Com esta peça escrita há dois anos, mas só agora levada ao palco, Lígia Soares pretendeu fazer uma metáfora aos contos de fadas que povoaram o imaginário de muitas crianças, para mostrar que, apesar de na sociedade atual as diferenças sociais se encontrarem mais “esbatidas, as relações conjugais não servem de motor para a ascensão social”, explicou à Lusa a autora do texto.
“Atualmente, não há, de uma forma geral, tanta oposição como havia no passado contra uniões de casais provenientes de estratos sociais diferentes, mas, no entanto, há uma consciência implícita, mesmo entre os cônjuges, da impossibilidade de resolução desta assimetria resultante da proveniência de estrato social”, referiu.
“Cinderela” é assim uma peça de teatro em que Lígia Soares se aproxima das teorias de reprodução social defendidas pelo filósofo e sociólogo francês Pierre Bordieu, um dos pensadores ligados à corrente sociológica do estruturalismo construtivista.
Cláudio da Silva e Cristina Alfaiate – que interpretam a peça e que a criaram em conjunto com Lígia Soares – representam assim uma Cinderela e um príncipe dos tempos modernos, um casal “atingido permanentemente por um conflito latente”, que reflete o “amor não romântico que pauta as relações atuais”, segundo Lígia Soares.
“Apesar de serem um casal em permanente diálogo – e o público só tem acesso a eles através dos diálogos que mantêm, já que é uma peça parada e sem ação -, eles estão sempre a questionar-se a eles e à relação que mantêm”, observou.
Nem um nem outro obtém, em qualquer momento da relação, a ideia de “satisfação ou de plenitude”, disse Lígia Soares, frisando que, “em momento algum do diálogo, conseguem compreender-se a cem por cento um ao outro”.
E apesar de este casal partilhar muita coisa ao nível da consciência, nunca nenhum vai fazer o que quer que seja, para ser diferente, um em relação ao outro.
Por isso, nesta peça, ninguém vai encontrar uma perspetiva de que o amor consegue mudar o mundo, sublinhou Lígia Soares.
Antes pelo contrário. Porque apesar de a peça ser um diálogo sobre o amor romântico, também mostra a resistência à mudança de posição numa analogia à imobilidade social, referiu.
“‘Cinderela’ tem muito do cinismo que pauta as relações atualmente; porque o casal até pode aparentar ser muito feliz, para poder constituir um modelo, mas, no seu íntimo, [eles] estão sempre insatisfeitos”, conclui a autora do texto.
Em cena na sala Mário Viegas, de 19 a 24 de junho, com espetáculos de terça-feira a sábado, às 21:00, e, aos domingos, às 17:30, “Cinderela” terá dois ensaios abertos ao público – nos próximos sábado e domingo, às 11:30, no âmbito da iniciativa “Os dias do público” -, a decorrer a partir de sexta-feira e durante este fim de semana, no S. Luiz.
No dia 23, após o espetáculo, a equipa artística conversará com o público.
A direção musical e o apoio à dramaturgia são de Mariana Ricardo e, a conceção plástica, de Henrique Ralheta.
A peça é uma coprodução do S. Luiz, do Teatro Aveirense e do Rivoli, no Porto – onde será representada em 2019 -, e do teatro Viriato, em Viseu, onde estará em cena a 13 de outubro.
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