“As vivências foram tão bonitas, que se pensou: ‘que pena esta vivência que transformou o mundo alenquerense não se prolongar por mais tempo’”, recordou à Lusa o então presidente da Câmara de Alenquer, o também pintor João Mário Ayres D’Oliveira.
O presépio monumental, que cumpre 50 anos, surgiu um ano depois das cheias como um “monumento à solidariedade”, e é a sua história que vai agora passar a estar acessível todo o ano num Museu do Presépio que a Câmara de Alenquer, no distrito de Lisboa, projeta para um edifício reabilitado, conforme revelou o presidente, Pedro Folgado (PS).
Em 1967, a água atingiu os três metros de altura, destruiu casas e pontes, varreu de lama e destroços a vila e muitas localidades do concelho, e impulsionou um “momento espantoso” de solidariedade entre os alenquerenses e das pessoas de todo o país em relação às populações afetadas pelas inundações, que fizeram mais de 500 mortos em toda a Grande Lisboa.
João Mário lembra a história de um homem salvo da subida das águas pelo vizinho de cima, que serrou o chão de madeira para o içar. Estavam desavindos, com litígios em tribunal, não se falavam, mas a partir daquele dia tornaram-se amigos.
Para a reconstrução, contribuíram imigrantes com centenas de contos e uma pobre com cinco escudos. Alunos de escolas primárias fizeram coletas, presos de Custóias ofereceram-se para trabalhar.
Estes e outros gestos foram registados também na investigação histórica de Alberto Santos, Raquel Caçote Raposo e José Leitão Lourenço, reunida na obra “A noite mais longa – história e memória da cheia de 25-26 de novembro de 1967”, editada pela associação Alenculta.
"Na nossa investigação encontrámos ofertas de todo o tipo, ajudas vindas de todo o lado e de todo o tipo, desde roupa, comida, alojamento", disse Alberto Santos.
Para o presidente da Câmara de então, aquele foi "um momento espantoso, que faz saudade".
"Ainda hoje, isto é um paradoxo, tenho saudades das inundações, porque, além dos momentos difíceis que se viveram, viveram-se momentos extraordinários de entreajuda, de cooperação”, conta João Mário.
Na época tinha 28 anos, era um dos mais jovens autarcas do país, e chegou a representar junto do Governo de Marcello Caetano as autarquias dos concelhos afetados pelas cheias.
Como explica Alberto Santos, “a grande cheia de 1967 é um marco histórico, que tem um antes e um depois”, que traria muitos melhoramentos ao concelho.
“Acabou por ser graças às inundações que nesse período se alcatroaram estradas, se eletrificou todo o concelho”, conta João Mário.
Foi quando a vila regressava à normalidade que o vereador José de Siqueira teve a ideia de colocar na encosta que já dava um enquadramento de presépio natural à vila as figuras que viriam a ser concebidas pelo mestre Álvaro Duarte de Almeida, inspiradas na pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII.
A mais alta das figuras tem seis metros e a mais pequena um metro e meio, e apesar de terem sido substituídas em 1994 por modelos em liga metálica são idênticas às originais de madeira.
“Não havia autoestrada, esta era a estrada nacional número 1 entre Lisboa e Porto. Aos domingos tinha de pedir auxílio à então polícia de viação de trânsito, porque paravam aqui muitas pessoas. Foi um sucesso, um sucesso que se tem mantido até aos dias de hoje”, recorda João Mário.
Atualmente, para viajar entre Lisboa e o Porto já não se passa obrigatoriamente por Alenquer e a Câmara Municipal assume uma estratégia de “dar a conhecer Alenquer no Natal para que as pessoas regressem”, com uma programação que começa com o fogo-de-artifício de inauguração do presépio e da iluminação, a 1 de dezembro, e prossegue até ao final do ano.
As atividades, com uma rampa e pista de gelo, circo e teatro, são sobretudo dirigidas às crianças.
O autarca Pedro Folgado disse apostar na diferenciação face a programações mais comerciais: “Há uma proximidade muito grande com aquilo que é produzido. Penso que isso pode fazer a diferença”, afirmou.
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