Keala Settle nasceu no Havai e estreou-se na Broadway em 2011 em "Priscilla, Queen of the Desert". Em 2013, originou o papel de Norma Valverde em “Hands on a Hardbody”, com o qual foi nomeada Tony Award, Best Featured Actress in a Musical pelo Outer Critics Circle Award e Drama Desk Award.
Mais tarde fez o papel de Becky no musical “Waitress”, interpretou Madame Thénardier no revival do musical “Les Misérables” e Tracy Turnblad no tour americana de “Hairspray.”
Em 2019, interpreta o tema "Seasons of Love" na versão televisiva de “Rent: Live” da Fox e acompanha Hugh Jackman na tour mundial do espetáculo “The Man. The Music. The Show.”, cantando o tema "This Is Me" do filme "The Greatest Showman", onde fez o papel de Lettie Lutz, em 2017.
Em Lisboa desde ontem, está em Portugal para atuar no "Broadway no Parque", no Jardim do Torel, que irá decorrer esta sexta e sábado à noite, às 21h.
O espetáculo é um projeto integrado no evento "Broadway em Lisboa" da MTL - Musical Theater Lisbon, encabeçado por Martim Galamba e com colaboração dos atores de teatro musical Sissi Martins e Ruben Madureira. Querem trazer a Broadway a Lisboa e começaram a fazê-lo o ano passado com este evento.
Em Lisboa, para duas noites em que vai interpretar temas de "Hairspray", "My Fair Lady", "Rent" e... fado? Recebeu o SAPO24 e contou-nos o que está a fazer por cá.
Como é que conheceu este projeto?
Eu cheguei a Lisboa ontem, mas já cá tinha estado o ano passado e foi quando conheci o Martim. Estava cá de férias e o meu amigo Rob McClure [ator premiado da Broadway], que também já colaborou com estes espetáculos e workshops, tinha-me contado que o Martim tinha este projeto. E eu que vinha só para ver Lisboa acabei por encontrá-lo no Instagram e disse-lhe que queria dizer um “Olá”.
Nessa altura, conheci também toda a companhia de teatro da MTL, que estavam reunidos para falarem de novos projetos e eu surpreendi-os no teatro. Estivemos mais de duas horas a falar sobre teatro, a rir e a chorar. Foi uma experiência fantástica e prometi que iria regressar mais uma vez. Não sabia quando, mas foi agora.
Este é um projeto que tem tudo para dar certo. Existem muitas histórias para contar e é feito com o coração do Martim, da Sissi e do Ruben, e isso é inspirador. Por isso é que já conseguiram trazer-me a Portugal, ao Rob ou à Audra McDonald, que são nomes incontornáveis da Broadway. Estamos a fazer aqui o que adoramos, que é atuar para os outros.
Teve uma carreira completa que começou há mais de 20 anos. Já passou por cinema, teatro e televisão. Já deu vários concertos. Quais são as melhores memórias que guarda da sua carreira até agora?
Neste momento a minha memória mais marcante é quando estive na Austrália e na Nova Zelândia durante cerca de dois meses. Tive a oportunidade de viajar até ao local onde a minha mãe nasceu, na Nova Zelândia, e estive com os irmãos dela, e isso lembrou-me da pessoa que eu fui um dia. Foi uma viagem extremamente emocional e esta memória não teve diretamente a ver com atuar para o público, mas lembrou-me de quem eu sou e por isso lembrou-me da razão para fazer o que gosto, que é atuar.
Existe um grande significado quando se atua em casa?
Sim, claro. Quando estava na Nova Zelândia, pude falar atrás do palco na minha língua, taitiana, e todos me entendiam. É como para um português que viaja pelo mundo e encontra alguém que fala português. Encontrar essa força é o que nos faz recarregar as baterias e continuar a trabalhar.
Já que estamos a falar de emoções e dos seus vários créditos firmados, e em particular do seu mais recente papel, que terminou há exatamente uma semana, a 12 de julho, não posso deixar de reparar que numa entrevista ao ‘The Guardian’ há alguns anos, em 2022, onde se abriu relativamente a vários desafios que sentiu na profissão, referiu que atuar no Sister Act em Londres iria ser o último musical em que ia pisar o palco. Foram as saudades que a fizeram voltar? Voltou por um projeto que, nas suas palavras, decorre num "período muito importante para a minha estrutura interna", como disse nas redes sociais?
Eu digo sempre que vou desistir. Na experiência como seres humanos, devemos todos perceber que nada é para sempre. Tudo pode deixar de existir, tudo é temporário e pode mudar. Mesmo nos altos e baixos da vida, a grande viagem é decidir se ficamos acima do nível do mar ou somos empurrados pela tempestade. Por vezes, é necessário decidir ficar num barco e esperar que passe a tempestade, e isso é a vida.
Eu vou sempre dizer que vou desistir porque nada é permanente. Eu vou sempre seguir para onde eu quero e onde o universo precisa de mim. Por vezes, preciso de estar sozinha só comigo e parar, e é isso que vou fazer. Os atores fazem coisas para outras pessoas todos os dias porque gostamos de o fazer e por vezes não estamos contentes com o que estamos a fazer enquanto artistas. Nesses momentos gosto de voltar atrás e respirar para poder oferecer a minha melhor versão.
