em mim, não do amor por alguém”, explicou.
Quando escreve poemas, ou letras de canções, Isabel Ruth faz “o elogio ao amor”, até porque “na Arte tudo vem do amor”, “um estado que é pacífico, amoroso, mas pode ser também doloroso”.
“Qualquer inspiração tem sempre que partir de um lado quase que não é palpável. É esse lado nosso que nos transcende. Na música, como na pintura – gosto muito de desenhar — nós vamos em busca da transcendência, sair do quotidiano”, partilhou.
Além das letras, Isabel Ruth é também autora das melodias, que “são muito simples”, e às quais foram depois adicionados os arranjos, que são como “a folhagem que se junta às rosas num ‘bouquet'”.
Quando começou a criar canções, a atriz fê-lo sem qualquer pretensão de um dia as editar. “Fazia canções como faço desenhos”, disse.
Mas há uns 15 anos acabou por decidir mostrar o que fazia ao responsável de uma editora, que “achou que havia ali qualquer coisa, mas desistiu”.
O processo foi moroso. Fez várias tentativas, teve “muita gente interessada”, mas por uma razão ou outra acabava por não acontecer.
Estar viva e “relativamente saudável, porque ninguém está completamente saudável”, foi a conjugação de fatores necessária para aos 84 anos editar o primeiro disco.
Não se assume cantora – “não tenho grande voz, eu sei, tenho pouca voz” — mas se a vida voltasse atrás gostava de ter sido.
Fez teatro, interpretou autores como Fernando Pessoa, Nikolai Gogol, Marguerite Duras. No cinema, trabalhou com Manoel de Oliveira, António de Macedo, Fernando Lopes, José Álvaro Morais, Margarida Gil, João Botelho, Teresa Villaverde, Cláudia Varejão, gerações de realizadores. Em “Édio Rei”, de Pier Paolo Pasollini, foi a criada de Jocasta. Foi premiada, homenageada na Cinemateca Portuguesa com um ciclo em seu nome e com o livro de João Bénard da Costa “A Dupla Vida de Isabel Ruth”. E queria ser cantora.
“Eu queria ser cantora. Cantora e roqueira e música e tudo isso. Sinto que a minha vocação está mais virada para a música e para a dança do que propriamente atriz”, contou, recordando que começou a carreira na representação “quase que empurrada pelo marido”, que era ator.
Apesar de “Português Suave” ainda não ser o álbum com que sonhava — “quero uma orquestra” — está satisfeita com o resultado final.
“Mas mais vale um pássaro na mão, do que dois a voar. Isto é muito válido, da maneira como foi feito. Não acredito que agora vá ter um grande sucesso, mas isto é uma prova de que há aqui qualquer coisa que tinha que acontecer”, disse.
No álbum, com produção e direção musical do músico e produtor Agir, Isabel Ruth é acompanhada apenas ao piano, por Manuel Oliveira.
A ligação com Agir começou quando gravaram juntos “Madalena”, tema da autoria de Isabel Ruth, incluído no álbum “Cantar carneiros”, do músico, editado em 2022.
Embora tenha criado mais canções entretanto, Isabel Ruth não tem “planos nenhuns” de as editar.
“Isto foi para mim um processo tão chato ao mesmo tempo, tão difícil, porque criou-me muita ansiedade, não foi uma coisa assim ‘temos aqui uma brutalidade de dinheiro’. Eu julgava que chegava ao estúdio e gravava aquilo tudo, que tinha este instrumento e aquele e aqueloutro. Mas mesmo assim estou cheia de sorte, porque consegui um disco”, partilhou.
Em edição de autor, com apoio do Fundo Cultural da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), “Português Suave” é editado em vinil e está disponível desde hoje nas plataformas de ‘streaming’.
Entretanto, Isabel Ruth irá continuar a pegar na guitarra e a ver surgirem músicas de que não estava à espera: “São coisas que eu não sei de onde vêm. São muito simples. São genuinamente simples”.
Joana Ramos Simões (texto) e Miguel A. Lopes (fotos), da agência Lusa
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