Há quem faça das adversidades muita coisa, Manuel Rebelo transformou a impossibilidade de ver um concerto num coliseu esgotado. Tudo começa quando os Coldplay vêm a Portugal e Manuel Rebelo vai para uma fila às seis da manhã para comprar bilhetes, mas exatamente na pessoa antes dele esgotam. E ali, naquele momento, decide fazer um tributo aos Coldplay. Assim começa, em 2023, a viagem dos Vocal Emotion em 2023 no Tivoli.

Desde aí nunca mais pararam e esta noite sobem a um coliseu esgotado, depois a 21 de fevereiro de 2025 estarão no Porto,  e no dia 15 de março no Coliseu Micaelense. Estas serão as apresentações com 150 pessoas em palco, depois 30 andaram em formato portátil pelo país, com Alcobaça como a primeira cidade confirmada.

Entre os 150 que sobem a palco chamam à atenção os gestos leves e delicados das Mãos que Cantam, um coro de surdos que se torna o centro do espetáculo na música I'm Falling in Love. E, como tudo na história dos Vocal Emotion, surge de forma quase predestinada. O videoclip desta música no original tem língua gestual inglesa e sem o saber ou sem a ter a mente o maestro Sérgio Duarte disse em tom de brincadeira que se precisasse de uma participação do coro de surdos, estariam disponíveis. A ideia não saiu da cabeça de Manuel e no momento em que se apercebe que os próprios Coldplay tinham "algumas brincadeiras ao vivo com isso" não teve dúvidas.

E explica ao SAPO24 que quem for ver o concerto poderá ver Sérgio Duarte a ser um intérprete em tempo real do que a música está a dizer. E nem se precisa de perceber língua gestual portuguesa para se ver "qualquer coisa de artístico" há uma leveza e um ritmo próprio nos gestos, "é claramente uma forma de arte".

Tão leves, tão ágeis que chegam a emocionar. João Duque, professor catedrático do ISEG, tira o fato para se juntar ao coro e para se emocionar. É no momento em que uma rapariga do coro dos surdos explica ao grupo: "Vocês cantam por aquilo que ouvem, eu canto por aquilo que vejo." Que João Duque é confrontado com a sua própria "sorte" e "emocionou-se intensamente" , partilha Manuel Rebelo. "Tive de dar-lhe um abraço. Ele estava mesmo... Não estava a conseguir sequer aguentar ali aquela... Aquela manifestação da arte das Mãos que Cantam."

João Duque é apenas uma das caras conhecidas pouco prováveis de se encontrar ali. Desde médicos a políticos, passando por empresários há um pouco de tudo.

"Há malta de todos os quadrantes. O Vocal Emoção é um coletivo. Ou seja, é um sítio onde se encontram pessoas que partilham da mesma paixão. Não entra aqui ninguém sem fazer uma audição e sem ter uma conversa específica sobre o que é que se vive aqui."

E ali vivem-se emoções. "Respira tudo mais ou menos da mesma maneira. Ou seja, há ali uma felicidade, nós estamos ali muito virados para a música sem complicar."

Sem complicar, mas com muito profissionalismo ainda que não sejam profissionais

A Vocal Emotion uma escola de canto que faz espetáculos profissionais, "ao mais alto nível". E, explica o responsável pela escola Manuel Rebelo "é muito diferente ser músico assim ou ser música o tempo inteiro. Porque estas pessoas têm outras profissões e quando vão fazer música vão fazer aquilo que mais amam."

Uma paixão que as faz sair de profissões desgastantes e ter aulas todas as semanas e em alturas de espetáculos ensaios intensivos. O caminho de João Duque, por exemplo, cruza-se com o do Vocal Emotion em jantares do ISEG. Em conversa com Manuel Rebelo que cantava nesses jantar partilha que gostava de cantar e depressa foi convidado para fazer uns testes. E desde há três anos que "está apaixonado por isto".

Outra das caras conhecidas que surge no meio do coro de forma como raramente é visto é Miguel Prata Roque, professor na Faculdade de Direito de Lisboa e político socialista. Durante a pandemia começou a ter aulas de canto online e nunca mais parou. Inclusive, nas eleições para a FAUL "antes de começar qualquer discurso político, disse, meus senhores, estão todos convidados para ir ao Coliseu no dia 13".