"Na experiência como seres humanos devemos todos perceber que nada é para sempre: Tudo pode deixar de existir, tudo é temporário e pode mudar".
Acha que este sentimento deve ser só aplicado nos artistas?
Acho que todas as pessoas o devem fazer. Em todos os trabalhos.
Já atuou em vários países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, e, mais recentemente, Austrália, onde entrou no "&Juliet", em Sydney, como já nos contou. Agora aqui em Portugal, como é atuar para estes públicos distintos? Alguns no coração da ação, e outros, como nós, que estamos agora a começar a ter um cada vez maior contacto com produções internacionais, nomeadamente de musicais?
Por ser um país pequeno é que eu quero estar aqui. Mas é interessante perceber que, por vezes, as pessoas esquecem-se de que a cultura aqui é mais velha do que as pessoas que aqui vivem. O Fado que vocês cantam fala precisamente do amor, da saudade, da incerteza de não ver mais um amigo que partiu para o mar. Tudo o que está dentro das pessoas é transmitido através de música e de canções, e existem muitos espaços para se contarem histórias.
O mais interessante de atuar aqui é que o Martim e este projeto são completamente novos e está tudo a começar. É como ser pai pela primeira vez. O que eu estou a fazer é ser babysitter deste projeto. Vim contar histórias sobre outras pessoas e viemos começar uma história. A história do teatro musical na Broadway também teve um início, no Reino Unido também teve um início. Aqui também terá.
Falou sobre Fado. Gosta de Fado?
Adoro, consigo conectar-me com esta música. Gosto tanto que até tenho uma surpresa preparada para o espetáculo. O Fado é algo muito sagrado para mim de certa maneira, porque a razão para os fadistas manterem a tradição viva e a razão pela qual é essencial que se mantenha assim toca-me profundamente enquanto razão para esta cultura continuar a existir.
"Tudo o que está dentro das pessoas é transmitido através de música e de canções e existem muitos espaços para se contarem histórias"
E a Keala é de uma cultura como a nossa, que também tem tradições muito fortes...
Exatamente, por isso eu percebo os portugueses e vejo muito a cultura refletida em outras, como a vossa. Em outros instrumentos e em outras notas, mas o mundo é pequeno e vemos os mesmos fenómenos em muitos sítios.
No evento que irá decorrer hoje e amanhã, vai interpretar três canções, cada uma de um musical distinto: Hairspray, My Fair Lady e Rent. Como é que foi a escolha destes musicais e canções?
Não posso dizer nada… As pessoas vão ter que vir ao espetáculo e ver por elas próprias.
Saindo do teatro e viajando até Hollywood. Mais próximo do final do ano, irá estrear o filme do "Wicked", musical também de enorme renome, onde irá interpretar um papel criado exclusivamente para o filme: ‘Miss Coddle’. Como é interpretar um papel pela primeira vez no filme de um musical que tem um conjunto fixo de outras personagens bastante icónicas? Como foi a experiência?
Não posso falar muito sobre o filme, mas posso dizer que está absolutamente extraordinário, especialmente por duas razões. A primeira, o diretor Jon M. Chu, que é de uma ilha no pacífico como eu, por isso temos logo uma conexão. Ele cresceu na Costa da Califórnia e eu no Havai. Eu disse-lhe que iria com ele até ao fim do mundo depois de ver a maneira como ele trabalha e da forma honesta como dirige as suas histórias.
A segunda coisa mais fascinante deste filme é a atuação da Ariana Grande. Quando virem a atuação da Ariana Grande no cinema não vão acreditar. Quando vos digo que ela é a Glinda [bruxa do universo Oz, uma das personagens principais da história], ela é a Glinda, com todo o respeito por todas as interpretações que já existiram desta personagem em teatro. Existe um pouco dela na personagem mas todas as Glinda estão lá. Ela é uma cantora treinada para os palcos, mas quando a ouvirem vão ficar de queixo caído.
Ela nem sequer tem de falar. Quando a virem no ecrã vão ver o mundo em que todos desejamos viver. Todos esperam ver a Ariana mas vão ver a Glinda e nunca mais se vão esquecer.
Quanto à minha personagem, sim, foi feita só para mim e tive de a criar de raiz. E fiz isso mesmo. Para quem já viu o musical, o filme vai ser o nível seguinte de grandeza, e se não gostarem do primeiro podem sempre ver o segundo. Mesmo quem nunca viu o musical vai gostar do filme.
"Quando virem a atuação da Ariana Grande no cinema não vão acreditar"
Como é que eventos como o Broadway no Parque podem ajudar a criar uma cultura de teatro musical forte em Portugal?
Não sei se vai mudar, criar uma cultura nova, mas vai informar as pessoas sobre algo diferente e vai ser a primeira vez que muitas pessoas vão poder ver o que se faz na Broadway.
Queremos adicionar a esta cultura, não a queremos mudar.
Acha que em Portugal não se consome muito Broadway porque não a conhecemos?
Talvez. Mas existem imensos países que não conhecem Broadway. Até porque, para ser honesta, a cultura da Broadway é muito feita para uma elite e nesta experiência é para as massas. Esta experiência vai estar acessível a qualquer pessoa.
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