António Cabrita (1959), Rui Cardoso Martins (1967), Patrícia Portela e Jacinto Lucas Pires, ambos nascidos em 1974, são os autores dos textos inéditos encomendados pela CTA para o espectáculo sobre o 25 de Abril assinalando o 50.º aniversário da Revolução, que se assinala este ano.

O primeiro pensamento que ocorreu à encenadora Teresa Gafeira, quando soube que ia dirigir a peça, foi mostrar que “antes do 25 de Abril [Portugal] era um estado de tristeza”, com o 25 de Abril passou a “um estado de alegria”, disse à imprensa no final de um ensaio da peça.

Sem ter dado indicações aos autores, cuja dramaturgia foi elaborada pela encenadora e pelo ator Cláudio da Silva, nascido em 1974, Teresa Gafeira admitiu que, para alguém como ela “que viveu o antes, o 25 de Abril, o depois” e continua “viva”, essa é “a melhor maneira de mostrar alguma coisa” sobre o que aquela data trouxe. Até porque o 25 de Abril também se fez “para que cada pessoa possa dizer o que quiser e como quiser”, frisou.

A ação temporal de “A sorte que tivemos!” vai do Estado Novo até à atualidade. Imagens de Salazar, do cardeal Cerejeira, de Marcelo Caetano, do embarque de soldados para a guerra colonial em navios que zarpavam do Cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, sem esquecer os acenos de lenços brancos das mães e mulheres que viam partir filhos e maridos, marcam também o espectáculo nos pequenos filmes exibidos ao longo da ação.

Cenas de procissões, o desembarque de tropas nas então províncias ultramarinas e imagens de confrontos ou dos mortos e feridos da Guerra Colonial mostram-se também em imagens, enquanto os atores vão assumindo papéis que perpassam a ação temporal: do informador da PIDE, ao pai que viu o filho partir para a guerra na Guiné, à jovem revoltada que o pai mandou estudar para um colégio de freiras.

Um piano, uma secretária, um computador, alguns retângulos e um pequeno piso a um nível superior completam a cenografia concebida por Sérgio Loureiro, que também assina os figurinos.

Em vésperas de estreia, Teresa Gafeira afirma que gostava que o público saísse da peça “com a ideia do que está no título”. “Que pensassem na sorte que tivemos por nascer depois do 25 de Abril”.

Admitindo limitações do teatro para a parte documental, no que considera trabalho de “historiadores e sociólogos”, para o qual o teatro tem limites, Teresa Gafeira disse: “Já sou velha e ainda há pessoas da minha idade que viveram aquilo e sabem o que foi antes e depois [sobre o golpe que depôs a ditadura].

Teresa Gafeira disse ainda esperar que a maior parte do público da peça “não sejam pessoas de 70 anos”, mas “pessoas mais novas”. “Pessoas que não sabem nada sobre o que se passava, nem têm a mínima noção nem do que foi a ‘Revolução dos Cravos'” “nem do que ela nos permitiu”, sublinhou.

E exemplificou com a violência de uma canção obrigatória na escola primária antes do 25 de Abril, que é também cantada no espectáculo, “que nunca mais esqueceu e a marcou para a vida”.

“Contaram-me na escola a nossa história/ As lutas, as viagens do passado/ Não mais se me varreram da memória/ Contaram-me eu fiquei maravilhado/ (…)Ó minha terra, não sou ninguém/ Mas se houver guerra, quero ir também/ Morrer por ti lá nessa pátria leal/ Que eu nunca vi, mas que é também Portugal/ Somos pequenos/ Mas temos fé/ Vamos também morrer de pé […]”, cantou a encenadora, citando os versos que “nunca mais” lhe saíram da cabeça.

“Esta pequena canção é extraordinariamente significativa da repressão”, afirmou.

“As pessoas não falavam, tinham medo”, frisou. Sabiam, mas não podiam dizer “que havia não sei quantos presos políticos. […] Era tudo assim”. Hoje, às pessoas, nem “lhes passa pela cabeça” como era.

Sem falar de heróis, sejam “políticos ou militares”, “A sorte que tivemos!” põe em palco “o que existia antes do 25 de Abril, como a PIDE, a repressão e o mal-estar vivido pelas pessoas”, observou.

Sem descartar que nos tempos que correm também existe alguma autocensura, como afirma, que se “paga do ponto de vista económico”: porém, nos dias de hoje, “posso perder uma oportunidade, posso viver mal, viver um bocadinho pior, mas não vou presa. E isso faz toda a diferença”, enfatizou.

Por isso sublinha que é necessário que as gerações mais novas saibam “a sorte que tiveram por nascer depois do 25 de Abril”.

“E a liberdade conquistou-se graças ao 25 de Abril e não a Deus!”, rematou.

Com música original de Martim Sousa Tavares, a peça está em cena até 05 de maio, com récitas de quinta-feira a sábado, às 21:00, e à quarta-feira e ao domingo, às 16:00.

Na interpretação estão Carolina Dominguez, Cláudio da Silva, David Pereira Bastos, Duarte Grilo, Flávia Gusmão, Joana Bárcia, João Farraia, João Maionde e Pedro Walter, e as estagiárias da Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) Íris Cañamero e Matilde Santos.

O desenho de luz é de Guilherme Frazão, o vídeo de José Pires e o movimento de Cláudia Nóvoa.

No piano está Ana Isabel Santos, no saxofone André Marques, no sousafone Pedro Pereira, na percussão Hélder Silva e, na assistência de encenação, Ana Valente.

No dia da estreia da peça, é inaugurada a exposição “A explosão da liberdade pelos olhos do teatro”, uma iniciativa da CTA em parceria com o Arquivo Ephemera, com documentação de José Pacheco Pereira e Rita Maltez e conceção plástica de José Manuel Castanheira.

No âmbito das exposições do Arquivo Ephemera feitas em parceria com a CTA, serão ainda realizadas conversas com o público, sob o tema “Os dias da revolução”.

No próximo sábado, dia 13, a historiadora e comissária da Comissão Comemorativa 50 Anos 25 Abril, Maria Inácia Rezola, falará sobre “50 anos de liberdade”, numa conversa moderada por Rita Maltez.

No dia 20, o jornalista Adelino Gomes, que fez reportagem do dia da Revolução, estará para contar “Estive, vi, contei”, com moderação de Raul Pinto.

Uma semana depois será a vez de Guilherme Filipe e Pedro Cerejo falarem sobre “A censura ao teatro”, com moderação de Nuno Nabais.

“As campanhas de dinamização cultural do MFA”, a 04 de maio, com Manuel Begonha e Sónia de Almeida, com moderação de Pedro Maia, e “Luiz Pacheco e tal: editar em ditadura”, no dia 11, com José Pacheco Pereira e Pablo Fidalgo, moderados por Anderson Fonseca, completam o ciclo de conversas.