A importância de estas caras com um perfil diferente fazerem parte do coro traduz a leveza e a seriedade do Vocal Emotion: "uma pessoa não deixa de ser séria porque canta". E Manuel Rebelo garante ao SAPO24 que nunca encontrou João Duque e Prata Roque a discutir política económica nos bastidores "só a cantar e na risota sempre. Tudo na brincadeira. Não se fala de nada disso. Eu, aliás, até acho que os conheço completamente diferentes."

Viver a vida que podiam ter tido

O grande segredo do Vocal Emotion é as pessoas permitirem-se viver num momento aquilo que podia ter sido as suas vidas, "as pessoas mostram um outro lado. Se calhar muito daquilo que se calhar sonhavam ter sido ou ter feito." Mesmo que o projeto tenha uma genética escolar, permite que em cima dos palcos que pisam "afirmem os seus sonhos" mesmo que "a vida não os tenha levado para aí".

Não obstante o profissionalismo dos concertos, para Manuel Rebelo é essencial que se mantenha a "genética escolar" do projeto e de uma escola familiar. "Não existe um aluno na minha escola de que eu não saiba exatamente o nome, ou o que  está a fazer. Num minuto eu chego a qualquer pessoa. Por isso é que eu não quero fazer a escola crescer. Eu não quero mais do que isto."

E, por isso, o crescimento tem passado muito pelos tributos, lembra que em julho de 2024 fizeram um a Tina Turner no Salão Preto e Prata, do Casino de Estoril, que mais uma vez esgotou.

Depois de terem esgotado os dois espetáculos Manuel sentiu que estava na altura de saltar para os coliseus. "Era uma coisa que eu queria muito fazer. Porque que é uma experiência única. Eu, como profissional, já tinha feito muitas vezes, mas não tinha feito assim com este grupo, que eu também nunca achei que chegasse ao ponto a que está a chegar."

E o ponto é que com o coliseu de Lisboa esgotado, e com o do Porto e de São Miguel quase a esgotar, já há planos para o futuro. "Um deles é um tributo aos ABBA e mais à frente um a Bruno Mars". Mas há duas coisas que estão garantidas, "fazemos sempre estes espetáculos com cento e tal cantores". E por isso, criaram os outros. Os que são portáteis. "Em que eu só levo trinta. Que para mim isso é portátil."

Nestes espetáculos que vão acontecer um pouco por todo o país, adianta ao SAPO24 que uma das datas confirmadas é em Alcobaça, no novo multiusos. E todos os espetáculos nas localidades convidarão as localidades a juntar-se em palco. Isto é, exemplifica, "se formos a Beja para mim o mais importante é o coro de Beja juntar-se a nós em palco". Recebem as partituras antes, fazem um ensaio, e no dia juntam-se. "Assim conseguimos também envolver um bocadinho a comunidade."

Esta é forma que para Manuel faz sentido ver a escola a crescer. Não quer abrir academias pelo país, e reforça: "Eu não acho nada que seja esse o caminho. Porque havia um dia que eu nem sabia que cantor é que tinha. Qual é o nome daquele cantor?"

E este teste acontece já no Coliseu Micaelense, uma vez que até aos Açores não irão os 150 participantes, mas sim 60. E, depois, já lá afinam com o "Coral de São José, com quem nós já temos laços há muito tempo."

A emoção de partilhar arte com os outros

Se Manuel dá a cara garante que é "o coletivo é que trouxe a força a este projeto". Por oposição ao "tempo de grande individualismo que se vive nas artes".

E ali todos dão tudo pelo projeto desde a arrumação da sala, à comunicação que é feita por cantores ligados à área, entre tantos outros, o "que tem um papel tanto na mobilização de públicos como no empenho".

A partilha pode acontecer em qualquer altura do ano porque a escola tem vagas abertas, mas entrar no elenco principal de um destes espetáculos "provavelmente só a partir de setembro".

E para 2025 e 2026 adianta já a quem se queira inscrever, além das duas horas de aulas semanais o plano é "fazer 20 concertos. Durante o dia temos aulas, à noite fazemos ensaios funcionais, depois se calhar na semana de um concerto grande, faz-se uma semana de produção, pára-se uma semana. E a partir do momento em que a turné esteja montada, já nem se pára. É só saber quem vai cantar o quê e está feito."